sexta-feira, 29 de junho de 2012

Sou o cárcere da sua felicidade, 
Sou a evidência, o juiz e o carrasco,
Sou a escolha forçada,
A ameaça velada,
O medo da solidão.
Sou um contra todos,
A quem se agarrará por desespero
Não por vontade, mas por que não há outro jeito.
Carcereiro sanguessuga, é o que eu sou...
Mas não se engane, não me orgulho

terça-feira, 26 de junho de 2012

Poesia e Revolução (Parte 2)

(Este texto é uma continuação de Poesia e Revolução Parte 1 (http://naoentrenesselink.blogspot.com.br/2012/05/como-eu-vejo-revolucao.html) e todas as citações, exceto a de Salvador Dalí, vêm do livro A Hora dos Assassinos, do Henry Miller. Não preciso dizer que foi um livro que gostei bastante)






"Um mundo totalmente novo, terrível e assustador, está diante de nós. Um dia acordaremos e nos depararemos com uma cena que ultrapassa qualquer possibilidade de compreensão. Os poetas e os profetas vêm anunciando esse mundo novo há várias gerações, mas sempre nos recusamos a lhes dar crédito. Nós, os das estrelas fixas, rejeitamos a mensagem dos esquadrinhadores do céu. Foram por nós considerados mortos, fantasmas fugitivos, sobreviventes de catástrofes perdidas em passado longínquo."

No século XVIII, na Europa, começa um fenômeno que vai, doravante, ser determinante na história humana. Estou falando da Revolução Industrial e suas maravilhosas e terríveis consequências; o advento da indústria e dos avanços da técnica trouxeram consigo aquela semente ideológica que quebraria os vínculos com o sistema político, econômico e, principalmente, simbólico. Poesia. A igualdade perante a lei, a liberdade para crer, para trocar, suas ânsias como homens eram respondidas e, assim, um conjunto de ideias toca um conjunto de homens e faz uma revolução. A colocada do homem no centro, a princípio uma ferramenta coletivizadora, iconoclasta e filosófica, logo assumiu uma posição de idealismo técnico e veneração da ciência. Positivismo, o grande mal do século. 

Minha professora de metodologia certa vez disse-nos "O papel da ciência é quebrar o encantamento.", pois bem, partindo desta frase vemos como é grande a prepotência do homem da ciência. Simplesmente desqualificar todo conhecimento fora de seu estreito campo de visão, classificando-o como "encantamento"... Agindo como se a vida não precisasse desse "encantamento", que o ser humano é mais completo com o suposto conhecimento científico - este, o único que pode ser considerado conhecimento real.

Vimos a Europa do século XIX inflar o ego da máquina e da indústria, mas principalmente do conhecimento científico cartesiano e "pé-no-chão". Vimos o positivismo crescer e vimos, claro, o "desencanto" que foi consequência disto. Diz Miller sobre o período:

"Um século de inquietação, de materialismo, e de 'progresso', como se diz. Um Purgatório em todos os sentidos, e os escritores que brilharam nesse período refletem isso de maneira sinistra."

Vemos a angústia, o desespero estampados na arte, esta que sofria com o "desencanto" que vinha da ciência. Loucos, boêmios, imorais, vemos refletidos nos românticos, nos simbolistas as dolorosas investidas da ciência e conhecemos, por fim, o resultado da fusão arte x ciência... naturalismo, realismo, parnasianismo... podres, podres referências a arte. Não tocam a não ser na glote, provocando um vômito de termos e conceitos fracos, mas considerados verdadeiros... determinismo, por exemplo, prova grande da falibilidade da ciência. Enquanto isso, Rimbaud, Van Gogh, Nietszche e outros são exilados socialmente por exprimir  poesia que, mais tarde, seria reconhecida. Seria? Henry Miller continua:

"Quanta revolta, quanta desilusão, quanta ânsia! Nada mais que crises, prostrações, alucinações e visões. Estremecem os alicerces da política, da moral, da economia e da arte. O ar está cheio de advertências e profecias sobre a derrocada que se aproxima - e que se concretiza no século XX! Já duas guerras mundiais e a promessa de outras antes de o século acabar. Chegamos ao fundo? Ainda não. A crise moral do século XIX simplesmente cedeu lugar à falência espiritual do século XX."

