segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A alma é o dinheiro do negócio

É frequente se ouvir que o mundo é movido à dinheiro e que quanto mais dinheiro você tem, mais poderoso você é. Poder, Dinheiro, são coisas que ouvimos muito, coisas que estão enraizadas nesta nossa cultura ocidental (e é uma praga tão virulenta e poderosa que está migrando para tomar conta do mundo inteiro), nos nossos valores, desejos e religiões, os vemos presentes. Ouvi um cara falando hoje que "dinheiro = poder", que "dinheiro move o mundo"... Sei que muitos de nós concordamos com isso, mas vamos desconstruir esta ideia e mostrarei que não é realmente verdade.

Porque queremos dinheiro?
É realmente o dinheiro que buscamos?
Eu acho que não... Não, buscamos algo mais, buscamos aquilo que o dinheiro nos proporciona. E o que é isso? Conforto, felicidade. Felicidade... a busca pela felicidade... eu acho que é isso o que verdadeiramente move o mundo. O que é o dinheiro no final das contas? É só papel. Papel colorido. Hoje em dia o dinheiro é necessário para a sobrevivência na vida urbana, mas não queremos só o básico, queremos? Não, buscamos cada vez mais. Eu acredito se tratar de um processo, que vou explicar a seguir.

Primeiramente, vemos no dinheiro um grande potencial, afinal de contas, ele nos compra coisas! Coisas que nos deixam felizes. Todo mundo quer um carro novo, uma roupa bonita, um videogame novo, enfim... são coisas incríveis que vieram com o avanço tecnológico, e acho que devemos usurfruir delas. No entanto, com moderação. Projetamos nossa felicidade nestas coisas, e elas, de fato, nos deixam felizes, mas também trazem sentimentos negativos. Vamos pegar como exemplo o carro novo: eu comprei um carro novo, certo? Então, estou feliz e animado com ele, mas também fico com receio de estacionar em qualquer lugar, fico com medo de roubarem ou arranharem o carro, fico com raiva dos flanelinhas, fico ansioso com a vistoria e por aí vai... Quando percebemos que o produto (carro, ou qualquer outro) não de fato me deu felicidade, não satisfez minha vontade totalmente, é que o processo começa. Eu procuro outros produtos, cada vez mais, me amontoo de produtos comprados com o dinheiro, tudo isso para alcançar a o estado de felicidade.

Mas, ora, a felicidade é um sentimento, nós sentimos ela, não porque um fator externo acionou ela, mas porque o interno respondeu ao externo. A questão é que o que nos deixa feliz, nossos objetos de desejo, são incrivelmente voláteis. Podemos ser influenciados por uma propaganda e, por isso, querer tal produto por achar que ele trará prazer, felicidade, e podemos nos sentir felizes observando um nascer do sol. São voláteis, maleáveis, variados, porque são fatores criados pela mente. Quem tem controle mental tem, portanto, controle da felicidade.

Devemos sim aproveitar o que o dinheiro pode nos oferecer, mas não podemos achar que ele é o centro do mundo. Nossa própria vontade e a busca pela felicidade - que, infelizmente, é projetada no dinheiro e em seus subprodutos - são o que fazem o mundo girar. Metaforicamente. Se entendermos que a felicidade é nosso poder e não nossa sina, entenderemos que não faz sentido nos dizerem o que queremos, o que precisamos para ser feliz. Seremos donos de nossa vontade e não da vontade de quem tem dinheiro. Logo eles, aprisionados na própria armadilha. Ganância eterna: uma maratona sem linha de chegada, que fica, cada vez mais exaustante.

Domingo

- Só mais uma pergunta...

- Pode falar.

- Existe alguma definição de amor no budismo?

- Existe.

- Qual é?

- É querer a felicidade de outra pessoa. Quando queremos ficar com outra pessoa para a nossa própria felicidade, é apego.

- Hum... boa definição.

Simples como deve ser.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Com uma pequena ajuda de Ignácio de Loyola Brandão

Juan  se preparava para o trabalho, refazia aquela mesma rotina toda semana, todo mês, já havia quase 40 anos. Tinha agora seus 57 e estava cansado. Enfim aceitara isto. Não que nunca tenha se sentido cansado, mas desta vez era diferente, a mesma diferença entre o estar e o compreender que está. Você pode estar sonhando, mas no momento em que compreende que está sonhando, o quadro se altera completamente. E o quadro se alterou. Pela primeira vez em 38 anos, Juan González decidiu que não iria trabalhar. Sabia as implicações desta decisão, e sabia as possíveis consequências, mas estava simplesmente cansado. Se sentia exausto mentalmente e solitário desde que sua mulher morrera do mal do século: câncer. Sem filhos, Juan simplesmente seguiu com sua rotina, carregando sempre seu lenço de flanela no bolso - aquele lenço que ela carregava consigo, de forma tão inocente e colonial - para o caso de uma ocasional - e frequente - crise de choro. Nunca superara a morte de sua mulher, mas nunca realmente pensara no assunto. Juan agora sentia a idade, seus movimentos ficavam mais difíceis e seus ossos mais frágeis, sentia dores nas juntas e problemas respiratórios (apesar de não fumar). Largou a pasta que segurava com as duas mãos, como se fosse um recém-nascido e ela caiu, com um baque surdo, derrubando a vasta papelada no carpete mofado de um apartamento de solteiro. Lentamente tirou a feia gravata vinho, o terno barato e os sapatos de imitação de couro até ficar apenas de cueca e meias. Jogou tudo no chão. Arrastou-se para a cama, talvez a única parte do apartamento arrumada, era uma cama de casal feita, um dos lados - o direito - permanecia intocado. Juan caminhou até o lado esquerdo da cama, sentou-se, hesitou um pouco e, por fim, se deitou. Olhou para o teto, as luzes apagadas, o quarto iluminado apenas pelo sol, coberto de nuvens cinzas. Juan respirou e pensou. Fechou os olhos e abriu, respirou e pensou. Fez isso pelo que lhe pareceu uma eternidade, e então veio. Juan chorou, as lágrimas caíram silenciosas a princípio, umidecendo seu bigode farto. Logo, acompanharam-se gemidos e suspiros, além de engasgadas, à sinfonia da dor. Juan virou-se de lado, encolheu as pernas e apertou firmemente o cobertor na parte direita da cama. Apertou até seus dedos formigarem. Não ligou para a dor, apenas apertou. E então soltou. Juan adormeceu.
Acordou já de noite, com uma mensagem não lida no celular.

