sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Os fatos... os fardos... farto

É com um enorme, enorme pesar, de olhos semicerrados e coração partido que, sob as olheiras e dedos calejados, reconheço: não sei escrever.

Encerro-me.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

põe minha dor junto à sua, carregando em lágrimas a força, a coragem e a doçura do sofrimento velado. te beijo e sinto o gosto salgado de sua alma. penso que te amo...
Você que me fala da vida sem nunca ter perdido, sem nunca ter consolado, sem nunca ter amado...
Você que me fala dos homens sem nunca ter encostado a orelha fria no morno peito para ouvir o ritmo de um coração.
Você que me fala da vida sem nunca ter se cegado, sem nunca ter sido surdo, mudo, paralisado...
Saiba que a vida é dos miseráveis, os que rastejam, os que trabalham, os que suam, os que choram, os que xingam, os que cospem, os que cagam, os que vomitam, os que devoram, os que são escravizados, os que respiram, os que pagam, os que fedem, os que sentem, os que amam, os que doem e latem e mordem e deitam e sem descansar levantam os que exaustos sorriem mesmo carregando o enorme fardo que é a vida.
Não fale de vida para mim. Ela não nos pertence.

L'Eternité de Rimbaud - uma tentativa de tradução. segue o original junto (não sei francês)

Ela foi reencontrada.
O quê? - A Eternidade.
É o mar que caminha
Com o sol.

Alma guardiã,
Murmuremos a confissão
Da noite, se crua
E do ardente dia.

Tu te libertas
Das vontades humanas,
Dos ímpetos comuns,
E voas de acordo.

Posta vossa solidão,
Brasas de cetim,
O Dever se exala
Sem que disséssemos: enfim.

Não há esperança
Tampouco criação.
Ciência com paciência,
O suplício é certo.

Ela foi reencontrada.
O quê? - A Eternidade.
É o mar que caminha
Com o sol.


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Elle est retrouvée.
Quoi ? - L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.

Ame sentinelle,
Murmurons l'aveu
De la nuit si nulle
Et du jour en feu.

Des humains suffrages,
Des communs élans
Là tu te dégages
Et voles selon.

Puisque de vous seules,
Braises de satin,
Le Devoir s'exhale
Sans qu'on dise : enfin.

Là pas d'espérance,
Nul orietur.
Science avec patience,
Le supplice est sûr.

Elle est retrouvée.
Quoi ? - L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Enquanto vomitava o estômago em labaredas, o passado turvo lhe escapava à vista... O que fizera, o que desejara, o que perdera já não eram importantes - esta era a magia da bebida. E a magia daquela dor flamejante em suas entranhas que o impedia de pensar em outra coisa. O céu estrelado talvez o censurasse, a lua cheia como um holofote em seu rosto, expondo-o à vergonha do mundo. Cuspiu saliva e vômito em desprezo. Foda-se o mundo! O que ele me fez? O que devo a ele? Jogou para trás os cabelos sujos e limpou o bigode desgrenhado. Sentou-se novamente e serviu-se de mais uma dose. Olhar aquela garrafa de uísque... e lembrar das outras garrafas de uísque que já foram... e pensar nas que ainda viriam... A derradeira e triste monotonia de sua vida lhe invadiu o coração, lhe expulsando lágrimas dos olhos. O que fizera, o que desejara, o que perdera não eram importantes... Via sua vida numa dose de uísque e talvez alguma coisa mudasse quando aquelas lágrimas a diluíssem.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Anseio II ou "talvez haja que se desconsiderar um pouco o autor... talvez os reais sentimentos não perpassem sua expressão escrita... estranho e assustador ver em nós o poder da dissimulação de forma tão... natural... mas é isso que somos, nós que nos damos ao luxo de escrever: dissimulados, dissimuladores; mentirosos e fantasiosos por vocação ou suor, com ou sem mérito. "

anseio pelo ar a esvaziar o pulmão de vácuo triste de desespero.
anseio pelo pulso quente a degelar as cálidas lágrimas de amor e luto, interrompidas, abortadas pela solidão.
anseio pela palavra, doce a desamargar o fardo de viver.
anseio tocar, ver, sentir,
anseio ser.
anseio, mais uma vez, ser.

anseio pela persistente tensão a me enlouquecer os pensamentos
anseio pela suave escravidão juvenil, as longínquas promessas, toscas, ingênuas...
anseio pelas taquicardias, as enxaquecas e as crises.
anseio pelo pânico, pelo desespero e pela esperança.
anseio pelos olhares, pelos sentidos...
anseio pelos errares, pelos confundidos...
anseio choro, moribundo e brilho radiante.
anseio o velho e o novo anseio.
anseio a ansiedade de amor novo...

anseio te tocar, anseio te ver, anseio te sentir,
anseio te ser.
anseio, novamente, te ser.
seu.


texto original: 
http://eunaoentendonadamesmo.blogspot.com.br/2013/12/anseio.html

A vida de João



Era um homem já velho, de sabedoria exposta nas rugas finas e nos cabelos ralos e grisalhos. Segurava um ancinho junto ao seu corpo e seu rosto cansado era ornado por um denso cavanhaque. Usava um terno escuro e amarrotado e sentava-se numa pilha de feno enquanto fumava um longo cachimbo. Levantou-se na medida em que João se aproximava.

- Quem é você? - questionou João, o coração disparado.
- Sou Shamus Abnergeidt. Sou a personificação de tudo o que você considera puro e sábio e estou aqui para servir de instrumento ao autor para passar suas próprias visões de uma forma superior à ordinária.
João não pôde responder. Sentia que aquele senhor falava de coisas muito importantes e cultas e essa história toda... Impressionava-se com cada palavra e ouvia como um noviço acostumado às estranhas brincadeiras do padre, entendia que naquele estranho homem encontrava-se a imagem do autor de como um guia deveria ser.
- Agora, João, - continuou Shamus - teremos uma conversa profunda e pouco verossímil sobre todas as coisas que o autor deseja abordar no livro, exibindo seu majestoso intelecto.
- Não brinca...! - exclamou João, pasmo.
- Sim, sim, e como isto é um texto de blog, seremos extremamente concisos e vomitaremos tudo de uma vez. O que significa que eu provavelmente falarei durante muitos e muitos parágrafos e minhas falas terão várias aspas para indicar que continuo falando, enquanto você, João, apenas me interromperá para exclamações de compreensão profunda ou epifanias exaltadas. Agora, João, você está pronto para esta jornada pelo ego do autor? É bom estar, pois ele é imenso!
- Acho... acho que estou. - respondeu João, hesitante.
Shamus sorriu o tipo de sorriso amável que você espera de uma mãe, um avô, papai noel, ou qualquer dessas coisas que servem pra confortar e começou a falar e fazer relações pouco convencionais ou coerentes por vários parágrafos sobre o céu, o mar, o ar, as estrelas, a moral dos homens, o universo, e essas coisas todas que não vamos dar importância porque... porque francamente ninguém está interessado.
João concordava, espantadíssimo e entusiasmado com o tanto que ele, tábula rasa imbecil e ignorante, o perfeito aprendiz com zero senso crítico, aprendia do enooooorme conhecimento do autor. Que aliás, é brilhante, diga-se de passagem e obrigado.
Enfim, não tem muito mais para falar por aqui, fica então o testemunho de como a vida de João mudou... a partir daí ele percebeu o mundo diferente e blá blá blá, essa coisa toda. Depois ele morreu, porque todo conto meu que se preze tem gente morrendo, especialmente protagonista. E fim.

sábado, 30 de novembro de 2013

Dois Josés e Milhares de Amarildos

quem tenta relativizar a prisão de genoíno e dirceu, comparando-a com a do amarildo e outros executados e perseguidos pelo estado deve saber que se trata de dois pesos e duas medidas. não se comparam.

amarildo é morto político, mas pelo descaso que o estado tem com os direitos humanos. amarildo antes de ser executado não participou ativamente da política nem muito menos tinha peso político. matar amarildo, pensavam, é repetir a rotina na favela, ninguém fora do morro sabe e não faz diferença. manter o morro nos enquadres que quer o governador, negligenciar as pessoas que lá vivem, explorá-las, etc... é a nossa máfia estatal e militar se pronunciando, como já faz há anos, há séculos. os marginalizados são executados ao prazer do estado sem grandes problemas. os meios de comunicação nunca tem a coragem ou a vontade de ir à periferia, ou mesmo de subir morro na zona sul. como falta coragem e vontade de dar voz aos manifestantes, black blocs ou não. os gritos na favela permaneciam inaudíveis, pelo menos até o caso amarildo, quando a classe média enfim tomou consciência da violência com que são tratadas as áreas "pacificadas" (e as não pacificadas, obviamente).

