sábado, 30 de novembro de 2013

Dois Josés e Milhares de Amarildos

quem tenta relativizar a prisão de genoíno e dirceu, comparando-a com a do amarildo e outros executados e perseguidos pelo estado deve saber que se trata de dois pesos e duas medidas. não se comparam.

amarildo é morto político, mas pelo descaso que o estado tem com os direitos humanos. amarildo antes de ser executado não participou ativamente da política nem muito menos tinha peso político. matar amarildo, pensavam, é repetir a rotina na favela, ninguém fora do morro sabe e não faz diferença. manter o morro nos enquadres que quer o governador, negligenciar as pessoas que lá vivem, explorá-las, etc... é a nossa máfia estatal e militar se pronunciando, como já faz há anos, há séculos. os marginalizados são executados ao prazer do estado sem grandes problemas. os meios de comunicação nunca tem a coragem ou a vontade de ir à periferia, ou mesmo de subir morro na zona sul. como falta coragem e vontade de dar voz aos manifestantes, black blocs ou não. os gritos na favela permaneciam inaudíveis, pelo menos até o caso amarildo, quando a classe média enfim tomou consciência da violência com que são tratadas as áreas "pacificadas" (e as não pacificadas, obviamente).

já a prisão dos "mensaleiros" sem prova representa uma outra face da cara suja do estado democrático de direitos brasileiro. com um stf comprado e absolutamente dominado pelo aclamado joaquim barbosa (que "finalmente trouxe justiça ao país", este, concordo, tão maltratado, mas dificilmente pelos nomes que estão agora atrás das grades), vimos a espetacularização da justiça, com julgamentos sendo transmitidos ao vivo e a cores, joaquim aparecendo em capas de revistas e sendo requisitado para presidência, a coisa era simples: ou iam presos ou iam presos. construiu-se uma certeza popular da culpa, não importa que sem evidências, de dirceu e genoíno e que o escândalo do mensalão era sim, sem a menor dúvida, "o pior e maior escândalo de corrupção que esse país já viu". mesmo quando escândalos maiores apareceram, esta certeza se mostrou firmemente sólida na opinião da mídia e de boa parte das pessoas. será? nunca se questionou tanto uma prisão. veremos...

dirceu e genoíno foram parte central do pt por muito tempo e, bem ou mal, representam alguma coisa. sua forte ligação com o partido ja seria considerado motivo para a desmoralização ferrenha que sofreram por parte da midia, talvez tentando contaminar o proprio pt na opinião pública - e conseguindo, em alguns setores. só pra constar: não sou petista e tenho milhares de críticas ao governo petista, mas a falta de provas, o peso político dos dois, a indisposição da mídia de uma forma geral de tratar de outros escândalos mais pesados que esse, a forma como esse caso foi tratado como uma coisa circunstancial, isto é, aconteceu porque eles são corruptos, ao invés de estrutural no sistema político brasileiro (impedindo, assim um desejável debate público sobre reforma política, uma de verdade), além, é claro, do dossiê do pizzolato (entre outras coisas, comprovando a ligaçao da globo com o escandalo), que agora está na italia com convicção de desmoralizar o julgamento do stf. isso tudo me faz crer sim que dirceu e genoíno, assim como provavelmente outros envolvidos, são sim presos políticos, encarcerados por interesses de classe, uma classe bem restrita. coisa, é claro, bem diferente da execução sofrida por tantos amarildos. estes, os anônimos, os mortos em números. os outros, os presos famosos. cada um com seu peso, cada um com sua medida.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013



Distorceram-me! Eu lhe juro: distorceram-me! Nunca fui ou fiz o que me acusam! Nunca lhes dera razão ou base para calúnia tamanha! Distorceram-me! Sempre mantive a compostura, a boa forma, os bons costumes da linha reta e contornos claros! Nunca ousei chegar para a cor além do que me é devido! Nunca, repito: NUNCA! fui borrão, espasmo ou tremido. Sombra, dobrado ou vibração! Jamais translúcido! Jamais indefinido! Distorceram-me de forma horrenda! Não tenho ou tive membros desproporcionais, nada em meu corpo de buraco ou fenda! Ouça-me, que agora me defendo e exijo respeito: Distorceram-me, que afirmo: jamais fui imperfeito!