"Você está demitido"

Dizia a mensagem. Claro, o substituiram. Desde a reforma é assim: cometa um deslize e perca o emprego, existem muitos querendo ele. Não exisitem mais as famosas leis trabalhistas... só existe a vontade de poucos reinando a vida de muitos. Juan sabia disso... Juan não ligava mais. Dormira e ainda estava cansado, mas agora estava em paz. Sabia o que tinha que fazer. Não podia continuar assim, não aguentava mais.

"Foi por isso que não quisemos ter filhos", lembrou ele " para não colocá-los neste mundo horrível para sofrer."

Juan foi até a sala, ainda só de cuecas e meias. Caminhou firme e relaxado ao mesmo tempo até a janela que dava para a rua de trafego parado. Alguns helicópteros zuniam em seu ouvido. Subiu na janela, o calor do exterior e o cheiro forte de fumaça tomou conta. Mesmo assim, estava tranquilo.

- Estou indo te ver, querida.

Disse ele.

E pulou.





Juan morreu na queda com um ataque fulminante e seu corpo, que caiu em cima de um carro das FPS, Forças Privadas de Segurança, onde dois agentes conversavam sobre o novo reality show do canal 4.

- Porra! A merda do carro! Vai ficar caro pra caralho! E o puto velho nem pode me dar o maldito seguro!

Disse um dos agentes das FPS.

- Foda-se, pega o cara logo, vamos ser repreendidos.

Disse o outro.

Pegaram o cadáver e colocaram no banco de trás, ligaram a Sirene Especial para que os carros dessem espaço e foram lentamente e com dificuldade para um terreno baldio onde um amontoado de lixo estava acumulado. Quando jogaram o corpo lá, ele já estava começando a cheirar mal.

Se você chegasse perto da pilha de lixo, você veria, assim como Maricott Taylor, executivo que sobrevoava com seu mini-helicóptero aquele exato lugar naquele exato momento viu, mãos, pés, orelhas, narizes. Uma imensa pilha de corpos semi-deteriorados se formava naquele terreno baldio e aumentava a cada dia. E Maricott sabia que cemitérios eram caros, ele e todos os outros sabiam disso, não condenavam o ato. E, enquanto observava a pilha de corpos, Taylor recebeu um telefonema. Avisaram que um funcionário fora demitido e substituído e ofereceram uma oferta arrebatadora de expansão de negócios.
Maricott Taylor sorriu e cuspiu o chiclete de tutti-frutti que mascava, enrolando-o em plástico. "Pode apostar", confirmou ele, entusiasmado, enquanto jogava o papel por um compartimento para o lado de fora.

O papel com chiclete usado voou do helicóptero e caiu na boca escancarada do falecido Juan González, que Deus o tenha.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Discutir Cultura?!

                                                   - Que quadro feio!!
                                                                    - Você acha? Eu gostei.


Certo dia um amigo meu me disse "Cultura não se discute". Ele não foi a primeira e nem a última pessoa que me disse isso...  afinal, caiu na mente do povo que "cultura" não se discute. Antes de eu apresentar uma antítese para esta teste, vamos entender o que é "cultura".

Pelo que eu aprendi nas aulas de filosofia, "cultura" é tudo aquilo que é produzido pelo homem de forma que modifique o ambiente a sua vontade. Então, temos cultura nos livros, nas arquiteturas, nos quadros, nos rituais, nas religiões, nas roupas, na linguagem. Praticamente tudo o que fazemos ou desejamos é um produto de nosso "nicho cultural", algumas excessões são nossas necessidades fisiológicas, beber, comer... e até mesmo nisso está inserido um grande peso cultural: o que comemos, o que bebemos e a posição com que fazemos sexo é tudo cultural. Cultura é tudo o que o ser humano se envolve. Não discutir a cultura é não discutir nada.