já a prisão dos "mensaleiros" sem prova representa uma outra face da cara suja do estado democrático de direitos brasileiro. com um stf comprado e absolutamente dominado pelo aclamado joaquim barbosa (que "finalmente trouxe justiça ao país", este, concordo, tão maltratado, mas dificilmente pelos nomes que estão agora atrás das grades), vimos a espetacularização da justiça, com julgamentos sendo transmitidos ao vivo e a cores, joaquim aparecendo em capas de revistas e sendo requisitado para presidência, a coisa era simples: ou iam presos ou iam presos. construiu-se uma certeza popular da culpa, não importa que sem evidências, de dirceu e genoíno e que o escândalo do mensalão era sim, sem a menor dúvida, "o pior e maior escândalo de corrupção que esse país já viu". mesmo quando escândalos maiores apareceram, esta certeza se mostrou firmemente sólida na opinião da mídia e de boa parte das pessoas. será? nunca se questionou tanto uma prisão. veremos...

dirceu e genoíno foram parte central do pt por muito tempo e, bem ou mal, representam alguma coisa. sua forte ligação com o partido ja seria considerado motivo para a desmoralização ferrenha que sofreram por parte da midia, talvez tentando contaminar o proprio pt na opinião pública - e conseguindo, em alguns setores. só pra constar: não sou petista e tenho milhares de críticas ao governo petista, mas a falta de provas, o peso político dos dois, a indisposição da mídia de uma forma geral de tratar de outros escândalos mais pesados que esse, a forma como esse caso foi tratado como uma coisa circunstancial, isto é, aconteceu porque eles são corruptos, ao invés de estrutural no sistema político brasileiro (impedindo, assim um desejável debate público sobre reforma política, uma de verdade), além, é claro, do dossiê do pizzolato (entre outras coisas, comprovando a ligaçao da globo com o escandalo), que agora está na italia com convicção de desmoralizar o julgamento do stf. isso tudo me faz crer sim que dirceu e genoíno, assim como provavelmente outros envolvidos, são sim presos políticos, encarcerados por interesses de classe, uma classe bem restrita. coisa, é claro, bem diferente da execução sofrida por tantos amarildos. estes, os anônimos, os mortos em números. os outros, os presos famosos. cada um com seu peso, cada um com sua medida.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013



Distorceram-me! Eu lhe juro: distorceram-me! Nunca fui ou fiz o que me acusam! Nunca lhes dera razão ou base para calúnia tamanha! Distorceram-me! Sempre mantive a compostura, a boa forma, os bons costumes da linha reta e contornos claros! Nunca ousei chegar para a cor além do que me é devido! Nunca, repito: NUNCA! fui borrão, espasmo ou tremido. Sombra, dobrado ou vibração! Jamais translúcido! Jamais indefinido! Distorceram-me de forma horrenda! Não tenho ou tive membros desproporcionais, nada em meu corpo de buraco ou fenda! Ouça-me, que agora me defendo e exijo respeito: Distorceram-me, que afirmo: jamais fui imperfeito!


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.
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* Quadro: Fantasma de um Gênio, de Paul Klee

Destraição

ei você, vem aqui, me destrair,
me distrair,
destrair
meu coração,
coração,
meu coração
partido.

Desparta
daqui.

Parte
de meu laço
Reparte
teu traço
Parto
do vácuo,
parte de seu sorriso vazio
e vão
vão
vão
embora
agora
seja tarde demais.

ei, você, vem aqui me destrair,
me distrair,
me destrair
te desbotar do meu coração.

sábado, 9 de novembro de 2013

Penso-te de forma errada, dizem-me.
Mas nunca fui de ouvi-los dizer-nos
o que pensamo-nos ou pensamo-lhes.
Foda-lhes para que fiquem-se felizes.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Perdia seu tempo chorando
Perdia horas.
Procurava em seu choro sentido
Que pudesse dar conforto.
Não encontrava.
Perdia seu choro pensando
Perdia lágrimas.
Procurava em pensamento razão
Que pudesse dar luz.
Não encontrava.

sábado, 2 de novembro de 2013



perdera a voz havia trinta anos... ainda tentava berrar desde então, mas perdera a voz. fora abafada. a suja palma da mão a abafara. perdera a sensibilidade havia quinze anos. agradecera. a força a fizera perder. a mesma força que a jogara no chão. a mesma força que tirara sua voz. a mesma força que tirava a tanto... não sabia porquê era com ela... não importava. desistiu de lutar há algum tempo: era inútil. o rio que irrompia de seus olhos há séculos era infindável. tentou olhar para as estrelas por algum tempo. até que se acabasse o inferno. por anos e anos ficou parada, imobilizada, tentando prestar atenção nas estrelas, como que para estar em outro lugar. "aposto que você gostou", disse o rapaz abotoando a calça. "puta", completou ao ir embora. continuou deitada observando as estrelas, desejando estar lá, o rio de lágrimas inundando o asfalto gelado e sujo.
quando a gente ouve um rio, sorri. quando vê estrela, vê o sol rosado no horizonte... lembra? quando estávamos à beira do abismo e você segurou minha mão? ali vi meu sol, meu rio, senti meu chão. aquele chão de terra molhada de chuva, aquele chão que cavalo pisa e a bota prende e que dá e é vida. você olhou para mim e sorriu. chão. respiramos fundo e caímos. o abismo tão raso, entre a floresta e as casas de sapê, a terra e o cimento esburacado. te vi sorrindo enquanto caíamos doces, os risos abertos e olhos fechados, o frio da barriga à espinha, as mãos dadas nos dando segurança, nos dando chão fresco.



meu avô dizia que olhar para cima, para o céu estrelado, dava tonteira, tão grande era o universo. imagino que estava certo. quando vi o clássico de kubrick, pude sentir a solidão do infinito em meu peito. e o tédio do tudo saber. o terrível e desesperador sentimento do nada que é cair no abismo invertido que é o espaço. fausto... eu comecei a ler a obra e nunca terminei... creio, pelo que sei dela sem ler, que ela deva ilustrar demais o que significa tudo saber... claro que meu avô dizia o oposto do que exemplifico com goethe... o universo é vertiginoso pelo tanto que se tem pra descobrir e aprender... vejo o oposto... o universo me é vertiginoso pois é negro, sem ar, sem som, sem informação nova... vasto...  como estar no universo pode ser absolutamente esmagador. o referencial apenas de si mesmo e das estrelas, tão maiores, mais quentes e mais luminosas... 



Ele só ficou ali, olhando. Nietzsche estava errado. era só ele. o abismo não aparecera para lhe fazer companhia.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Como nunca me furtei ao desagrado, tenho em sangue e osso os modos do desgosto. Conheço bem bem a dor, desde moço. Vejo mel em ancolia se acabar. E se caio, pois, a lágrima que todos brotam, sei muito bem de seu salgado paladar. Salgado então, que tem mais gosto do fel que é doce de abelha. arranha bom e gostoso, a ferida exposta, quase, quase morta, mas ainda respira aliviada. pinto apertado ao encontrar privada. puxada de ar de pessoa afogada. a vontade do suicida, sem a prática. o deleite de planejar a própria morte sem (necessariamente) executá-la. morte bem matada, cujo único agente é a tristeza. então não é suicídio! somos meros instrumentos da dor... velha maldada, mal-dita, mal-gozada que chega de vez em quando meio engraçada, sedutora, chamando-se para nosso dentro, para fazer do tudo um nada, e, trazer a paixão pelo nada; tudo! Transforma com habilidade o choro em mudo, transforma com habilidade o choro em mundo. mundo meio assim, meio gostoso. de autista furioso. de espaços e lacunas e mentiras a se contar. mundo a ser preenchido com o gozo e os sonhos de quem não se furta a chorar.

domingo, 13 de outubro de 2013

uma confusão incoerente e generalizada vinda de uma tentativa nada digna de fazer uma musica

tudo o que me fizeram meu e a cidade que me deu a mim
sente no próprio eu todas as coisas que me são em mim
faz parte de parte seu, que é eu, mas não é meu em si
faz parte de tudo o que sou eu que você tem em mim
que você tem em ti
que eu tenho em mim
que eu tenho em ti
que você tem em mim
tudo o que somos, sou, e o que és é pra mim o que é pra ti
tudo o que ficamos, estou, e o seu é meu e nosso enfim
todo o nosso amor que sinto, sou, és, ter-nos dos pés
ao céu e ao chão, então, infinito amor que tenho por ti
e tudo o que há em mim, és
tudo que há em ti, sou
tudo em nosso amor é
para ti, sou nós.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

parto natural

a luz do alvorecer lhe cegava os olhos. era daqueles alvoreceres virgens de área matada - viva. para ele, era como se fosse o primeiro alvorecer que via. o primeiro dia a nascer chorando e se debatendo, se revoltando com tudo e sedento por alimento, conhecimento e amor. todos os alvoreceres que presenciara anteriormente eram natimortos, abortados pela própria identidade morta de sua terra infértil, asfaltada cinza-de-tédio, tédio-de-morto. sentia-se nascendo com o sol, vermelho-sangue-de-parto, sangue de mãe. chorava, os olhos ardiam ante o mundo tão vasto e absolutamente empolgante e temerário além do conforto uterino. nascia bem e firme, nascia vivo.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Dureza e Vaidade

Os pássaros em seus braços já não parecem tão livres quanto os do lado de fora.

