quarta-feira, 22 de maio de 2013

De tanto olhar, cegou... Não entendia bem... sempre haviam lhe dito que quanto mais estimulasse alguma coisa, mais desenvolvida ela ficaria. Teria alcançado o limite da visão? Aquele frágil limite entre o ver perfeito e o não ver nada? Teria alcançado o cume apenas para despencar no abismo do outro lado? Não entendia bem... Logo ela, que sempre se esforçara tanto para enxergar bem, enxergar além de qualquer variável, obstáculo, enxergar qualquer possibilidade ou alternativa... Logo ela, porque logo ela? Porque não sua colega que, meio míope, se jogava nas coisas sem dó nem piedade de si mesma? Não, mas tinha que ser ela? Chorava como que esperando que as lágrimas, as suas puras e salgadas lágrimas fossem curar sua cegueira. Desistiu de insistir na ideia em não tanto tempo... Não houve escolha, na verdade... Secara... Secara como cegara, como fora, fora da escuridão, de visão perfeita. Assim, de repente. E de repente passou a tatear... Pela primeira vez tocava aquilo que fazia seu caminho. Pela primeira vez sentia o áspero poroso do cimento em contato com suas frágeis mãos, seus frágeis dedos, sua frágil unha. Quebrou a unha! Pela primeira vez sentia a dor! Ah, a dor! Que desagradável mas... de alguma forma... estranho... novo... latejante... prazeroso. Movia-se como uma lesma, sentido cada espaço entre o onde estava e o onde devia chegar. Sentia com o prazer de uma lesma; de um leproso a se coçar. A cada coçada arrancando-se um naco de carne morta. Sentia e ralava-se, o vermelho - mas ela não poderia saber disso - do sangue a marcar seu caminho torto de prazer. Ardia quente e bom, as pedrinhas soltas de cimento grudando em sua carne exposta e expondo seu corpo com dedicação. Movendo a dor de lugar e deixando a ardência arder. Sentia-se pela primeira vez e era indescritível. Doía-se pela primeira vez e era indescritível. Ardeu doído até não arder mais e morrer naquele estado anestésico, mas inebriante da dor;
Nunca mais veria. Enxergava isso.

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