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* Quadro: Fantasma de um Gênio, de Paul Klee

Destraição

ei você, vem aqui, me destrair,
me distrair,
destrair
meu coração,
coração,
meu coração
partido.

Desparta
daqui.

Parte
de meu laço
Reparte
teu traço
Parto
do vácuo,
parte de seu sorriso vazio
e vão
vão
vão
embora
agora
seja tarde demais.

ei, você, vem aqui me destrair,
me distrair,
me destrair
te desbotar do meu coração.

sábado, 9 de novembro de 2013

Penso-te de forma errada, dizem-me.
Mas nunca fui de ouvi-los dizer-nos
o que pensamo-nos ou pensamo-lhes.
Foda-lhes para que fiquem-se felizes.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Perdia seu tempo chorando
Perdia horas.
Procurava em seu choro sentido
Que pudesse dar conforto.
Não encontrava.
Perdia seu choro pensando
Perdia lágrimas.
Procurava em pensamento razão
Que pudesse dar luz.
Não encontrava.

sábado, 2 de novembro de 2013



perdera a voz havia trinta anos... ainda tentava berrar desde então, mas perdera a voz. fora abafada. a suja palma da mão a abafara. perdera a sensibilidade havia quinze anos. agradecera. a força a fizera perder. a mesma força que a jogara no chão. a mesma força que tirara sua voz. a mesma força que tirava a tanto... não sabia porquê era com ela... não importava. desistiu de lutar há algum tempo: era inútil. o rio que irrompia de seus olhos há séculos era infindável. tentou olhar para as estrelas por algum tempo. até que se acabasse o inferno. por anos e anos ficou parada, imobilizada, tentando prestar atenção nas estrelas, como que para estar em outro lugar. "aposto que você gostou", disse o rapaz abotoando a calça. "puta", completou ao ir embora. continuou deitada observando as estrelas, desejando estar lá, o rio de lágrimas inundando o asfalto gelado e sujo.
quando a gente ouve um rio, sorri. quando vê estrela, vê o sol rosado no horizonte... lembra? quando estávamos à beira do abismo e você segurou minha mão? ali vi meu sol, meu rio, senti meu chão. aquele chão de terra molhada de chuva, aquele chão que cavalo pisa e a bota prende e que dá e é vida. você olhou para mim e sorriu. chão. respiramos fundo e caímos. o abismo tão raso, entre a floresta e as casas de sapê, a terra e o cimento esburacado. te vi sorrindo enquanto caíamos doces, os risos abertos e olhos fechados, o frio da barriga à espinha, as mãos dadas nos dando segurança, nos dando chão fresco.



meu avô dizia que olhar para cima, para o céu estrelado, dava tonteira, tão grande era o universo. imagino que estava certo. quando vi o clássico de kubrick, pude sentir a solidão do infinito em meu peito. e o tédio do tudo saber. o terrível e desesperador sentimento do nada que é cair no abismo invertido que é o espaço. fausto... eu comecei a ler a obra e nunca terminei... creio, pelo que sei dela sem ler, que ela deva ilustrar demais o que significa tudo saber... claro que meu avô dizia o oposto do que exemplifico com goethe... o universo é vertiginoso pelo tanto que se tem pra descobrir e aprender... vejo o oposto... o universo me é vertiginoso pois é negro, sem ar, sem som, sem informação nova... vasto...  como estar no universo pode ser absolutamente esmagador. o referencial apenas de si mesmo e das estrelas, tão maiores, mais quentes e mais luminosas... 



Ele só ficou ali, olhando. Nietzsche estava errado. era só ele. o abismo não aparecera para lhe fazer companhia.