Sempre estão nos seus braços.
Sempre estarão nos seus braços.

Os pássaros sofrem na imobilidade forçada,
na eternidade estática dos seus braços.

Os pássaros gritam,
mudos,
o desespero em seus duros braços.

Os pássaros sentem,
tensos,
a impotência em seus flácidos braços.

Seus braços é tudo o que conhecem,
os pássaros que nasceram destinados a voar.

Pois voam,
inúteis,
para lugar nenhum e no mesmo lugar.

Talvez almejem alcançar os céus;

não podem.

As ruins grades da carne
os mantém na pele
como dor de solidão no coração.

Como dor de saudade
do que se deseja
e nunca alcançou.

Os pássaros pedem piedade;
se não podem voar, ao menos que os matem.

Vivem;
para sofrer a sina desgraçada

do cárcere carnal,
da vaidade mórbida,
das toscas ilusões,
dos sonhos impossíveis.

Da fria realidade morna dos seus braços.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Se essa rua, se essa rua fosse minha... eu mandava, eu mandava ladrilhar...



   Chorava protegida pelo anonimato, refazendo novamente a cena que aquele palco da miséria humana e da solidão conhecia tão bem. As pessoas olhavam-na com o julgamento de um padre e a compaixão de uma irmã mais velha, que se reconhecia em sua dor, tão familiar. É contraditório, eu sei, mas assim as pessoas são. Não ousaram interrompê-la em momento algum.

   A rua era apenas sua e de sua dor.

   Essa, por sinal, já fora de muitos e muitas em tantos momentos diversos e que por vezes se coincidiam. Era democrática, quase bíblica, dividia-se em quantos fossem necessários os gritos de solidão e os soluços de desespero sem nunca perder aquele mesmo vigor de proteção, do anonimato, da solidariedade julgadora das pessoas que por ela passavam. Principalmente, do respeito ao isolamento das lágrimas, dos olhares desviados, das calçadas atravessadas. A senhora dos olhos vermelhos, era ela! Para onde iam todos os marmanjos expulsos de casa, as meninas desiludidas e os rapazes em ilusão, do frenesi apaixonado da adolescência à complacente aceitação da morte. Senhora dos tímidos, dos quietos, mas que recebia de braços abertos os escandalosos e incautos. A rua, lar da boemia, das bebedeiras, dos andares melancólicos e dos lamentos, os sofridos assovios que tiram o ar não do pulmão, mas do coração pesado e artrítico de quem sofre.




sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Eduardo

- E como você se sente?
- Como eu me sinto? Como assim, "como eu me sinto"? Que porra de pergunta é essa? Como eu me sinto em relação a quê?
- Calma, Eduardo, foi só uma pergunta. Agora por favor responda: como você se sente em relação a si mesmo?
Um momento de silêncio marcou a efervescência emocional na cabeça dele. O silêncio, quebrado apenas pelas fortes e duras batidas no seu coração, como algum brutamonte arrombando uma porta de compensado. E então parou.
- Eu me sinto como uma casa quebrada. - disse, com o semblante calmo - Uma daquelas casas onde passamos nossa infância, sabe? A mãe cozinhando, o pai se arrumando pro trabalho, essa merda toda. Mas nem a mãe nem o pai estão lá. Eles estão mortos. E a casa está vazia, abandonada. E no lugar das teias de aranha... nem as aranhas quiseram saber da porra da casa. No lugar das teias estão os cacos. A casa está em cacos. É uma casa destruída, sem conserto, toda a infância que se passou lá e toda a vida que a rondava... toda a merda que se passou, mas também os momentos de felicidade, aqueles raros momentos de felicidade... aquele brinquedo que você ganhou de natal, aquela dança que seus pais dançaram, essa merda toda já era. A-ca-bou. Fim. E a casa, quebrada. É assim que me sinto, doutor, como uma casa quebrada, destruída. Me sinto sem rumo, sem razão de ser.
- E isso depois que a Bia morreu?
- É óbvio, porra, que foi depois que a Bia morreu, caralho. Porquê porra seria?
- Não foi culpa sua, Edu...
- FODA-SE!

terça-feira, 13 de agosto de 2013

uma postagem bem ruim

"Eu gostaria de estar lá em cima" - repetia o garoto, olhando o céu estrela - "Eu gostaria de estar lá em cima".
Sabia que por mais que repetisse, nada aconteceria, mas continuava com seu mantra, insistente. Via-se subindo, chegando perto das estrelas que nunca cresciam, continuavam pontos de luz que segurava e brincava na palma de sua mão. Sabia da realidade titânica e gasosa dos astros, mas não ligava. Gostaria de estar lá em cima, com elas. Embaixo era tão... "seco" foi como descreveu... Queria se molhar... Lá em cima poderia se molhar... a liberdade da água, se movimentar, flutuar, beber do próprio ambiente. Gostaria de estar lá, lá em cima.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Negação





Sua expressão compenetrada, anfíbia, mergulhando em secas águas, gélidas de outros planetas e nos trazendo (pelos dedos de artista) à terra a luz. formas transbordantes nos envolvem em ternos abraços, tenros enlaces. trêmulos suspiros, tensos olhares... posso apenas imaginar. "triste despedida da tosca memória"... é o que me diria caso me trouxesse algo. fique você com seus olhares, seus cabelos, suas verdades. fico com minha tosca memória.


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Saudades de Itapuã





   A Bahia é, por assim dizer, uma lembrança herdada. Nunca conheci as coisas maravilhosas que me foram passadas pelo meu pai. Nunca sentei à margem da Lagoa de Itapuã, à luz de velas apenas, com dezenas de outras famílias, para ouvir Dorival. Nunca vivi Salvador criança, corri e brinquei por suas ruas nem nada disso... Mas lembro de ter lacrimejado com o pesar no rosto do meu pai quando fomos ao Abaeté na nossa última visita à Salvador. Ficou um tempo parado, sem falar nada, até deixar escapar um "como tá diferente", ou algo assim... 
   Pesa. 
   É extremamente pesado o fardo que carrega quem viveu em tempos melhores, tempos mais bonitos. Pesa e rola em formato de lágrima ou estrangula em forma de agonia. A tristeza é das coisas mais profundas, mais ainda é a tristeza pelas coisas belas, aquelas perdidas e nunca reencontradas, aquelas da memória. 
   Sinto saudades da Bahia como se fosse meu pai, sinto saudades de Itapuã, do Abaeté e de Caymmi...



segunda-feira, 1 de julho de 2013

O estupro deve ser a forma mais dolorosa de violência. Não é só pela dor física que causa, não é só pelo sentimento de violação. É pela impotência inerente ao estupro. O arranhar e debater que nada adiantam. O gritar e ninguém ouvir. A total inutilidade de todos os atos, de todas as ações.

Nos estupram.

Diariamente.

Ter consciência da própria impotência perante o estupro diário é a vivência constante da frustração e da violação, da violência... Assim seguimos agora, estuprados e impotentes...

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Porquê a corrupção não é a questão?

Muito se fala dessa história de corrupção, desde um bom tempo atrás. Talvez tudo tenha começado com o mensalão, não posso afirmar nada. A questão é que durante o governo Lula, cresceu-se uma certa insatisfação dentro, principalmente, de uma classe média que se considera achatada politicamente. Pois não quero discutir classe média. Quero que se foda isso. Quer discutir o porquê de eu achar - como sempre achei - a corrupção, enquanto objeto, foco, de marchas, protestos e o caralho para a mudança política, uma coisa... inválida, se tanto. Muitas pessoas que já tiveram a oportunidade de bater esse papo comigo vão achar as palavras repetitivas. São! Estou escrevendo isso porque eu, na minha ingenuidade de jardim de infância, acredito que tenha surgido um espaço incrível e único com essas manifestações em que o diálogo se tornou algo muito mais fluido e fácil, em especial de assuntos políticos. Espero conseguir dialogar com o maior número de pessoas e ajudar a construir cabeças, construindo a minha própria no processo... Enfim.. vamos à bagaça;

Corrupção é uma pauta moralista 
Pergunta-se "o que é corrupção?" e a resposta será uma confusão absurda que não nos leva a lugar nenhum. Há de se pensar então o que é o contrário de corrupção e, claro, chegamos à conclusão lógica de que é "pureza". A própria questão da pureza se torna uma questão moralista e cristã. Ora, ninguém é puro, logo, todos são corruptos... Mas e o protesto contra a corrupção?  Minha colega disse que é nas pequenas coisas que se começa. Esse que vos escreve, sim, este mesmo aqui, cometeu o crime hediondo de furar a fila quilométrica de um certo megashow. Praticamente um assassino. Não, não podemos levantar a bandeira da corrupção por suas questões moralistas... como já vi escrito em muito canto: que é errado ser "corrupto", todo mundo sabe. Mas isso não é pauta política. Se torna sim para uma classe que se acha "pura", no mais vil dos sentidos, e que carrega a moral e os bons costumes como bandeira. Mas sabemos quem essa galera é, né?