Com o crescimento do racionalismo científico, outro fenômeno surge na Europa, agora liberal e capitalista: o individualismo. O homem não estava mais no centro, era o indivíduo que estava. Uma sociedade que já era profundamente egocêntrica, num sentido mais étnico, se torna egocêntrica num sentido mais individualista, e, com a exaltação do ego, o alter se perde em insignificância. Isso resulta em pelo menos três consequências: 

O cientista se cria em superioridade;

O artista renega seu público;

O público renega a poesia;

Para o bom funcionamento da arte e da poesia é preciso uma relação íntima entre o poeta e o leitor, isso se torna inviável quando um renega o outro. E enquanto a ciência nos fornece técnica e ferramentas para a nossa utilidade, a poesia não passará de palavras e imagens vagas.

"O assobio da bomba tem sentido para nós, mas os delírios do poeta parecem disparates."

A soberania da ciência sobre a arte... da objetividade sobre a subjetividade. Dalí comenta sobre a racionalidade: 

"Todos sabem que a inteligência nos faz desembocar apenas nas névoas do ceticismo, que ela tem por efeito principal reduzir-nos a coeficientes de uma incerteza gastronômica e super-gelatinosa, proustiana e malsã."

Reduzamo-nos então a esta matemática biológica sem espírito e sem alma. Se a subjetividade perde seu valor na sociedade, o que nos resta? O que nos difere das ferramentas e máquinas que criamos? O ser humano urra por poesia como o corpo urra por sangue, como o sangue urra por um coração que o bombeie e como o coração urra por vida. 

Pois na virada do século XX os poetas e artistas perceberam a condenação da arte a algo científico, enclausurado e objetivo. Fez-se então a ruptura epistemológica, rompeu-se com aquele antigo estilo escroto burguês que os levou a tantas guerras e atrocidades. Mas o ego era grande. E, se houve a renovação da poesia, esta ficou também enclausurada entre os poetas. Miller comenta sobre:

"O culto da arte não preenche sua finalidade quando só existe para meia dúzia de homens e mulheres privilegiados. Então não é mais arte, mas a linguagem cifrada de uma sociedade secreta para a propagação de uma individualidade descabida. A arte é algo que incita as paixões humanas, que dá visão, lucidez, coragem e fé. Que artista da palavra, nesses últimos anos, incitou o mundo como Hitler? Que poema abalou, recentemente, como a bomba atômica?"

Repito: O egocentrismo dos novos poetas os afastaram das multidões, assim como o egocentrismo do indivíduo o afastou da poesia. A poesia, então, vai perdendo o seu poder e o poeta sua função.

"O poeta hoje está obrigado a desistir de sua vocação porque já demonstrou seu desespero, já reconheceu a própria incapacidade de comunicar-se. Ser poeta era antigamente a vocação mais sublime; hoje é a mais fútil. E isso não porque o mundo seja imune às súplicas do poeta, mas porque ele mesmo não acredita mais no caráter divino de sua missão."

E a sociedade, sem poesia, se estagna. Globalização... o cientificismo é exportado, vendido e imposto ao redor do mundo, a descrença e a objetividade se agravam e a imunidade a poesia se torna mais evidente... Se discutem com armas e não com palavras. Se elogia com produtos e não com versos. Se ama com o bolso e não com o coração.

Individualismo.

Que estagna.

Que massifica.

Tive algum problema para conseguir sintetizar a ideia de um individualismo exacerbado que, ao mesmo tempo, tire toda a individualidade. Se trata de um individualismo inexpressivo e comandado. Se trata de pensar em si mesmo, mas fazendo o mesmo que todos, o isolar-se para dentro de si, sem a vantagem reflexiva que isso poderia gerar. Como assim? Faço aquilo que for do meu interesse, mas o meu interesse é ditado por terceiros. Me vendem sonhos, desejos, medos e soluções. Me vendem a ilusão de não precisar de ninguém e assim permaneço fechado em mim, fechado para os outros e principalmente para a poesia, me sirvo de escudo contra qualquer coisa que tente me tocar, me mudar, sou orgulhoso por que acredito ser diferente, mas não sou. Sou mais um e a falsa diferença é também produto. A comercialização do ser, do ser igual e também do ser diferente - que, logo vemos, são dois de um só. O consumo do sonho inalcançável, o auto-ódio, a baixa autoestima, a depressão... são todos consequências e necessidades do sistema individualista que vivemos hoje. Que não individualiza, pelo contrário, segrega quem tenta demonstrar identidade própria. 