"Existem várias culturas", ele disse "e você não pode achar que a sua é melhor que a outra". Pois eu vejo a coisa de uma forma diferente. Existem várias culturas, sim, mas sou a favor da antropofagia cultural, a mistura de culturas, pegando o melhor de cada uma. Veja, do meu ponto de vista não existem diversas culturas, apenas uma, fragmentada. Do meu ponto de vista, não existe a cultura indiana-hindu, ou a cultura judaica, existe sim a cultura humana, com suas vertentes. Seja qual for a religião, a nacionalidade ou a etnia, ainda se trata de seres humanos. Seres humanos como eu e provavelmente como você também, possível leitor.
Antes de seres culturais somos seres humanos e todo o resto é consequencia disto. Como seres humanos devemos respeitar, antes de mais nada, nossa humanidade, e só depois nossa cultura. Se existe uma cultura que prega o maltrato ao ser humano, à vida, é nosso dever como ser humano e como ser vivo criticá-la. Discutí-la. Desenvolvê-la. Incorporá-la à "nossa" própria cultura, quem sabe e também incorporar "nossa" cultura a ela, cada uma doando o que tem de melhor para estabelecer uma cultura mais desenvolvida, mais humana.
Assim funcionam as ideias, são discutidas, debatidas e evoluídas. Não é algo de colocar seu ponto de vista a cima de outros, é totalmente diferente, é colocar o meu e o seu pontos de vista à prova, para assim construirmos um consenso melhor. Vivemos numa era de globalização e negar a conexão entre as pessoas hoje é como dizer que a Terra é plana. Pra um brasileiro falar com um japonês e trocar informações, todas elas partes da cultura de cada um é um clique. Vemos tantos exemplos de mistura cultural... como podem dizer que cultura não se discute?
Cultura foi feita pra se discutir, se discutiu cutura quando Copérnico e Galileu, cada um em seu tempo, questionaram o geocentrismo e apontaram o heliocentrismo, questionaram cultura quando Martinho Lutero questionou a igreja católica. Discutimos cultura todos os dias, seja lendo uma revista, seja vendo o jornal. Diabo, quando ficamos putos com os garotos que bateram no menino gay na Paulista, discutimos cultura. Quando falamos mal ou bem de uma banda, discutimos cultura.

Não querer discutir religião, política ou qualquer outra manifestação cultural é uma forma de fuga, é a demonstração de insegurança e incerteza que se tem com a própria cultura. Defender seu ponto de vista e discutí-lo com outros não é nada senão louvável. Forçar ele é outra história.

O problema não é a cultura ser discutida. O problema é justamente o contrário, é quando não discutimos, quando forçamos "nossa" cultura goela abaixo. Mas para abrir mão de ideias que foram enraizadas em nossas mentes desde que nascemos, é preciso ter uma cabeça extremamente aberta... coisa que muita gente não tem hoje em dia.

Mas é uma questão de tempo.




* O quadro se chama "Mujer a Llorar", de Pablo Picasso e sua beleza é uma questão de entender sua perspectiva.

sábado, 27 de novembro de 2010

Não é engraçado que pra manter a paz, a gente tem que agir com violência?




Macabra ironia.

domingo, 14 de novembro de 2010

Caetano

Caetanar, caecantar, caetantofaz. O quereres estares sempre a fim do que em mim é de mim tão desigual!

Caetano contra o vento, sem lenço, sem documento. Caetano tranquilo e infalível como Bruce Lee, caetano como um índio preservado em pleno corpo físico, caetano como Caetano caetana.

Caetano.

Que caecanta como como notas, como como letras. Como crio, gênio de gelo. De fogo. De Terra, quem jamais esqueceria?

Caetantofaz como tanto fez.

Caetano caencanta, láencanta, acoláencanta.

Caetano Brasil, caetana Europa, caetano mundo.

Cae, Caetano, Caetantofez, e continua fazendo.


"E onde pisas o chão, minha alma salta



E ganha liberdade na amplidão"




Sim, eu sei que o blog acabou segundo o texto abaixo. Mas isso não é pra você, leitor, que possivelmente não está informado de tal fato, é para mim. Tenho que botar esses textos em algum lugar.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Fim

Por hoje é só, pessoal... acabou o blog. Claro, teve seu fim inevitável, um fim que eu tinha em mente desde que o criei. Fico feliz  por ter atingido o ápice de 2000 visualisações, mas acabou. Porque acabou? Porque não faz sentido prolongar a existencia de um canal de comunicação se eu não estou me comunicando com ninguem. Porque então estou fazendo este texto avisando seu fim? Acho que pra mim mesmo... preciso de uma explicação. É... fica por isso mesmo... inacabado mesmo. Fiquei com muita coisa pendente, mas e daí? Acho que eu sei o que eu tenho a dizer. De repente eu volto a escrever aqui, nada é definitivo... ta aberto pra quem quiser ler... se você chegou agora e está lendo isto, não se acanhe, divirta-se no interior desta página que, por um tempo, teve certo sentido.

Enquanto isso, fiquem com Horácio Dib, que possui um blog que eu considero simplesmente sensacional: www.algumhoracio.blogspot.com

Breno Crispino (breno.c.lima@uol.com.br)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A Vida


Antes do texto, que está bem grandinho leia este texto por favor... ou veja o vídeo... ou ambos... tanto faz.

Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=3OmQDzIi3v0&feature=related


"Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, ou gentios... negros... brancos.





Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.



O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.




A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.




Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!




Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, mas de todos os homens! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.




É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!"