 Corrupção é algo que está no maior nível de superficialidade de uma questão. Isso nos leva ao próximo tópico.

Corrupção é extremamente superficial; inibe o senso crítico 
Quando pensamos em corrupção enquanto problema, não conseguimos abordar nenhuma dimensão do... real problema. A questão é que se a "corrupção" é um valor abstrato, qualificado baseando-se em valores e na moral cristã, ela se torna uma denominação artificial que é o suficiente e que esconde, portanto, as dimensões da realidade além da própria aparência. Isso posto que tal pessoa fez tal coisa porque é corrupta. Fim. A corrupção é a própria justificativa; ela é a característica do corrupto. Isso impede que se faça uma análise crítica do que de fato acontece nas mais diversas situações. A corrupção, enquanto causa política, nos blinda para uma reflexão mais profunda, que vai além do "corrompido". Não se pode resumir a história do mensalão, por exemplo, que a "galera anti-corrupção" adora evocar, a questão da corrupção. De fato, não se pode falar de mensalão sem se falar da própria estrutura política do Brasil e de suas falhas. Não se pode falar de mensalão e atribuir a questão ao Lula ou ao PT, isso é de um reducionismo grotesco da realidade. Mas ocorre, já vi, você já viu, leitor, e talvez o tenha feito, e a corrupção é usada aí justamente como o tapa-rolha da discussão e da reflexão. Ela basta. Só que NÃO BASTA. Há que refletir profundamente sobre o que estamos insatisfeitos e há que ter uma opinião além da superficialidade das coisas. Não se faz política mudando agentes de poder, mas alterando a própria estrutura das relações de poder e isso não faremos nunca enquanto evocarmos a corrupção como grande mal que assola o Brasil e ponto. Não há ficha limpa que faça o trabalho de um povo com senso crítico e questionador.

Por fim, a corrupção enquanto pauta daqueles que, eu acredito piamente, estão querendo de fato um outro Brasil
Esse é o motivo de eu escrever esse texto. Não acho, como alguns colegas acham, que a classe média que se ergue contra a corrupção seja uma classe média reacionária, conservadora, cabeça dura. Acho que essas pessoas de fato estão querendo um outro Brasil. Elas vão às ruas por um motivo! Não aguentam mais essa merda toda! Há que ficar puto mesmo! Há que bradar palavras de ordem! Mas também há que sair da sua zona de conforto, geográfica e intelectual, e ousar, conhecer o Brasil que se quer mudar e, mais importante que tudo, conhecer o Brasil que se quer. Isso, eu acredito, fazemos coletivamente, numa construção de diferentes pessoas, diferentes posicionamentos, porque assim é a sociedade e assim deve ser mesmo! Mas é preciso o diálogo, sempre, a discussão, sempre, sempre... enfim... coloquei essas coisas na mesa... se de fato alguém ler e discordar, sinta-se livre para comentar... é por isso que estamos aqui...



terça-feira, 28 de maio de 2013

Posto que o doce, amargo;
medo suado,
frio
perco o controle
grito
o ritmo agitado
nosso amor profano e sagrado
alagado
incendiado
regurgitado
tão errado... tão... tão errado...

Posto que a vida, terrena;
tão frágil, tão... pequena
posto que a morte é plena
e que Deus condena
o sorriso que faz valer a pena...
o nosso amor profano e sagrado
alagado
incendiado
regurgitado
tudo tão exato... tudo tão...

Não sei mais o que eu sou
tudo que eu fiz, tudo o que chorou
o que foi lavado pelas lágrimas
e o que foi levado...
mas o nosso amor profano e sagrado
alagado
incendiado
regurgitado
faz tudo tão... tão gozado.
RIP



"Sem querer morri sem querer viver"

domingo, 26 de maio de 2013

bodas

aqueles vinhos velhos, azedos de passado, que superava o amargo seco do "desejo" esperado. seco, sexo, mérdio; cansado; já passado, já meio morto... meio ordinário... meio dorzinha; incômoda dorzinha de ser seco, seco demais. mas veio azedo e aí, meu filho, já era. azedo não dá, azedo é o cospe-fora/joga na pia. o morde e assopra sangrou e ardeu e, bom, passadou. vou buscar aquele francês, aquele sim de qualidade, aquele francês da minha aula de pintura.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

De tanto olhar, cegou... Não entendia bem... sempre haviam lhe dito que quanto mais estimulasse alguma coisa, mais desenvolvida ela ficaria. Teria alcançado o limite da visão? Aquele frágil limite entre o ver perfeito e o não ver nada? Teria alcançado o cume apenas para despencar no abismo do outro lado? Não entendia bem... Logo ela, que sempre se esforçara tanto para enxergar bem, enxergar além de qualquer variável, obstáculo, enxergar qualquer possibilidade ou alternativa... Logo ela, porque logo ela? Porque não sua colega que, meio míope, se jogava nas coisas sem dó nem piedade de si mesma? Não, mas tinha que ser ela? Chorava como que esperando que as lágrimas, as suas puras e salgadas lágrimas fossem curar sua cegueira. Desistiu de insistir na ideia em não tanto tempo... Não houve escolha, na verdade... Secara... Secara como cegara, como fora, fora da escuridão, de visão perfeita. Assim, de repente. E de repente passou a tatear... Pela primeira vez tocava aquilo que fazia seu caminho. Pela primeira vez sentia o áspero poroso do cimento em contato com suas frágeis mãos, seus frágeis dedos, sua frágil unha. Quebrou a unha! Pela primeira vez sentia a dor! Ah, a dor! Que desagradável mas... de alguma forma... estranho... novo... latejante... prazeroso. Movia-se como uma lesma, sentido cada espaço entre o onde estava e o onde devia chegar. Sentia com o prazer de uma lesma; de um leproso a se coçar. A cada coçada arrancando-se um naco de carne morta. Sentia e ralava-se, o vermelho - mas ela não poderia saber disso - do sangue a marcar seu caminho torto de prazer. Ardia quente e bom, as pedrinhas soltas de cimento grudando em sua carne exposta e expondo seu corpo com dedicação. Movendo a dor de lugar e deixando a ardência arder. Sentia-se pela primeira vez e era indescritível. Doía-se pela primeira vez e era indescritível. Ardeu doído até não arder mais e morrer naquele estado anestésico, mas inebriante da dor;
Nunca mais veria. Enxergava isso.

terça-feira, 14 de maio de 2013

coração hesitante, martelando duro em golpes incertos. quebra as pernas, tira o ar, mata a fome. dá sede.

domingo, 12 de maio de 2013

Angústia se mistura a tédio no maremoto de marasmo que me avassala. Tudo perde o interesse e até dói ser...

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Sobre o que não é arte


A questão mesma de problematizar a definição de arte não é afirmar que esta (a definição) não existe. Pelo contrário, trata-se de considerá-la algo extremamente complicado e abstrato, para não dizer subjetivo, o que sim, dificulta e muito o processo de estabelecê-la. Existem tantas definições de arte quanto quadros fora de museus e não digo que há uma que seja definitiva, por mais incoerente que possa parecer. Também não digo que haja alguma errada nem que todas estão certas. De fato, não digo nada, até porque não cabe a mim (um oh tão simplório e medíocre apreciador) fazê-lo. Não, o que eu digo é que uma definição existe, mesmo que ela seja plural, e que arte, com a maior certeza do mundo, não é "tudo". Veremos o porquê.

Pra começar, entendemos arte como uma coisa, uma vez que a denominamos e, mais importante, a percebemos. Se arte é uma coisa, ela mais que é, ela não é o que ela não é, ou seja ela não não é. Taí uma definição pra você: arte é tudo aquilo que não não é arte. Vaga, né? Ora, o que você esperava? Enfim... prosseguindo... se entendemos arte como uma coisa, ela se define por si mesma. Por mais que coisas transbordem (mas não vou por aí, não se preocupem... mas pros curiosos: uma coisa que transborda é quando ela passa de seus limites físicos e altera a realidade ao seu redor. De forma simplificada é isso), elas se limitam conceitualmente, se não de forma física, autônoma, ao menos em nossas apreensões conscientes (de consciência... do que é... cada coisa). Isto permite que diferenciemos uma banana de uma maçã ou de uma cebola. Certamente nem tudo é fruta e entendemos isso, nem tudo é doce também, e nem tudo é preto. O que nos permite diferenciar e conceituar cada coisa é nossa capacidade cognitiva. Percebemos a realidade de tal maneira que destacamos dela as coisas e as classificamos, de acordo com a percepção e/ou o conhecimento por nós adquirido. Digo "e/ou" porque não classificamos formas mais complexas sem estudo ou conhecimento, mas não precisamos de nada além da experiência para saber se algo é doce ou não, por exemplo. O próprio conhecimento pode ser uma forma classificatória autônoma, eu creio, uma vez que ele próprio se ramifica constantemente, mesmo sendo completamente abstrato. A matemática não tem diversas áreas? Ok, talvez o exemplo não proceda (não sei nada de matemática), mas vocês entenderam a ideia... Bom... chamamos algo de arte, então, porque, simplesmente, percebemos, por experiência ou conhecimento ou ambos, algo a que chamamos de arte. Agora, isso (o que chamamos de arte) pode variar (e varia), mas não importa, vamos apenas guardar que existe.