E que mata a poesia.

E que mata o poeta.

E que estagna a sociedade, pois esta aguarda, com carência, a poesia que a libertará.

Continuamos, assim, um processo que começou pelo século XVIII e se intensificou no século XIX, refletindo na angústia dos poetas que o viveram. Continuamos já com a decadência de uma agora moribunda poesia, que não toca nem quer tocar e que, por consequência, não merece ser chamada assim.

"Não chamo de poeta quem apenas faz versos, com ou sem rima. Para mim, poeta é aquele homem capaz de alterar profundamente o mundo. Se houver um poeta desses vivendo entre nós, que se proclame. Que levante a voz! Mas terá que ser uma voz que possa abafar o estrondo da bomba. E que use uma linguagem que derreta os corações humanos, que faça borbulhar o sangue."

Está ainda para surgir um poeta como foi Hitler, Marx ou qualquer outro homem próximo das multidões, independente da espada moral que possa pender sobre ele. Estamos condenados ao cárcere da imobilidade enquanto não entendermos algo bem simples, que Miller, em seu livro, observa e eu cito:

"Não há nada de misterioso em torno das energias do átomo; é nos corações humanos que reside o mistério."

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Ode às Traças

Matheus era ateu, apesar do nome bíblico. Quando criança, lembra que sua mãe o levava ao parque da cidade, onde havia um balanço. Balançava pelo que pareciam horas, sua mãe cantando enquanto ele pedia "mais alto! mais alto" e a cada empurrão, sentia que passava da estratosfera, quase encostava no céu. Cresceu... e aquela criança voadora perdeu as asas, sabia muito bem o tamanho do pulo que dava e não chegava a meio metro. Não ousava sonhar muito longe, sabia que seus sonhos nunca se realizariam. Começou a fumar aos dezesseis para se punir, um maço por dia. Começou a beber aos dezenove porque não aguentava mais o próprio julgamento. Agora tinha vinte e dois, escrevia, era a única coisa que fazia. Não ousava sequer pensar em publicar, sabia que não tinha competência. Teve duas namoradas, lembra-se, uma que amara e a outra não. A primeira guardava como agridoce recordação, amou e não foi correspondido e, apesar da dor, depois de um tempo isto pareceu irrelevante... Só queria estar perto dela, sentir o cheiro dela, o gosto. Mas não era sustentável, logo virou um encosto e foi dispensado. A segunda, a que não amara, durou mais. Não sabe bem o que o levou a continuar com ela... talvez o medo de ficar sozinho, talvez suas lindas coxas. Ela não o amava também e, lembra-se, certa vez disse-lhe "o que somos? não somos amantes, já que a gente não se ama..." ao que ela respondeu com uma risada seca e curta. Esta também cansou-se dele, mas ele já não ligou... chegou a um ponto em que a perspectiva da solidão lhe era mais interessante que sua companhia. Tragava mais cigarros a medida que envelhecia e envelhecia mais a medida que fumava. E nos intervalos, tomava uma ou duas doses. Vinte e dois... parecia trinta e quatro. Depois de sua segunda namorada, começou a fantasiar uma vida ao melhor estilo Álvares de Azevedo, beber, fumar e frequentar bordéis e viver na solidão - que já tinha deixado de ser uma ameaça e se tornou acolhedora. Viveu assim desde então... mas não morreu tão cedo... deixou a solidão e os vícios o corroerem, deixou o anseio pela morte crescer, deixou a dor reinar suprema sem objeções... escreveu poemas, contos, livros e mais livros sem nunca desvirginá-los sob os olhos de outra pessoa. Ah... a morte... como lhe agradava a ideia de um fim, ao mesmo tempo, era covarde demais para acabar qualquer coisa. Mas a solidão o foi endurecendo e a ideia da morte pelas próprias mãos parecia cada vez mais sedutoramente sólida e concretizável. Lamentou, enquanto apertava o buraco da bala, o sangue escorrendo por entre seus dedos meio adormecidos, que fosse morrer depois de reagir, bêbado, a um assalto. Em seu sujo e apertado escritório, pilhas de livros escritos a mão repousavam, aguardavam a volta de seu progenitor. Receberiam apenas a visita permanente da poeira e dos fungos que se acumulariam com o passar do tempo. Mas aguardariam pacientemente. Um dia, alguém os leria e conheceria aquele menino de nome bíblico que acreditava voar. O Matheus que nenhuma de suas namoradas, traficantes ou putas conheceu, mas que eles, suas crias escritas com tinta, suor e sangue conheciam tão bem. 