Charles Chaplin - O Grande Ditador


São duas da manhã e hoje foi, particularmente, um dia extremamente estressante. Deviam ser umas 3 ou 4 horas, não tenho certeza, a noção de tempo se perdeu durante o dia... quando fiquei sabendo que meu amigo estava internado no hospital com hemorragia cerebral. Gelei. Ao pesquisar mais sobre o que ele tinha – hematoma subdural e hemorragia aracnoideia (sim, eu decorei) – fiquei mais preocupado. Achei mais de uma página na internet, inclusive, uma pesquisa, dizendo que as chances de sobrevivência em um caso assim eram mínimas. 20% ao todo, sendo apenas 7% com sequelas pequenas ou sem sequelas. O meu amigo tinha 80% de chance de morrer e eu... eu... o que eu podia fazer? Porra, eu queria fazer alguma coisa, queria chegar lá e... e o que? Não havia nada para se fazer, pelo menos não de minha parte... me senti impotente... me senti horrível. Pensei na única coisa que poderia fazer... pensar positivamente... eu sei, também não acredito nisso... mas é nesses momentos que a gente vê porque a religião conforta tanto, não só temos um Deus super-foda para nos apoiarmos, também podemos contar que, se der tudo errado, ele vai para um lugar melhor... reparou como ninguém da sua família foi para o inferno? Nem seus amigos? Todos foram pro céu... e eu digo isso sem nem te conhecer, não porque eu sou onipotente e onipresente, não... eu sei disso porque é isso que vocês querem... não é? Que o falecido esteja num lugar melhor? Não é melhor pensar assim? Pois bem, pra mim não é tão simples... Pensar na morte é doloroso... muito doloroso. E sei que é inevitável, mas... pelo amor de deus, o garoto tinha 15 anos de idade! Ninguém devia morrer com 15 anos de idade! Avisei a alguns amigos dele... que foram visitar a mãe e a família no hospital – eu moro em um bairro distante, então não pude ir... além disso eu e meu pai (médico) ficamos dando assistência de minha casa, ligamos para alguns neurologistas e conseguimos algumas informações...

O meu amigo está bem, graças a Deus... Deus? O que Deus fez? Deus passou 6 anos na faculdade de medicina e estudou como um cão para poder ajudar pessoas? Deus impediu a hemorragia no cérebro do garoto? Deus? Não foi graças a Deus... graças aos médicos, isso sim. Graças a família que estava lá, graças a todas as pessoas que se preocuparam com ele e tentaram ajudar, mesmo só pensando nele... mas isso não é Deus? Não foi isso que eu conclui anteriormente, isto é, Deus é amor? Se formos por esse ângulo... Veremos que não importa... o que importa é que ele está bem... e vivo.

Quando botei o texto do Chaplin no início do post, não foi à toa. Foi durante o filme “O Grande Ditador” que eu recebi esta notícia... e agora eu terminei de vê-lo.

Morte.

Vida.

Vemos na religião, desculpe, mas preciso voltar a isso por um momento... um culto absurdo à morte. Não se desesperem, vou explicar. Vemos nas religiões mais primordiais, inclusive num protótipo do antigo testamento um (ou mais) Deus que causava e gostava da morte. Já nas religiões mais recentes, temos um Deus que te leva para o paraíso... mas em todas as religiões se é tratado a morte como tópico fundamental. E em todas elas, vemos um padrão: A Morte continua. Ora, meu deus, e uso deus com d minúsculo, por ser uma expressão, veja bem... se a morte é a continuação da vida, então não há morte... Se não há morte, porra, como fazem um culto a ela? Meus queridos, quando dizemos que na próxima vida, e, veja, isso é outro padrão nas religiões, você vai pagar pelos erros cometidos nesta... estamos vivendo pensando na próxima vida, isto é, no final desta, isto é, a morte. E meu deus, como são variadas as próximas vidas... de reencarnação da alma até céu com não sei quantas virgens... como podemos esperar realmente alguma coisa? Já pararam pra pensar que talvez, só talvez, não exista outra vida? Só temos essa? “Então você perde a razão de se viver” disse uma amiga minha numa discussão. Não, porra, eu não vivo pra morrer. Eu vivo pra viver... se morrer é uma fatalidade, eu a aceito. A morte como o fim deixa a vida mais bonita, mais pura, mais única. E é justamente essa singularidade da vida que deve ser respeitada. Essa singularidade do ser vivo. Nunca houve e nunca haverá dois seres iguais, por isso, devemos respeitar todos. TODOS. “Ah, se eu não acreditasse num Deus que pune, eu roubaria bancos, mataria” ela continuou. Ora, se você concorda com ela, então meu caro, é uma pessoa horrível. Respeitar a singularidade da vida não implica apenas a sua. Eu possuo vida, você também, o pássaro também... Ouça, matar para viver é natural da vida. Quando matamos por prazer ou ganância é outra história. Roubar bancos... porque diabos eu faria isso? Acabar com os bancos? Isso eu faria! Veja bem... negar a morte...

Negar a morte é...

É...

Negar a vida...

A morte é justamente o que faz a vida tão bela... A beleza da incerteza... A beleza de acordar toda manhã e olhar pela janela aquilo que não estava lá ano passado e que não estará no próximo ano. Se a morte é o oposto de vida e a morte é nada, a vida é tudo...