"Arte é tudo!"

Arte não pode ser tudo pelo simples motivo de ser algo percebido. Conceitos absolutos não são percebidos porque não há nada para contrastá-los. Assim, sabemos que algo é vermelho porque existem outras cores, que algo é doce porque existe o não-doce... Mesmo quando pensamos em termos mais... macroscópicos... a vida por exemplo, alguém poderia dizer que ela é tudo e mesmo assim é conceituada. Pois bem, só conseguimos pensar a vida pois há ausência de vida, isto é, a morte. A não vida é o que dá vida à vida. Ironias podem ser tão belas, não acha, leitor? (Sim, eu sei que mudo do singular pro plural o tempo todo...)

Quer dizer, percebemos que algo é xis porque existe tudo aquilo que não é xis, sabemos, então que o que é xis é tudo aquilo que não não é xis. Logo, se arte é uma coisa, ela não pode ser tudo, pois isso significaria que ela não é nada e, portanto, ou não seria experimentada ou seria experimentada com uma constância tão contínua que sua perceptibilidade seria nula. Arte é, então alguma coisa.

"Mas a arte sendo subjetiva e tal e tal pode ser uma penca de coisas pra cada um e, então, virtualmente ser tudo!"

Sim e não... a arte pode, em seu somatório geral, ser tudo, assim como tudo pode ser fruta, se alguém assim classificar. Isso vale pra qualquer conceito. Não é, no entanto, algo válido, porque além da experiência, a noção de arte é construída através do conhecimento e existem certos parâmetros para se dizer o que é arte e o que não é. Parâmetros estes que vêm sendo desafiados, quebrados, modificados, ampliados e por vezes reduzidos constantemente ao longo de, talvez, sempre, mas que existem. E que servem de modelo para a definição pessoal e subjetiva de cada um. Por exemplo, dificilmente se ouvirá dizer que um quadro de Rafael não é uma obra de arte, por exemplo. Ou uma música de Beethoven. Estou apelando aos clássicos porque eles tem mais apelo... de um modo geral, o que é erudito, é mais aceito dentro dos tais parâmetros... pelo menos é o que me parece. Enfim... Este parâmetros, que muitos consideram como elementos castradores e limitantes, para mim, são o que impedem as pessoas de botarem um escritor meia-boca de blogs no mesmo nível de um Rimbaud ou um Machado (por favor, não vamos nem começar a falar sobre poesia, que, na minha opinião é algo além da arte). Acho-os valiosíssimos (embora preze pelo seu dinamismo - que é inerente a tudo aquilo que é humano). E, claro, algumas pessoas dirão que são (ainda nos parâmetros) uma construção e bla... Pois digo que a própria arte e a própria percepção artística também são, de certa forma, construções. Posto que uma incrível obra que mobilize multidões pode não dizer nada para outra pessoa ou outra cultura. Ainda assim, cada um tem seu conjunto de parâmetros e, mais importante, nunca para uma pessoa ou uma nação, arte será "tudo". Porque quando isso acontecer, significará que ela está morta.



quarta-feira, 1 de maio de 2013

o que vem da academia, será para a academia


a antropologia à academia
enquanto eu, o antro 
enquanto antro, propriamente dito
não tenho nada
                        [nada
a ver com isso

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Clarice

Por meio de vossos muito bem apresentáveis atributos, pude conceber um universo inteiramente inédito. A saber, o da vida não me apresentada antes de vossa vinda. Se tenso foi, igualmente prazeroso e se infame, discreto, mas nunca não foi doce, nem por um momento. Se por vezes doía, talvez em algum ponto na consciência, era no mundo dos olhos arregalados mas cerrados, sempre virados e vidrados, onde estava. E lá não há consciência, inconsciência, sub-ou-super-qualquer-coisa-mais, é só o que há e é e sendo. Molhado, despeço-me do puro estado de anestesia da alma, da leveza dos movimentos duros e sou jogado às dores no calcanhar, ao ranger dos joelhos e às golfadas sem ar... Distante, me perco; Por perto, me frustro. Quero ir para longe mais uma vez.

Para você, mais experiente em tantos os meios e sentidos, se tornou recorrente perder-se. Pois leve-me novamente, quero perder-me contigo para sempre, até que nossos corpos se apodreçam da fome e da sede insensíveis aos que vivem de amor.

Para minha eterna musa,
Obrigado

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Com amor (que nunca deixou de existir), para Josefina

Vejo 
através dos véus, eu vejo
através do branco, eu vejo
através das maçãs, eu vejo
do vermelho, eu vejo
da tensão eu vejo
do prazer eu vejo
de todos os meses, eu vejo
de todos os panos, eu vejo
de tantos anos...

Vejo
através dos olhares,
dos cheiros,
das ligações,
das tardes,
das discussões,
das brigas,
dos falsos perdões,
do sofá...
das lágrimas...
dos papéis...

Vejo
através das tvs, vejo...
através da insônia, vejo
através das pílulas,
através das crises,
através das dores de cabeça,
dos soluços,
dos punhos,
da raiva,
do receio,
da perda,
do arrependimento,
do tapete...
da gaveta...
do cano...
preto...

vejo 
a mim...
e você...
através da vida...
e da morte.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Ah, a faculdade...

Final que eu queria pôr


Se Durkheim busca entender a sociedade moderna com base na divisão do trabalho, Marx o faz com base na economia. Weber (que, mesmo não incluindo no trabalho, vale a pena mencionar), por sua vez, com seu "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", demonstra que grandes mudanças estruturais podem vir da religião, inclusive mudanças na economia, e aposta na racionalidade como grande passo para a sociedade moderna. Talvez o Mercado Popular da Uruguaiana seja uma situação muito específica para compará-lo à sociedade (em sua forma meio-que-metafísica) e tenho certeza que minha estadia lá está muito longe de ser sequer imaginavelmente longa o suficiente para se supor qualquer coisa, mas o pouco que eu vislumbrei não correspondia realmente a nenhuma das propostas. Por mais que achemos ou nos forcemos a achar certas confluências entre teoria e realidade, o cru da questão é que não estamos tratando de proletariados (que nome terrivelmente genérico!) ou donos dos meios de produção ou de indivíduos com tarefas específicas e nem de processos de racionalização e ação social... não... estamos tratando de pessoas de carne e osso, com seus sonhos, desejos, ambições, frustrações e sofrimentos. Pessoas como eu e o Sr. E são elas que formam a sociedade, não importa qual seja, com suas dinâmicas muito pessoais. E são essas pessoas que deveriam estar no centro do estudo sociológico e não dentro de sua caixa de ferramentas. 

Final que acabei pondo...

Se Durkheim busca entender a sociedade moderna com base na divisão do trabalho, Marx o faz com base na economia. Possuem, portanto, pontos de vista extremamente diferentes sobre a sociedade. Para Durkheim, a sociedade é estática, quer dizer, tende ao equilíbrio, enquanto Marx enxerga os conflitos e, através de sua perspectiva histórica, constrói uma dinâmica dialética de cooperação e conflito entre homens. Claro que nenhum deles viveu o mundo de hoje e muito menos teve a chance de entrar no Mercado Popular da Uruguaiana, mas suas teorias vivem firmes e cá estou eu, tentando aplicá-las no Camelódromo, o que demonstra o quão recente ainda podem ser.

quarta-feira, 13 de março de 2013

I


'"Alguém recentemente postou por essas bandas facebookianas a definição de humildade, achei interessantíssimo e vou postar eu mesmo

humildade
hu.mil.da.de
sf (lat humilitate)
1 Virtude com que manifestamos o sentimento de nossa fraqueza.
2 Modéstia.
3 Pobreza.
4 Demonstração de respeito, de submissão.
5 Inferioridade.

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=humildade

Eu sei, como se ninguém soubesse o que é humildade... ainda mais alguém tendo postado isso por aqui recentemente.

Enfim... Complemento aqui com isso

fragilidade
fra.gi.li.da.de
sf (lat fragilitate)
1 Qualidade de frágil.
2 Fraqueza.
3 Delicadeza.