Ou as traças chegariam antes.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Despedida

Então vai... nem sei bem o que estava fazendo aqui... se era usado ou se estávamos mutuamente nos usando... vai... não sei bem o que pretendia contigo, ou o que você esperava de mim... vai, oras, por que a demora? Vai e não volta. Fui burro de achar que poderia dar em alguma coisa... Foi a partir de que momento que eu comecei a achar isso? E a partir de quando eu comecei a tentar entender o processo todo? Foi acontecendo e foi tão natural... mas naturalmente acabou. Como tudo morre, como tudo padece, como tudo decai. Decaí(mos). Caí(mos) em mim(nós?). Como pudemos sequer pensar que poderíamos tentar? Somos tolos... eu sou. Você não me conhece, eu sim. Deveria ter te alertado (eu tentei, juro!): não há salvação, meu caminho é solitário, tem que ser. Já foi? Já... Das saudades florescerá algo mais bonito do que o tempo que passamos juntos.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Queria fumar para fazer parte de um estereótipo... queria que as pessoas pensassem de mim exatamente aquilo que eu quero que elas pensem. Queria poder ser a imagem que eu quisesse, para poder me dar ao luxo de pensar o que quisesse. Não me preocuparia com meus atos, eu seria consolidado na mente alheia, seria um quadro, estático, imutável, a secretamente tramar a dinâmica de uma montanha-russa. Seria livre por ser preso aos outros.

domingo, 17 de junho de 2012

São os traços, os finos traços,
traçam seu corpo como a um mapa.
Cartografia da perfeição.

Constelações, finas constelações,
transcendem a abstração,
ancoram no porto do mundo físico.

Tangível.