Vida

Tudo

Não temos direito de tirá-la, temos sim o DEVER de mantê-la. Temos a OBRIGAÇÃO de ajudar, de saciar a sede, de matar a fome, de oferecer uma cama para descansar, de oferecer abrigo, agasalho, ar limpo... temos a OBRIGAÇÃO de manter verdejantes os pastos e azuis os lagos, de deixar pássaros cantarem e ursos rugirem. Temos... não o fazemos. É uma vergonha ser parte de um sistema predador, que vende a vida, eu disse VENDE a vida como quem vende meias. Seguros de empresas em cima de funcionários mortos, baixos salários para uma carga horária ridícula de tão grande, uma corrupção tão escancarada que o trabalhador honesto ou não cresce ou é tido como vilão. Honestidade. Honestidade não combina com isso aqui, não, onde a VIDA é produto e o AMOR propaganda. Aqui só presta merda e merda de baixa qualidade, que é mais barato. A merda que se vende... a merda que se compra... a merda que se produz e se consome... é tudo a mesma merda. Transformamos vida em merda e é isso que dá lucro.

Lucro...

Pra quem já tem tudo...

Menos um coração.

Lucro é o combustível daqueles que não conseguem viver. Porque apesar de tudo, apesar da vida de MERDA que levamos, apesar de sermos tratados feitos MERDA, ainda somos humanos. Somos humanos e enxergamos a vida, enxergamos a felicidade e o amor. Eles são máquinas... que precisam de lucro, fortuna... essa é a chave pra felicidade, eles nos dizem... mas não é bem assim. Felicidade não se compra, se tem. E é impossível ser feliz quando se mata.

Matar é matar a si mesmo.

Matar é abrir mão de viver.

Matar é lucro.

Chaplin me mostrou quando ele faz o papel tanto do judeu barbeiro quanto do ditador que as aparências podem ser iguais... mas os corações não são. Não existe face do mal. Não existe face do bem. São pessoas...

Pessoas fazem escolhas.

Não há mal ou bem.

Há apenas escolhas.

Como é terrível que as pessoas ignorem de tal forma o grande genocídio que está sendo cometido hoje. Vi a morte de perto, não minha, mas do meu amigo e senti a dor que ela traz consigo. Senti o quente sal das lágrimas que ela me entregou. Senti as náuseas mórbidas e moribundas. Vi que outros amigos, esses que nem conhecem o primeiro, estavam comentando comigo sobre o ENEM e rindo... como podia eu rir? Meu amigo estava morrendo... e pior! Como eles podiam rir?! Não sabiam que uma vida ia ser perdida? Não. Não sabiam. E quantas mortes ocorrem todo dias, toda hora, todo minuto?? Quantas pessoas passam por esta terrível experiência? Quantas pessoas são perdidas para sempre? Quantas pessoas morrem por descaso? Por falta do básico? Por fome, sede, exaustão, falta de saneamento... Quantos pais ficam como ficou a mãe deste meu amigo? Quantos?

Por isso, eu entendo a religião... entendo seu apelo... entendo que pensar que vamos e nossos entes queridos vão para um lugar melhor é mais fácil... mas eu simplesmente não consigo, lamento... Eu prefiro fazer diferente.

Prefiro pensar na vida e não na morte.

Prefiro pensar os que ainda podem ser ajudados...

Ajudar...

Pessoas...

Seres Vivos...

Tudo...

 
 
São três da manhã.
 
 

"Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!"


Chaplin foi exilado dos Estados Unidos sob a acusação de ser comunista durante a era do famoso macarthismo... é dito que Chaplin disse "Não sou um comunista, sou um ser humano".

Medo...
Da vida....

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Uma Contribuição De Alguém Que Não Tinha Nada Pra Fazer E Se Revoltou Com A Sociedade 2 - Taiã Nismaschin

 Outro texto do Taiã para o blog. Espero que gostem - e comentem!

Aproveitando o clima de eleições ou pós-eleições uma coisa vem ao meu pensamento várias e várias vezes. Após certas reflexões resolvi colocar o resultado final desses pensamentos. Mas, antes de falar sobre o que é, eu queria fazer minha participação nesse blog de forma diferente. Não sei se o conceito do blog seria esse, mas não o vejo muito aqui então direi logo. Eu, ao escrever, coloco o que eu penso, e muitas vezes posso colocar algo errado ou uma visão equivocada das coisas então gostaria que você, caro leitor, contribuísse para nos comentários participarem e falarem sobre o que acham, o que pensam.
 

Bem, voltando ao assunto, eu não tenho uma idéia muito certa sobre o que estava acontecendo a minha volta, mas reparei que algumas pessoas no primeiro turno, pra presidente, votaram na marina por achar que seria a melhor opção, mas ao chegar no segundo turno resolveram votar em branco para não ter que escolher um presidente. Alegaram que não tinham gostado de nenhum dos dois e então resolveram anular seu voto.

Não estou querendo infringir a opinião de ninguém, mas a minha visão e que mesmo não havendo muita opção agente teria que refletir e ir na possível “melhor” opção, principalmente no caso do presidente pois estarmos escolhendo o cara que representará nosso país e por nenhuma das opções te confortar você falar “a não gostei não irei votar em ninguém.” Pela minha visão, ao fazer isso, você estará deixando O SEU FUTURO nas mãos dos outros e que muitas vezes mostram que eles só estão lá pra fazer zoeira. Ótimo exemplo é o macaco Tião, entrou nas eleições de palhaçada e ganhou um número considerável de votos, chegando a entrar no Guinness Book.
 