Cair é humilde, uma vez que demonstra a fragilidade, a fraqueza. Cair é ser rebaixado e, ao mesmo tempo, existe uma sociedade que glorifica tal atitude... Diabolicamente contraditório... Ser humilde é bom, mas também é digno de pena. O contrassenso das virtudes..."

II

Há na cadência certa doçura que nos incita à ajuda...
Esteja esta doçura na humildade (e fragilidade, por conseguinte) própria do ato de cair
Esteja ela em nós, no medo que transpassa o corpo ao refletir sua própria imagem caindo (hã?) => temos medo de cair (ah!)
De qualquer forma, é doce o amargor da cadência, assim como é amarga a fragilidade da doçura...
Que seja doce, então, mas que não (não?) caia.
Que caia então, mas que seja amargo.
As impregnações dos contrastantes evitam o próprio contraste! É como se sombra e objeto coexistissem no mesmo corpo, como se luz encontrasse a escuridão numa simbiose suicida, mas que não poderia ser (enquanto existir no mundo) de forma diferente...
É uma paixão apática, um furor indolente, uma fantasia pé-no-chão...
E assim se vive (...)

III

A grande antítese do maniqueísmo é a monotonia! Quando os contrastantes se encontram num processo de anulação; ácido e base viram água e tudo e nada viram...
?
Seu remédio: a Vida! 
A vida em suas infinitas nuances (que poder traz!), infinitas possibilidades, infinitas cores e tons e melodias e...
Ela dá contraste ao entendimento, não por meio de contrastantes, mas da infinitude de sentidos que podem tomar seus personagens. Não se opõem (de forma a formar vários, numa existência fragmentada e em conflito), nem se complementam (formando um, numa existência monótona), mas coexistem, todos em uma realidade, em infinitas camadas de complexidade que variarão pelo personagem e pela significação dada a ele e por ele.
A vida é um quadro dinâmico e em expansão, de infinitos traços, cores e observadores, estes que também fazem parte do próprio quadro.
A vida é um infinito em si mesmo, é a ação contemplativa da própria existência enquanto realidade. Na medida em que se age, se contempla e vice-versa, assim como na medida em que se existe, se vive (e a recíproca é verdadeira). 
E assim se vive(ndo)...

OBS para moi: A Natureza é a vida enquanto material tangível e não tangível, a vida tomando corpo e a consciência é a vida tomando mente enquanto parte da própria vida. (a desenvolver futuramente...)

Poema Nº 59, Versículo 7, Parágrafo 8º ou O Cotidiano Expresso de Forma Não Muito Clara Por Alguém Que Não Sabe Muito o Que Significa Cotidiano ou ainda (!) Há Dor


a dor é sintoma do tiro
o tiro é quadro da violência
a violência é o câncer da alma
a alma é a vernissage do eu
o eu é o lar do mundo
o mundo é causa da dor

a pré-paração que nos faz frear
é a pré-rendição ao tempo
a morte é a inércia,
a sede e a pressa
de um corpo ao relento

a dor

de viver

à dor

ador..

ador

de viver

a dor

ardor

segunda-feira, 11 de março de 2013

Bom... achei que tava na hora de mudar essa cleanagem toda... não mudei muita coisa, apenas botei um atrator de Lorenz no fundo, vocês devem reconhecer a parada do gráfico de demonstração do efeito borboleta... agora, sem entrar em detalhes, foi aqui que eu peguei a imagem http://www.stsci.edu/~lbradley/seminar/attractors.html

também botei a opção de visualizarem minha falta de seguidores... pra que eu não sei, na verdade... abreijos a todos

post fofis (ou Gestação)

Nove meses... foi o tempo que (já!) se passou. E agora, novamente, nove meses depois, cá estamos...
a chuva nos encharcando;
meus pés sentindo a calçada;
aquele beijo molhado - que romântico seria, lembra?
e foi;
e é...;
o vento nos juntando;
você e eu:
aquele rapaz desajeitado;
que continua desajeitado...
Nove meses... o tempo da nossa gestação...
de nossos desejos, de nossos planos, de nosso amor...
Nove meses... se me dissessem nove dias ou nove séculos, tanto faz.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Divagações


A vida é o universo pulsante

A morte é parte da vida, não é exterior a ela e muito menos é seu oposto. -> a morte deriva da vida ou é parte inerente dela?

A manifestação quanto à vida é possível? Pois a manifestação em si já é vida.

O universo pulsante não existe, a vida sim. A vida é o universo pulsante e a relação não é recíproca. Isto por que a vida é e sempre será prioritária em qualquer relação. Ex: A vida é um bocejo. A vida é uma árvore. A vida é uma estrela. Qualquer coisa que represente algo será vida, exceto se estiver isolada ao ponto de não se relacionar com absolutamente nada, nem ela mesma. Neste caso será Deus. A vida, como prioritária ao complexo sistema de relações se coloca acima de todas as coisas. A vida é, portanto Deus. No entanto, a vida não pode ser uma entidade, visto que por mais que prioritária, não pode representar a si mesma, ou seja, se enclausurar, se embarreirar, para começar porque as barreiras fariam parte da própria vida e, depois, pois sua extensão é tal que conceber seu fim é dar-lhe sobrevida. Entender algo fora da vida, isto é, do prioritário ao universo pulsante é simplesmente contraditório com a própria noção de prioridade sobre tudo. Não há externalidades e, portanto, não há entidade. A vida é, então, Deus em sua não-forma solta, inisolável (sim, estamos criando neologismos aqui, ou seja dando vida às palavras, ainda mais além, dando prioridade de existência a elas), mas irrelacionável pois não há com o que se relacionar.

Ok... resta a questão da morte enquanto parte constituinte da noção solta de vida ou derivada dela. Não se pode conceber a morte como "tudo que é externo à vida", para começar pelo simples fato de entendermos a morte, e, além disso, pela evidência óbvia do imenso - IMENSO - impacto que a morte tem sobre a vida. Se apenas considerarmos nós, seres humanos isolados conceitualmente para fins "metodológicos", acho que isso fica muito mais que claro. Não é concebível, portanto, que a morte se abstraia da vida. É, no entanto, parte constituinte fundamental da experiência de vida - tudo morre, cedo ou tarde, de animais e plantas, a estrelas e, provavelmente, átomos e as partículas mais elementares da constituição da realidade. É desta experiência de vida que decorre nossa morte, isto é, morremos porque vivemos ou morremos apesar de vivermos, sendo a morte uma face da vida? Talvez ambas as opções estejam erradas, posto que a vida não permite a ausência e a morte seja parte da experiência de viver (se constituinte ou decorrente dela, já não importa) e a morte não exista, portanto, enquanto ausência, concluo que a vida só pode ser absoluta e a morte efetiva - enquanto destituição de vida  (ou seja, perde sua capacidade de influenciar, perde sua relevância, sua característica a priori enquanto algo existente) - não pode existir, já que a vida é e será sempre relevante.

De uma forma mais resumida, posso falar, mais especificamente, que nenhum ser (e encaro ser aqui como qualquer coisa dentro do universo pulsante, qualquer coisa que tenha vida a priori, que seria "tudo", na verdade) deixa ter relevância em momento algum.

Sua presença enquanto vivo é o suficiente para deixar uma marca efetiva nos fluxos que subjazem a vida.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Porque sou um filho da puta preguiçoso

Diferente dos meus colegas, eu detesto luta social. Acho um porre, acho entediante, irritante, estressante, cansativo, tudo ao mesmo tempo. Tudo que eu queria é que essa merda terminasse. Óbvio que eu não posso falar isso no meu facebook, mas vou usar o blog (ora, porque não? ninguem le essa merda mesmo) pro desabafo. Não tenho saco pra ficar de tocaia esperando o batalhão de choque chegar para me dar porrada. Não tenho mesmo... "Oh mas então você é um reacionário/alienado/acomodado/blablabla. Foda-se. Na verdade me revolta sim essa merda toda mas não sinto prazer nenhum em lutar de volta. Tudo que eu queria era que não fosse preciso esse desgaste... A questão da luta social é que uma coisa é a luta em si, outra é o prazer de lutar. Esse último eu não tenho nem um pouco. Graças a deus, aliás! Não fico animado perante a possibilidade de receber gás de pimenta na cara ou bala de borracha no estômago (juro, tem gente que fica!). Porque as coisas não podem ser mais... diplomáticas?

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Que mórbido é brincar com bonecos... Não são os bonecos a representação do corpo humano em seu estado de inércia - ou seja, morto - de forma a dar ao manipulador completo poder sobre o mesmo? Bonecos e cadáveres. Um mais leve que o outro. Um mais aceito que o outro. Mas o princípio não é o mesmo? Bom... bonecos cheiram melhor...


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Escrevera uma peça uma vez...