Mar... suave mar,
a deslizar pelas dunas
finamente traçadas.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Certamente nao e pra mim... Deixem os outros com suas felicidades, eu continuo a me sabotar... essa inseguranca teima em assegurar minha solidao... E que mal ha nisso? Existem aqueles que nasceram para a vida reclusa, eu apenas cumpro meu papel. Que seja recluso, entao, e que seja so... Que seja miseravel e que seja eterno... So conheco esse jeito de viver... toda tentativa de fugir de meu caminho foi terrivelmente frustrada... Mas talvez tambem isso faca parte de meu processo de isolamento... a frustracao que me joga, com a forca de suas investidas, para longe dos outros e cada vez para mais perto de mim... de mim? Como posso me chamar de egocentrico (existe outra palavra para isso?), se se trata de um egocentrismo forcado? Sinto a melancolia e aprendo a aprecia-la... Ja nao doi mais como da primeira vez... de fato, quase sinto prazer... a dor me transformou num viciado. Masoquista por definicao, a dor tanto faz parte de mim quanto me consome... tenho nocao de minha curta data de validade, muito em breve serei produto estragado, rejeitado e por fim removido das prateleiras... Falta conservante... falta aquilo que motiva a sobrevivencia... Nao... meu masoquismo urge pelos vermes, aguardo-os sem muita paciencia. Esse impeto passivo-suicida que me assola agora nao e de todo assustador. Talvez o seja para ti leitor, pois nao vives minha situacao, nao sabes o que e estar dominado por si mesmo, impotente (olha ela de novo, nossa deusa-mor, estrela guia, coordenadora de minha vida). Se vamos denomina-lo, chamaremos de contraditorio (vivo enquanto morto). Suicidio passivo, psicologico... ja morri faz tempo, e um fato. Apenas aguardo o fato se consumar - fisicamente. Enquanto espero, saboto-me, mantenho-me morto. Sao postumos estes escritos, sempre foram, desde aquele dia na infancia. Nao... por toda minha vida tenho te culpado (no fim e isso, por mais que eu tente negar) por minha morte, mas estive sempre errado... nao sou um caso de homicidio, o assassinato foi proprio e foi lento e gradual, como se concretizou no dia em que voce nao quis mais olhar na minha cara. Como doeu... foi a ferida fatal. Mas eu a busquei, agora e claro. Busquei a dor, como bom e obediente masoquista que sou. Nao tenho coragem de te procurar... Nao sei o que falaria... E agora sinto-me num momento decisivo... ou faco a autopsia de meu espirito, finalmente te reencontrando (se e que ainda es a mesma), ou continuo aguardando, entorpecido, ansioso, os vermes. Naturalmente, os vermes sao mais acolhedores...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Sentei-me num desses bancos de rua, virado para o mar. O banco estava vazio. Estava vazio. Combinava comigo. Era verde. verde. Precisava que fosse preto. Não era. Sentei-me para apreciar o pôr do sol... Mas as nuvens cinzas impediam que as luzes laranjas me alcançassem. Tremíamos pela ansiedade do encontro, encontro impossível, mas inadiável. Que nunca mais fosse, então. Que mentira... dia seguinte teríamos outra chance. E a luz me inundaria o vazio escuro vácuo que me pertencia (ou... a que eu pertencia?), preenchendo e dando forma àqueles escondidos nas sombras concretas da solidão... A luz me acompanharia, me faria seu amigo, seu confidente e eu faria dela meu calor. Mas não hoje. Não... hoje as nuvens eram cinzas e densas e impediam nosso encontro. Cinzas correntes de vapor d'água... que triste. Cocei a barba. As ondas batiam com força nas pedras e as gotículas que fugiam da maré alta se misturavam com a chuva fina a cutucar meu rosto. O vento gelado que sussurrava aos meus ouvidos tirava o calor de meu nariz. Esfreguei as mãos, senti minha pele pela minha pele. Tirei os sapatos, a textura da calçada, fria e molhada, me fazia sentir mais firmeza no chão que pisava. Sólido, mas, ao mesmo tempo, tão volátil. Volátil. Esta era a palavra que me definiria. Pronto para a explosão, era um átomo pesado demais, errado demais, anômico. Que seriam catastróficas as consequências eu sabia, que seriam terrivelmente destrutivas eu tinha certeza, que afetariam algo além de mim mesmo, isso era duvidável. Perco-me só em minha cosmogonia, era eu sempre o único personagem, mito, lenda, mártir, demônio... E eram meus os desejos, eram meus os medos, as fúrias e as luxúrias, as castas, as potentes impotências (tão, tão potentes). Ah... a derradeira solidão do egocentrismo... viver num universo cosmogônico vazio. A ilusão do eu... Mas você há de vir. Sim, e há de ser externa. A luz que irá preencher este universo frio, que irá resgatar este ser multifacetado cheio de sombras disformes a o seguir. O reconhecimento do que está ausente em mim! O Exo! A Alteridade! O Outro! Nunca antes me estenderam a mão e eu aceitei, nunca antes reconheci outra ajuda que não fosse de mim mesmo, eu, só, tolo, afundado em meu profundo e lamacento mar mitológico. Escuro, como eu. Precisava que o banco fosse preto! Precisava pois esta é a cor que absorve tudo, este sou eu por dentro, vórtex autodestrutivo. Ao passo que por fora sou branco, tudo é refletido, todas as cores. Formo, desta forma, uma prisão, encapsulo-me em mim mesmo. Precisava que o banco fosse preto pois assim que sobrevivo, vejo-me no mundo, assimilação besta, eu sei, mas que posso fazer? Eu nada. Só a luz poderá... poderá me ajudar a entender-me, a conhecer minhas ausências e formas e momentos. Mas não agora, não hoje. Hoje estamos separados por esta terrível parede cinza, nunca antes tão veementemente sólida. Temo pelos aviões que tentarem atravessá-la, quantas vítimas não serão feitas por sua cruel solidez...

Levanto-me, ainda descalço, os sapatos na mão, e vou embora.

domingo, 10 de junho de 2012

Êêêê hahahaha saspalhaçada de cigano

- Não existem coincidências, Osvaldo.
Osvaldo só conseguiu rir e pegar seu cigarro, só fumava quando se irritava, era como ele conseguia descarregar o stress.
- Quê? Tô falando sério! Nada é por acaso, somos frutos de uma série de eventos que têm que ter um sentido, um significado! Eu estar falando com você agora é tudo por um motivo!
Osvaldo suspirou, jogou fora o cigarro sem sequer tragar e pôs a mão na testa.
- Porra, Osvaldo! Você acha que aquele desenho que você fez, aquele que era igualzinho ao sonho que eu tive, foi COINCIDÊNCIA? Foi POR ACASO?????
Osvaldo silenciosa e calmamente abriu a gaveta do armário.
- Ein? Ein??
- Minha linda... - apontou o cano da Magnum para a mulher - Qual seria o propósito disso?
Atirou.