Bem essa foi a minha idéia de votar em branco ou nulo (desculpe a ignorância, mas não lembro qual a diferença entre eles agora). Agradeceria muito se você leitor colocasse sua idéia sobre as pessoas que votam nulo por não querer votar em ninguém ou simplesmente não se interessarem

sábado, 30 de outubro de 2010

Realidade Poética e Pessoal do Brasileiro - Hugo Ansbach

Este é mais um dos posts que não me pertencem. Com o tempo, espero que eles apareçam com mais frequência. Lembrando que o blog é coletivo e qualquer forma de demonstração de pensamento que exteriorize o seu "eu" ser será recebida com um caloroso abraço, leite morno com toddy e biscoitos de manteiga fresquinhos. Aproveitem.

Breno Crispino

"Fala ae pessoal Beleza? Hoje eu vim relatar uma experiência própria... É... Não é um post numa comunidade de relacionamento qualquer. Não é um comentário ou algo que eu esteja pensando. É uma confissão direto do subconsciente.



Primeiro de tudo, eu não peço, não desejo, nem tenho interesse nenhum de que todos leiam isso. Eu tenho interesse apenas em relatar para aqueles que lêem pela falta do que fazer, pois sempre que alguém está ocupado, hoje em dia, não tem tempo para ouvir as outras pessoas, e é por isso que escrevo.


Claro, não sou nenhum Einstein, eu me considero uma pessoa, a mais simples possível, tenho sonhos, desejos e vivo uma realidade que, confesso, me desagrada, me entristece, mas também sou feliz, me faço feliz e assim como todos, vou seguindo.


...Assisti hoje ao filme Tropa de Elite 2. De novo, se não está interessado você pode rapidamente e facilmente clicar no xis vermelho ali em cima.


Após assistir ao filme eu amadureci, psicologicamente e idealisticamente, mas não mudei. Não mudei porque eu sei que não serei eu quem vai conseguir mudar esse país, realmente, eu penso isso com todas as minhas forças. Não sou eu, não é tarefa para mim, e, se Deus existe, não foi para isso que me deu vida.


Infelizmente, este é o pensamento, na minha opinião, de 70 a 80% da população brasileira. Eu apenas queria relatar o quanto amadureci, e como amadureci. Da mesma maneira que todos nós, pessoas diferentes (Somos todos iguais fisicamente e mentalmente?), amadurecemos durante toda nossa vida. Eu amadureci vendo um filme, da mesma forma que meu amigo amadureceu conhecendo uma amiga com quem namorou, da mesma forma que meu colega amadureceu na porrada que a vida dá quando se trabalha dentro do 'sistema'.


Enquanto via o filme, passou pela minha cabeça tudo que até hoje eu vinha aprendendo sobre onde eu moro; sobre a política de onde eu moro e sobre como vivi aqui, aonde moro e sempre morei. Assisti a tudo que eu já sabia, já conhecia, mas abafava, como todos nós abafamos, pois nada ainda havia acontecido comigo ou com algum parente meu. Hoje, ainda nada aconteceu, graças a Deus, ou graças à sorte. Algumas pessoas não acreditam na sorte, mas não interpretaram a sorte. Não é algo em que se acredita, em que se teoriza, é algo que se vê, se realiza. Por exemplo, atenção, repito, 'exemplo'; "Hoje tive sorte, não tomei tiro, passou raspão". É, isso foi sorte. Não é uma crença, é a expressão que se dá quando algo acontece e você é exonerado de algo insatisfatório, ruim para você de alguma forma.


Desculpem sair do assunto dessa forma, deve estar um pouco confuso. Peço perdão, sou assim mesmo, é o meu jeito de me expressar. Devo adicionar também, e relembrar o que antes disse, não sou nenhum Einstein, não tenho solução, mas, ao menos, sei que tudo que eu vi hoje comprova que estamos caminhando para um lugar melhor. Não pare ainda... Se você já leu até aqui, continue por favor. Veja bem, é minha mente no momento; "há esperança", mas a gente vai fazer o quê? Deixar essa esperança de lado e deixar que seja sorte nossa continuarmos vivos? Deixar que seja sorte o término dessa carnificina que enfrentamos e outros já enfrentavam antes de eu e você nascer? Não acho que seja a solução fingir que nós não vemos o que está acontecendo quando nós estamos vendo. Não acho coerente, não acho ético, me desculpe se você não concorda comigo. Acredito que se você não concorda comigo, você tem seus motivos e eu respeito, acredito que tenha argumentos mais fortes que o meu para contradizer tudo que eu disse aqui. Mas não acredito que eu esteja errado. Você pode discordar, mas não acredito que eu esteja errado. Mas, bom, o que é errado afinal? Se para alguém que nasceu num meio de uma gangue de assassinos onde matar é honra, não matar seria o errado, mas esquecemos que nós não vivemos assim. Nem aqueles que vivem na miséria, aqui em nosso país, vivem assim. Todos tem, pelo menos, no mínimo do mínimo, 1% de compreensão que nós vivemos num país, novamente, é esta a 'minha' opinião. Que somos um povo, todos nós, tenha dinheiro ou não, por dentro somos iguais, morremos da mesma forma, vencemos também. E afinal, o que é vencer? Na minha opinião, vencer é viver e ajudar. Vencer na vida não é chegar ao topo da carreira oportunista, em uma empresa, que concorre com outras empresas, que brigam como gangues de lobos, que dizem que fazem nada além do que a natureza reservou para eles. Se isso é verdade, como há pessoas como eu e, às vezes, você, que não acreditam nisso? É porque não é natural. Eu honestamente não espero que todos levem esta carta para o coração. Que ergam arpões, facões e estacas para o Congresso Federal... Na verdade, eu gostaria, mas não espero, é claro. Bem, é isso, espero que eu tenha feito pessoas refletirem sobre nossa realidade, que se lembrem de tudo que já viram na vida e que não se esqueçam do que ainda podem ver. Que entendam e vejam o que está em sua frente, que acenda a luz da sua lanterna interna, bom, eu já acendi a minha, estou claro?"

