sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Os fatos... os fardos... farto

É com um enorme, enorme pesar, de olhos semicerrados e coração partido que, sob as olheiras e dedos calejados, reconheço: não sei escrever.

Encerro-me.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

põe minha dor junto à sua, carregando em lágrimas a força, a coragem e a doçura do sofrimento velado. te beijo e sinto o gosto salgado de sua alma. penso que te amo...
Você que me fala da vida sem nunca ter perdido, sem nunca ter consolado, sem nunca ter amado...
Você que me fala dos homens sem nunca ter encostado a orelha fria no morno peito para ouvir o ritmo de um coração.
Você que me fala da vida sem nunca ter se cegado, sem nunca ter sido surdo, mudo, paralisado...
Saiba que a vida é dos miseráveis, os que rastejam, os que trabalham, os que suam, os que choram, os que xingam, os que cospem, os que cagam, os que vomitam, os que devoram, os que são escravizados, os que respiram, os que pagam, os que fedem, os que sentem, os que amam, os que doem e latem e mordem e deitam e sem descansar levantam os que exaustos sorriem mesmo carregando o enorme fardo que é a vida.
Não fale de vida para mim. Ela não nos pertence.

L'Eternité de Rimbaud - uma tentativa de tradução. segue o original junto (não sei francês)

Ela foi reencontrada.
O quê? - A Eternidade.
É o mar que caminha
Com o sol.

Alma guardiã,
Murmuremos a confissão
Da noite, se crua
E do ardente dia.

Tu te libertas
Das vontades humanas,
Dos ímpetos comuns,
E voas de acordo.

Posta vossa solidão,
Brasas de cetim,
O Dever se exala
Sem que disséssemos: enfim.

Não há esperança
Tampouco criação.
Ciência com paciência,
O suplício é certo.

Ela foi reencontrada.
O quê? - A Eternidade.
É o mar que caminha
Com o sol.


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Elle est retrouvée.
Quoi ? - L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.

Ame sentinelle,
Murmurons l'aveu
De la nuit si nulle
Et du jour en feu.

Des humains suffrages,
Des communs élans
Là tu te dégages
Et voles selon.

Puisque de vous seules,
Braises de satin,
Le Devoir s'exhale
Sans qu'on dise : enfin.

Là pas d'espérance,
Nul orietur.
Science avec patience,
Le supplice est sûr.

Elle est retrouvée.
Quoi ? - L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Enquanto vomitava o estômago em labaredas, o passado turvo lhe escapava à vista... O que fizera, o que desejara, o que perdera já não eram importantes - esta era a magia da bebida. E a magia daquela dor flamejante em suas entranhas que o impedia de pensar em outra coisa. O céu estrelado talvez o censurasse, a lua cheia como um holofote em seu rosto, expondo-o à vergonha do mundo. Cuspiu saliva e vômito em desprezo. Foda-se o mundo! O que ele me fez? O que devo a ele? Jogou para trás os cabelos sujos e limpou o bigode desgrenhado. Sentou-se novamente e serviu-se de mais uma dose. Olhar aquela garrafa de uísque... e lembrar das outras garrafas de uísque que já foram... e pensar nas que ainda viriam... A derradeira e triste monotonia de sua vida lhe invadiu o coração, lhe expulsando lágrimas dos olhos. O que fizera, o que desejara, o que perdera não eram importantes... Via sua vida numa dose de uísque e talvez alguma coisa mudasse quando aquelas lágrimas a diluíssem.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Anseio II ou "talvez haja que se desconsiderar um pouco o autor... talvez os reais sentimentos não perpassem sua expressão escrita... estranho e assustador ver em nós o poder da dissimulação de forma tão... natural... mas é isso que somos, nós que nos damos ao luxo de escrever: dissimulados, dissimuladores; mentirosos e fantasiosos por vocação ou suor, com ou sem mérito. "

anseio pelo ar a esvaziar o pulmão de vácuo triste de desespero.
anseio pelo pulso quente a degelar as cálidas lágrimas de amor e luto, interrompidas, abortadas pela solidão.
anseio pela palavra, doce a desamargar o fardo de viver.
anseio tocar, ver, sentir,
anseio ser.
anseio, mais uma vez, ser.

anseio pela persistente tensão a me enlouquecer os pensamentos
anseio pela suave escravidão juvenil, as longínquas promessas, toscas, ingênuas...
anseio pelas taquicardias, as enxaquecas e as crises.
anseio pelo pânico, pelo desespero e pela esperança.
anseio pelos olhares, pelos sentidos...
anseio pelos errares, pelos confundidos...
anseio choro, moribundo e brilho radiante.
anseio o velho e o novo anseio.
anseio a ansiedade de amor novo...

anseio te tocar, anseio te ver, anseio te sentir,
anseio te ser.
anseio, novamente, te ser.
seu.


texto original: 
http://eunaoentendonadamesmo.blogspot.com.br/2013/12/anseio.html

A vida de João



Era um homem já velho, de sabedoria exposta nas rugas finas e nos cabelos ralos e grisalhos. Segurava um ancinho junto ao seu corpo e seu rosto cansado era ornado por um denso cavanhaque. Usava um terno escuro e amarrotado e sentava-se numa pilha de feno enquanto fumava um longo cachimbo. Levantou-se na medida em que João se aproximava.

- Quem é você? - questionou João, o coração disparado.
- Sou Shamus Abnergeidt. Sou a personificação de tudo o que você considera puro e sábio e estou aqui para servir de instrumento ao autor para passar suas próprias visões de uma forma superior à ordinária.
João não pôde responder. Sentia que aquele senhor falava de coisas muito importantes e cultas e essa história toda... Impressionava-se com cada palavra e ouvia como um noviço acostumado às estranhas brincadeiras do padre, entendia que naquele estranho homem encontrava-se a imagem do autor de como um guia deveria ser.
- Agora, João, - continuou Shamus - teremos uma conversa profunda e pouco verossímil sobre todas as coisas que o autor deseja abordar no livro, exibindo seu majestoso intelecto.
- Não brinca...! - exclamou João, pasmo.
- Sim, sim, e como isto é um texto de blog, seremos extremamente concisos e vomitaremos tudo de uma vez. O que significa que eu provavelmente falarei durante muitos e muitos parágrafos e minhas falas terão várias aspas para indicar que continuo falando, enquanto você, João, apenas me interromperá para exclamações de compreensão profunda ou epifanias exaltadas. Agora, João, você está pronto para esta jornada pelo ego do autor? É bom estar, pois ele é imenso!
- Acho... acho que estou. - respondeu João, hesitante.
Shamus sorriu o tipo de sorriso amável que você espera de uma mãe, um avô, papai noel, ou qualquer dessas coisas que servem pra confortar e começou a falar e fazer relações pouco convencionais ou coerentes por vários parágrafos sobre o céu, o mar, o ar, as estrelas, a moral dos homens, o universo, e essas coisas todas que não vamos dar importância porque... porque francamente ninguém está interessado.
João concordava, espantadíssimo e entusiasmado com o tanto que ele, tábula rasa imbecil e ignorante, o perfeito aprendiz com zero senso crítico, aprendia do enooooorme conhecimento do autor. Que aliás, é brilhante, diga-se de passagem e obrigado.
Enfim, não tem muito mais para falar por aqui, fica então o testemunho de como a vida de João mudou... a partir daí ele percebeu o mundo diferente e blá blá blá, essa coisa toda. Depois ele morreu, porque todo conto meu que se preze tem gente morrendo, especialmente protagonista. E fim.