Se estava vazio, não era porque lhe faltasse alguma coisa mas, e o zelador sabia, porque lhe possibilitava tudo. Um palco vazio, dizia para si mesmo nos raros momentos em que se permitia filosofar, é como... e pensava um pouco... já usara "um livro", "uma fita de vídeo", "um botão de flor", entre outros, mas constantemente trocava a última metáfora por outra que fosse mais apropriada. Com frequência usava metáforas que já haviam sido trocadas, mas que lhe pareciam melhores no momento. Mas desta vez usou uma nova, uma que lhe pareceu mais apropriada do que qualquer outra que já tivesse usado... é como a aurora, e sorriu, cada dia é diferente, mas você sabe que vai acontecer e sabe que será lindo. Sim, esta estava boa... vinte e cinco anos... já varria o piso de madeira trabalhada daquele teatro havia vinte e cinco anos... quanta serpentina, purpurina, suor, papel, papelão, plásticos de todas as cores, panos, tecidos, e toda sorte de apetrecho teria varrido... recolhido... abrigado... sua casa estava cheia de quinquilharias de teatro. A velha reclamava, mas não podia convencer o zelador do contrário... era sua paixão e ela sabia disso, às vezes com admiração, às vezes com certo ciúme... Conhecera Shakespeare, Suassuna, Goethe, Chico Buarque, Nelson Rodrigues e tantos, tantos outros... o quanto rira, chorara, refletira nas sombras escuras dos bastidores reservados aos zeladores, aquele canto especial reservado, no escuro, entre as cortinas ou ao lado da saída... vira musicais, tragédias e comédias, recitais, óperas e performances... vira a vida sendo encenada e sendo vivida no palco e nas plateias. Lembrava-se do jovem tolo que entrara por aquelas portas aceitando o emprego como bico, suportando meses de berraria e cantoria enquanto esperava as luzes se apagarem para que começasse a limpar e organizar... Lembrava-se destes meses que não seriam recuperados, das peças que perdera a chance de assistir, de ouvir, de sentir, de viver... Recordava-se com carinho a Carmen que o seduzira, o Hamlet que o intrigara, mas, acima de tudo, o Fausto que o convidara para o mundo cênico. Entendia cada atuação como a encarnação viva do personagem, cada gesto como se parte de um contexto... Como Fausto, quis saber, mas sua fome se resumia ao mundo das artes cênicas, das personificações dos personagens, estes que não podem ter saído da cabeça de alguém, precisavam ter vida própria... Era uma aurora, sim senhor... e era linda a cada dia que passava, mesmo nos mais nublados... Entendera o palco vazia como um mundo a ser povoado, um contexto a ser preenchido, um espaço de infinitas possibilidades sempre disposto a voltar, após cada experimentação, a seu estado virgem e imaculado de esboço criativo infinito. E esta tarefa cabia ao zelador, trazer de volta a impecabilidade do palco, seu espírito de criação que não poderia ser outra coisa que não divino. Orgulhava-se do cargo... O protetor e cuidador da aurora... Parecia uma boa metáfora, de fato... De qualquer forma, não teria chance de substituí-la... O zelador morreu na manhã seguinte, devido a complicações no pulmão... Sua metáfora se tornara o epitáfio de seu túmulo, que está lá até hoje, no cemitério da cidade...

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O mito da mediocridade

Este se baseia na ideia de superioridade individualista e prepotente que tanto insistimos em ter... Ora, mas fazer o quê? Se se traça uma linha de mediocridade, é batata que o traçador está acima dela. De cima, observando, julgando, julgando. Olha esses alienados!, dirá o traçador e seus discípulos. Estes que preferem  futebol a jornal, churrasco a leitura, carnaval a cultura (sim, leitor, eles ainda tem a pretensão de definir o que é e o que não é cultura!), cerveja a vinho! Quanto mal gosto, quanta falta de... classe? Ah, a classe!

A Classe!!!!!!!

Não, leitor, não vivo na ilusão de achar que não existe hierarquia na soc-ie-dade. Mas também não tenho pretensão nenhuma de nomeá-la. Se a classe está lá, não sou eu quem vai apontá-la, é o classificado! Mas Leitor, não sou de todo cético, é claro! Creio! Tenho fé também, acredite! Acredito na ambivalência da violência! Do poder! Da coerção! Acredito na igualdade "coesão = coerção", não há como fugir disso e, por fim, acredito na submissão ideológica. Aliás, isso é fato. Minha fé mesmo tá na sua forma consciente e coletiva, ah aí o bicho pega leitor! E como pega!

E eram deuses os... intelectuais! Só que não...
A força do povo, leitor! A camada medíocre da sociedade! Os medíocres que fazem as revoluções, e estas começam deles e não de outros. Não é de Marx que vem o marxismo, mas da vontade do povo! De seus anseios! O povo só abrigará a ideologia que o servir e aí está o problema! Não existe consenso naquilo que chamamos "vontade popular". Quando há, há exigência, e, então, revolução. O povo não quer comunismo, o povo quer viver bem e ser feliz. O povo não quer se submeter a uma ideologia, o povo quer carnaval, quer futebol, quer churrasco e não há nada de errado nisso! Não há mediocridade, leitor! Há o que há e taxar e qualificar a realidade é a forma mais elevada de prepotência que há no homem. Não há representação apenas do representante. Quem me elegeu a voz do povo? Não falo por ninguém aqui a não ser por mim! O povo faz o que quer porque ele sabe o que quer e o que é melhor para ele e não cabe a nós, no final das contas, achar que temos a verdade em nossas mãos, livros e manifestos, pois a verdade já fala por si.

Como verdadeiros revolucionários, não cabe a nós doutrinar, mas aprender e apoiar a vontade da maioria. A voz que tentamos ouvir com tantos folhetos e debates e discussões é a voz que se ouve da janela do carro, quando deixamos ela aberta, é a voz que se ouve no metrô, na praça, na praia.

Não! Não existe mediocridade! Existe o que existe e o que as pessoas querem enxergar disso. A partir daí, é por conta de cada um.

essas merdas hippongas new age dos inferno

como é estranho ter tão pouco para falar de tudo... a infinitude que me cerca, sua frágil e irreverente inércia perante as transformações (pois se tudo é, o que pode escapar ao seu alcance?) sua estabilidade mórbida equilibrada na agulha da vida, seu tenso tudo, movimento incessante em direção a si mesmo... é tudo tão vago, e é tão pequena a consistência de minhas palavras... apenas olhe ao redor.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Mórbida flor,
eis que desabrocha sem vontade.
A primavera não foi tão gentil com tuas pétalas...
Deverias ter padecido no inverno,
enquanto ainda botão...

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Tentativa de Suicídio

Assobiava Raul Seixas enquanto saía da barca, já bem atrasado para a faculdade. Na multidão de gente, uma se destacava... era uma mulher, por volta dos seus quarenta e tantos anos, branca, cabelos castanhos curtos, meio gorda... Usava um vestido florido que terminava no joelho, permitindo ver suas pernas não depiladas. A mulher se encontrava na grade que separava a plataforma de embarque do mar sujo da Baía de Guanabara, com uma perna para dentro da plataforma e outra para fora. "Ela vai pular", pensei. E pulou... a mulher terminou de escalar a grade com muita calma, com movimentos cuidadosos, se posicionou na beira da plataforma e se jogou no mar, sem retornar.
- Ela caiu! - alguém berrou.
- Ela se jogou... - eu sussurrei.
- Ela se jogou! - berraram.
- Ah bem que ela tinha deixado o rádio! - uma mulher disse.
- Alguém ajuda ela! Alguém chama ajuda!
- Deixa ela lá! Ela que se jogou!
- Maluca! - disse alguém entre risos.
A silhueta da mulher apareceu novamente, mas seu rosto não saiu da água. Um homem se jogou para ajudá-la, um segurança pedia ajuda pelo rádio. Logo uma multidão se formava para ver o resgate. Alguém me empurrou, eu andei e vi ela sendo tirada de lá. Fui embora... não acho que tenha dado tempo dela se afogar, mas não fiquei para saber... Estava confuso e me irritava as pessoas vendo a situação com graça... Suponho que todos tenham o direito de se expressar como quiserem, mas me irritava.

O que se passava pela minha cabeça, a partir do momento em que vi aquela mulher era: "Eu devo ajudá-la..." Mas eu nem estava disposto a ajudá-la e nem sequer queria ajudá-la... Para ser sincero, não sabia nem se deveria ajudá-la... O episódio foi um grande confronto para mim... Aquela mulher, quer sofresse de depressão ou alguma doença psicológica/psiquiátrica, quer não, aquela mulher esfregou na minha cara que talvez a vida não valha a pena... Fiquei pensando no que levaria uma pessoa a despir-se de sua vida, a coisa que deveria ser mais cara para ela, a única coisa que ela de fato tem e é dela... Não consigo sequer imaginar a resposta... ainda assim, ela o fez, ela se jogou. Um confronto... ela parecia tão calma, tão pensado aquele ato... Mais tarde uma garota falou "ela se jogou para chamar atenção". Tenho certeza que não foi isso, não pode ter sido... ela não subiu... talvez tenha sido um ataque ou algo assim... eu não sei como funcionam psicopatologias ou mesmo neuropatologias... tanto faz... a questão que ficou é: Será que a vida realmente vale a pena?