sábado, 9 de junho de 2012

A ÁGORA CARIOCA (Luiz Antonio Simas)

(Publicado originalmente no jornal O Globo, edição de 4/6/2012)

Vivemos tempos de uniformização dos costumes, fruto do tal de mundo globalizado. Em cada canto desse mundaréu, ligado por redes transnacionais de telecomunicações, as pessoas assistem aos mesmos filmes, vestem as mesmas roupas, ouvem as mesmas músicas, falam o mesmo idioma, cultuam os mesmos ídolos e se comunicam em, no máximo, cento e quarenta toques virtuais. Nessa espécie de culto profano, em que a vida cotidiana é regida pelos rituais em louvor ao mercado que não é o de Madureira, o bicho pega e as ideias morrem, como outro dia morreu de morte matada o acento em ideia, sem choro nem vela e sem a dignidade de um samba do Noel.

Eu, que trabalho com adolescentes e adultos jovens, percebo que as crenças e projeções de futuro da rapaziada foram substituídas pelo pânico cotidiano - do assalto e das doenças, no âmbito pessoal, às catástrofes ambientais, na esfera coletiva. Cria-se uma lógica perversa: Como posso morrer de bala perdida, pegar gripe suína ou sucumbir ao aquecimento global, preciso viver intensamente o dia de hoje.

Ocorre que essa valorização extremada do tempo presente é acompanhada pela morte das utopias coletivas de projeção do futuro. Não há mais futuro a ser planejado. Somos guiados pelos ritos do mercado e abandonamos o mundo do pensamento, onde se projetam perspectivas e são moldadas as diferenças. Restam hoje, nesse desalento, duas tristes utopias individuais, em meio ao fracasso dos sonhos coletivos - a de que seremos capazes de consumir o produto tal, cheio de salamaleques, e a de que poderemos ter o corpo perfeito.

Transformam-se, nesse tempos depressivos, os shoppings e as academias de ginástica nos espaços de exercício dessas utopias tortas, onde podemos comprar produtos e moldar o corpo aos padrões da cultura contemporânea - o corpo-máquina dos atletas ou o corpo esquálido das modelos. É a procura da felicidade que não tem, como na esquecida e sábia canção natalina. E tome de caixinhas de Prozac no sapatinho na janela.

É aí que localizo, na minha cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, o espaço de resistência a esses padrões uniformes do mundo global: O botequim. Ele, o velho boteco, o pé-sujo, é a ágora carioca. O botequim é o país onde não há grifes, não há o corpo-máquina, o corpo em si mesmo, a vitrine, o mercado pairando como um deus a exigir que se cumpram seus rituais.

O boteco é a casa do mau gosto, do disforme, do arroto, da barriga indecente, da grosseria, do afeto, da gentileza, da proximidade, do debate, da exposição das fraquezas, da dor de corno, da festa do novo amor, da comemoração do gol, do exercício, enfim, de uma forma de cidadania muito peculiar. É a República de fato dos homens comuns.

É nessa perspectiva que vejo a luta pela preservação da cultura do boteco como algo com uma dimensão muito mais ampla do que o simples exercício de combate aos bares de grife que, como praga, pululam pela cidade e se espalham como metástase urbana.

A luta pelo boteco é a possibilidade de manter viva a crença na praça popular, espaço de geração de ideias e utopias - fundadas na sabedoria dos que têm pouco e precisam inventar a vida - que possam nos regenerar da falência de uma (des) humanidade que se limita a sonhar com o tênis novo e o corpo moldado, não como conquista da saúde, mas como simples egolatria incrementada com bombas e anabolizantes cavalares. O botequim é, portanto, o antishopping center, a recusa mais veemente ao corpo irreal dos atletas olímpicos ou ao corpo pau-de-virar tripa das anoréxicas, sintomas da doença comum desse mundo desencantado: metáforas da morte.

Ali, no velho boteco, entre garrafas vazias, chinelos de dedo, copos americanos, pratos feitos e petiscos gordurosos, no mar de barrigas indecentes, onde São Jorge é o protetor e mercado é só a feira da esquina, a vida resiste aos desmandos da uniformização e o Homem é restituído ao que há de mais valente e humano na sua trajetória - a capacidade de sonhar seus delírios, festejar e afogar suas dores nas ampolas geladas feito cu de foca. É onde a alma da cidade grita a resistência.