-Hugo Ansbach

-29 de Outubro de 2010, 23:54.

Dia das Bruxas

Um duelo de titãs, entre os dois monstros clássicos do cinema e livros.






VS.



Estréia, este domingo 31, exibição única


Não perca o especial de dia das bruxas!! (em todas as emissoras)

(porque até nas coisas mais sérias um pouco de risada faz bem)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Sonetos, parte 7: A Depender de Mim, Zeca Baleiro

Porque música é uma das mais puras formas de poesia.

 A depender de mim
Os psicanalistas estão fritos
Eu mesmo é que resolvo os meus conflitos
Com aspirina amor ou com cachaça
Os gritos todos virarão fumaça
A dor é coisa que dói e que passa
Curar feridas só o tempo há de
Toda regra para o bem da humanidade
É certo necessita de uma exceção

A depender de mim
Os publicitários viram bolhas
Eu sei como fazer minhas escolhas
E assumir os erros que lá vem
Se a alma finca pé os medos somem
Menino nunca deixe que te domem
Mau pai dizia o verdadeiro homem
Sabe o que quer ainda que não queira
Besteira é seguir o coração

A depender de mim
Os padres e pastores serão tristes
Eu penso mesmo que deus não existe
E ainda assim quem sabe eu creia em deus
Se deus é o outro nome da verdade
Deste momento até a eternidade
Eu levo entre mentiras e trapaças
Besta felicidade frágil farsa
.do que preciso riso preces e paixão


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Sonetos, parte 6: Retrato de um poeta quando jovem, José Saramago

Há na memória um rio onde navegam

Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.


Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.


Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.



Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.

domingo, 10 de outubro de 2010

Título

Há um tempo atrás eu escrevi um texto chamado "Identidade", que falava sobre a inconstância do ser humano, suas fases, suas transformações, sua instabilidade, sua adaptação... Falei que eu mesmo passei por um (um? creio que foram vários) desses processos de mudança de pensamento, que foi se aprofundando com o tempo. É um processo doloroso, mas valioso, aprendi a me aceitar mais como sou e a gostar mais de mim. Aprendi a respeitar mais a opinião alheia, não me prendendo à infantil pretensão de ser o dono da verdade. Claro que todos temos deslizes... mas a vida acaba corrigindo eles para mim, aprendo com eles, coisa que não faria a um tempo atrás. Mas isso foi o meu processo. E foi natural, automático, não me forcei a passar por isso, pelo contrário, fui totalmente indiferente a ele. Sabia que algo estava acontecendo, sabia que meu cérebro estava a mil, sabia que pensamentos totalmente diferentes dos meus estavam em minha cabeça, só não sabia porque. E ainda não sei. Sei sim que algo aconteceu, e disso eu tenho certeza.

Então, eu mudei, mas mudei sozinho. Minha pergunta que fica para vocês é a seguinte:

É válido mudar quem você é, como age, do que gosta, etc... para ser aceito em determinado grupo? Por alguém que você ama? Para se destacar dos demais? É válido você ter relações com pessoas sem ser você? Enganar a si mesmo por tanto tempo que você acabe acreditando que você é a sua fantasia? Mas quando você deita na sua cama, a noite, seu verdadeiro eu não corre para, mesmo que timidamente, lembrar-lhe de quem você é?

O processo de mudança é um processo natural, todos mudamos, não importa realmente se para o que esperam de nós ou não.

O pai do garoto expulsou-o de casa, ele queria que o garoto fosse médico, mas ele entrou na faculdade de belas artes. Anos depois o pai o encontrou vendendo suas pinturas em uma praça, no centro da cidade. Seus olhos se encontraram, os do pai, emoldurados por roupas caras e um sapatos italianos, tinha a expressão cansada, triste, e receosa, e os do garoto de cabelo desgrenhado e roupas amassadas, estavam vivos, sabia o que estava fazendo, sabia o que queria e porque estava ali. O pai não, e o garoto também sabia disto. O pai reparou nas obras, eram lindas, entendeu tanta coisa com as cores misturadas, os relevos artísticos... entendeu tanto do que há alguns anos não entendia. Dos sentimentos do filho... e entendeu tanto de si mesmo. Soltou a pasta de couro de jacaré e olhou atentamente para o garoto, deveria arriscar? Deveria pedir perdão? Deveria começar de novo?

É algo assim. O garoto cresceu, o pai não. O pai tem a chance de crescer agora, de encarar o novo, de mudar o pensamento, de se transformar, realmente. É assim... O que o pai fará só ele sabe, mas podemos traçar nossos caminhos, quando escolhas nos são apresentadas. E são, o tempo todo. Não há nada de errado em mudar um comportamento por alguém que gostamos, mas mudar todo o nosso jeito de ser? Essa pessoa então, gosta de nós ou da fantasia que criamos?  Será que esta relação vai durar? Não importa mudar tudo se o que somos não mudou. Isso é só uma forma de mutilação emocional... de desrespeito consigo mesmo, de não gostar de quem você é. Aprecie-se, e outros o apreciarão, como você é, não como eles querem que você seja. Não tenha medo de ser quem você é.