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Errar é Humano 1 e 2

Errar é humano
e pelas estradas do mundo, sou humano
e pelas vidas que vivi
pelas mortes que sofri
e pelas sortes que encontrei
e pelos destinos que jamais alcancei,
sou humano.

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Errar é humano;
Perdoar é prepotente.
‎" Entrou um homem de idade indeterminada, fisionomia indeterminada, naquela fase da vida em que é difícil adivinhar a idade; não era bonito nem feio, não era alto nem baixo, não era louro nem moreno. A natureza não lhe dera nenhum traço marcante, notável, nem ruim, nem bom. Muitos o chamavam de Ivan Ivánitch, outros, de Ivan Vassílievitch, e outros, ainda, de Ivan Mikháilitch.
Quanto ao sobrenome da família, também havia diferenças: uns diziam que era Ivánov, outros o chamavam de Vassíliev ou Andréiev, e outros ainda achavam que era Alekséiev.
Um desconhecido que o visse pela primeira vez e escutasse seu nome o esqueceria logo em seguida, e esqueceria também seu rosto; o que ele falava nem se percebia. Sua presença nada acrescentava à sociedade, assim como sua ausência nada retirava dela. Sua mente não possuía senso de humor, originalidade, nem outros traços peculiares, a exemplo do corpo.
Talvez ele soubesse pelo menos contar tudo o que via e escutava e com isso despertar o interesse dos outros; no entanto, não ia a parte alguma: como nascera em Petersburgo, não viajava a lugar nenhum; em consequência, via e escutava aquilo que os outros também sabiam.
Seria simpático aquele homem? Será que amava, odiava, sofria? Na certa devia amar e não amar, sofrer, porque afinal ninguém está a salvo disso. Mas, sabe-se lá como, ele achou um jeito de amar todo mundo. Existem pessoas assim, em quem os outros, por mais que se esforcem, não conseguem despertar nenhum espírito de animosidade, de vingança etc. Não importa o que façam com tais pessoas, elas sempre se mostram amáveis. De resto, é preciso lhes fazer justiça e reconhecer que seu amor, se o dividirmos em graus, jamais alcança o nível do ardor. Embora digam que tais pessoas amam a todos e por isso são boas, no fundo não amam ninguém e são boas apenas porque não são más.
Se diante de um homem assim alguém dá esmola a um mendigo, ele lhe joga também sua moedinha, e se alguém xinga, expulsa ou faz algo atrevido com outras pessoas, ele age da mesma forma. Não se pode dizer que é rico, porque é antes pobre do que rico; mas positivamente tampouco se pode dizer que é pobre, porque na verdade há muita gente mais pobre do que ele.
Tem uma espécie de renda de trezentos rublos por ano e, além disso, tem um cargo irrelevante no serviço público e ganha um salário irrelevante: não passa necessidades, não toma empréstimos de ninguém e, menos ainda, não passa pela cabeça de ninguém lhe pedir dinheiro emprestado.
No seu emprego, não tem nenhuma ocupação especial e constante, porque os colegas e os chefes não conseguem de maneira nenhuma saber o que ele faz pior e o que faz melhor, de tal modo que é impossível determinar para o que ele é especialmente capaz. Se lhe dão isso ou aquilo para fazer, ele o faz de tal modo que o chefe sempre se vê em apuros, sem saber como avaliar seu trabalho; examina, examina, lê, relê, e só consegue dizer: 'Deixe para lá, depois examino melhor... Sim, está quase como deve ser'.
Nunca passa pelo seu rosto o menor traço de preocupação, de fantasia, que demonstre que, naquele minuto, ele está conversando consigo mesmo, e ele nunca é visto dirigindo um olhar cobiçoso a algum objeto exterior, indicativo de que deseja mantê-lo sob sua alçada.
Um conhecido o encontra na rua: 'Aonde vai?', pergunta. 'Pois é, estou indo para o trabalho, ou para as lojas, ou visitar alguém.' E o outro diz: 'É melhor vir comigo ao correio, ou então vamos juntos ao alfaiate, ou vamos dar um passeio'. E ele o acompanha, vai ao alfaiate, ao correio e passeia na direção oposta à que antes estava indo.
É difícil que alguém, exceto sua mãe, tenha percebido seu aparecimento no mundo, muitos poucos reparam nele no decorrer da vida, mas seguramente ninguém vai notar como ele desaparecerá do mundo; ninguém vai perguntar por ele, nem vai lamentá-lo, e ninguém vai se alegrar com sua morte. Ele não tem inimigos nem amigos, mas seus conhecidos são numerosos. Talvez só o cortejo fúnebre atraia atenção de um passante, que renderá homenagem àquele rosto indeterminado, pela primeira vez objeto de honra de uma reverência em que se abaixa bastante a cabeça; talvez até algum outro curioso venha correndo para a frente do cortejo a fim de saber qual é o nome do falecido, para logo depois esquecê-lo.
Pois esse Alekséiev, Vassíliev, Andréiev ou como preferirem é uma espécie de alusão incompleta e impessoal à matéria humana, uma reverberação surda de seu vago reflexo."

Retirado de Oblómov, de Ivan Gontcharóv

domingo, 6 de janeiro de 2013

Não, não desejava morrer, desejava apenas observar a morte de perto. Era assim que se curava da impotência, afinal e, raciocinara, se já era prazeroso assistir à morte alheia, que dirá a própria! Imagine só! a minha carne sangrando feito bala, os ossos se partindo com barulho e as veias se rompendo, o sangue espirrando para fora. Ah sim, a dor!! Que maravilha! Podia sentir-se morto, ah que delícia, qual não seria o tamanho do orgasmo quando seu cérebro estourasse, seus olhos caíssem para fora de seu crânio, o doce amassado da vida diante de mim, eu! A vida não presta afinal de contas! Homens? Mulheres? Nada disso presta. Não sou nenhum, não senhor, sou algo além! Muito além! Se agora rio é porque sei verdadeiramente o que é felicidade! Não! Nenhum de vocês jamais encontrarão, mas eu sei! Eu sinto! Eu tenho!


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Eu te perdoo. Te perdoo porque sei que o que fez é culpa minha. Não te dei atenção suficiente, não te amei o suficiente, não te fiz o suficiente, não te dei o suficiente, não sangrei o suficiente, não suicidei o suficiente, não sofri o suficiente, não doí o suficiente, não morri. Mas não se preocupe, amor, tudo isso vai mudar.


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Ah, a mediocridade! A mediocridade é um mito! Depois continuo...

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

o toque além do tato que eu tanto necessito... o sentir além dos sentido, o estar e ser eu no mundo. o corpo que me media não é mais necessário, sou eu puro e nada mais. quero SÓ ser, SÓ estar. quero me livrar desse caixão de carne, ossos, sangue, pelos, excrementos, de sensações traduzidas, digitais, de cores filtradas, de formas borradas... ah, o querer... o poder é bem diferente... o que eu quero, sei bem que não existe... mas mesmo assim, tem um ardor em meu peito que não me deixa desejar outra coisa...
comecei o ano passado com perspectiva. ao longo do ano, esta mudou diversas vezes e pelos mais diferentes motivos: pessoas que eu conheci, as eleições, minha efêmera e quase nula participação no processo de reivindicação de direitos dos índios da aldeia maracanã, etc, etc... e, começo este, no entanto, sem nenhuma. para ser mais direto, não sinto sequer um "começo" propriamente dito. talvez seja o efeito das aulas de verão causadas pela greve, talvez seja outra coisa qualquer, enfim, eu não sei mesmo, só sei que esse ano o ritual não me atinge. vi os fogos grandiosos da praia de copacabana sem realmente entender porque aquele fuzuê todo. virou o mês e cá estamos... cá estou, melhor dizendo, sem perspectiva. minha única certeza é a maldita prova de sociologia quarta que vem. não digo que ano passado não tenha sido bom para mim, não me entendam mal, foi um dos anos mais incríveis da minha vida, a soma pode ter certeza que foi positiva. mas, acabou-se com um eu inseguro de seu curso, de suas escolhas, de seus posicionamentos, de sua eficiência e, mais importante, de sua competência. creio que não interesse bem a vocês tudo isso e não os culpo: é um porre, mesmo! na verdade, acho que não interessa nem bem a mim! mas escrevo mesmo assim, porque é isso que eu vinha fazendo e era isso que me deixava feliz, essa coisa que eu parei... escrever pra ninguém, só por escrever... e, sendo bem franco, estou feliz de fazer isso neste momento. feliz 2013