Esse combate, amigos, é muito mais significativo do que imaginam os arautos modernosos e seus programadores visuais. Botequim, afinal de contas, tem alma, é entidade, terreiro carioca, feito os trapiches e sobrados do cais do porto em noite de lua cheia.



domingo, 3 de junho de 2012

A confiança dos amantes. (O Beijo - Klimt)




O fechar os olhos de prazer.
O deixar-se levar, 
Só-Tudo,
Soltar-se no nada.
O contemplar a beleza do caos,


Vi um acidente

Que fascínio/terror é esse que a morte nos provoca? Eu, pelo menos, tenho um medo absoluto de morrer. Não sei se o medo é da morte em si ou se é de deixar de viver. Medo do desconhecido? Medo da impotência perante a inevitabilidade do fim? Eu não sei, eu não sei... Mas que é isso que arrasta o olhar? Que nos força a encarar (e nos encarar como seres finitos, no processo) sempre que possível? O que nos faz olhar dentro do caixão, caixão de Pandora? O que nos faz olhar um acidente? Uma poça de sangue (vermelho, como o meu, como o meu) na rua, um braço decepado, a carne morta, sem vida, sem expressão, encarando-nos apática como se dissesse que não há nada a ser dito. Nada... a morte me assusta talvez pelo seu nada implícito... ser pagão às vezes tem suas terríveis desvantagens... preencher o nada seria um imenso conforto para meu espírito (este simbólico), mas não tenho essa capacidade. Não consigo me forçar a acreditar, não consigo. Não consigo me forçar a aceitar a minha própria morte ou que seja... A morte me revolta e me admira. Não há como fugir, não há como negar, mas também não posso ficar parado e deixar ser engolido por ela. Fujo enquanto posso e não há problema nenhum nisso, não há problema nenhum em uma luta inútil, enquanto a luta dure. Luto, mas às vezes me vêm a lembrança da inevitável derrota. Pesa, mas é necessário... É? É... Quando a morte fica clara no horizonte, a vida se torna mais saborosa, cada momento é único e jamais será igual, a luta se torna mais árdua e a vontade de viver é... pungente. Afiada. Absoluta. Apesar disso, sinto ódio de meus olhos que foram incapazes de desviar do pequeno corpo embalsamado por cima daquela poça de sangue, lagoa, rio, mar. No momento me senti tragado para suas profundezas até tão pouco tempo tão muito vivas.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Tirando o atraso. Sentia falta de matar alguém. Vai só como medida provisória até eu achar um jeito de matar melhor.

Bob era um cara bacana, seu cão Lars era um cachorro bacana. Mas pegou raiva e matou Bob. Uma pena.

Ah, o reino onírico e suas... surpresinhas... Freud explica.


Era branco, branco como marfim, trajava uma roupa preta que lhe cobria todo o corpo, apenas o rosto de fora, lua cheia em noite pura. Caminhava lentamente em minha direção, o braço estendido, o dedo apontado. Eu corri. Corri como nunca corri antes, mas era inútil. Apesar de seus passos lentos, ele se aproximava cada vez mais de mim. Se aproximava e eu não podia fazer nada. Corri com mais vontade, mas era ainda inútil, o vulto estava atrás de mim. Me virei, tentei empurrá-lo - nada. Tentei socá-lo - sem reação. Peguei um bastão ao meu alcance e acertei em seu rosto branco - impassível. Esticou seu braço até seu dedo encostar em minha testa, congelei, aterrorizado. Cutucou minha testa. Cutucou novamente. Continuou cutucando e, quanto mais cutucava, mais meu desespero crescia. Mais e mais e mais. Preciso berrar.

Acordei com meu grito.

Sim, foi um sonho que tive outro dia... depois, pensando sobre, cheguei a conclusão que o vulto branco poderia muito bem ser a Morte, do Bergman, daquele filme O Sétimo Selo. Creio que o sonho retratava meu pavor completo da impotência, essa muito presente em minha vida, por sinal (por favor leitor, não vá pensando gracinhas). O desespero que dá não poder fazer nada quanto a uma imagem aterradora... acho que pra mim não há nada mais frustrante, assustador.
Sensibilidade..