Uma pergunta agora, pra quem quiser responder, claro... Você já se fez ser alguém completamente diferente? Porque e como se sentiu com isso?

domingo, 3 de outubro de 2010

São Tempos Modernos, Pensou o Pescador que Observava Tudo em seu Barco a Remo


Um homem de terno chegou primeiro. Estava fechado ainda. Sentou-se. Logo mais quatro homens de terno chegaram e mais duas mulheres de terninhos cinza. Ao meio-dia setescentos e oitenta e quatro homens e mulheres de terno estavam enfileirados, ansiosos para que se abrisse, formando um organizado mar cinza. Meio-dia e meia e  oitoscentos e cinquenta e nove homens e mulheres de terno começaram a reclamar, do espaço, do calor e principalmente que não abria nunca. Foi apenas às duas da tarde, quando mil e sete homens e mulheres de terno já se xingavam por espaço, quando o antes organizado mar cinza estava na sua pior ressaca que um salva-vidas laranja surgiu. O funcionário da prefeitura disse-lhes que as barcas não abririam hoje devido a problemas do governo. "Esses grevistas", ele disse "Nunca ficam satisfeitos". O homem de uniforme laranja foi embora, deixando o mar cinza estático. O primeiro homem de terno, o que chegara lá antes, olhou em direção às portas cerradas das barcas que o levaria para o trabalho, para trás de sua conhecida escrivaninha, onde passaria a princípio 8, mas sempre aumentava para 10 horas por dia, para ganhar um bônus de salário. "Um homem precisa viver", dizia ele para si mesmo. A grade nas portas da entrada das barcas continuaram paradas apáticas, cinzas, mortas e o homem continuou a olhá-las, confuso, perdido, sem saber o que fazer. E agora? Precisava trabalhar, tinha sonhos a perseguir, uma familia a sustentar, pão para botar na mesa, lugares a ir. Seus devaneios foram cortados por uma forte luz. Cobriu os olhos com as mãos para se proteger do Sol e quase deixou a pasta cair. Desviou o olhar para fugir da luz e percebeu que todos faziam o mesmo que fazia antes, olhavam para a grade sem vida, com a expressão confusa, perturbada. O homem voltou a olhar para o Sol, e o que viu o paralisou. O mar, mais azul do que nunca, com as gaivotas mais brancas a mergulhar e pescar os peixes mais graúdos, sentia o suor escorrendo de seu corpo ansiar pelo frescor daquelas águas. Engoliu a saliva que lhe subia, sentindo a garganta seca. "Ent..." tussiu e tentou de novo "Então... acho que vou pra casa..." Deu as costas às barcas e foi em busca de seu carro estacionado no estacionamento rotativo a 5 metros dali. "Pelo menos vou pagar menos no estacionamento", pensou. Aos poucos, a multidão o seguiu, cada um indo para sua respectiva casa.

Dia Negro

Preparei todo um texto sobre democracia, sobre a responsabilidade do voto e a vontade de igualdade, de justiça... mas desisti... acho que quem acompanhou estas eleições como eu, na espectativa de um resultado inovador, se decepcionou... furiosamente. A começar pelo segundo turno entre o PSDB e o PT, de um lado a quase indescente indiferença neo-liberal, do outro a absurda hipocrisia populista. Qual o melhor? melhor explodir essa porra toda e mandar pros ares. Mas tudo bem, isso eu já esperava. O que eu NÃO esperava MESMO era o GAROTINHO ganhar do Chico Alencar para deputado FEDERAL! E o WAGNER MONTES ganhar do Marcelo Freixo para estadual. O que eu não esperava era a eleição de Antônio Carlos Magalhães Neto na Bahia, nem a de Roseana Sarney no Maranhão. O que eu não esperava era ver Heloísa Helena perdendo para Renan Calheiros e ver o Crivela ganhando essa eleição. O que eu não esperava era o voto no imbecil do Tiririca ser uma forma verdadeira de protesto. Protesto? Vá se foder, meu amigo, isso é palhaçada! Protesto é voto nulo, não voto colorido! O que de fato eu não esperava era que o Brasileiro - e com B maiúsculo mesmo -, amargurado pelas corrupções e roubos e pelo descaso social dos políticos acabasse fazendo a manutenção dessa elite abismal que governa nosso país. Que o Brasileiro elegesse quem o judia, o sacaneia e o rouba a olho nu. Que o Brasileiro fosse tão cego, fosse tão surdo, fosse tão passivo. Mas não sei porque fiquei surpreso. É sempre a mesma coisa... Hoje é um dia negro para mim... pela primeira vez eu posso dizer que não me orgulho de ser brasileiro. E com b minúsculo.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Uma Contribuição De Alguém Que Não Tinha Nada Pra Fazer E Se Revoltou Com A Sociedade - Taiã Nismaschin

Antes do texto, uma curta introdução. Já faz um tempo que eu pretendia tornar este blog um espaço coletivo, onde cada um pudesse deixar o que pensa, o que gosta, o que sente, o que quer dizer de fato para outras pessoas. Na verdade, ao criar o blog eu estava pensando nisto. O Taiã é o primeiro de, espero, muitos que virão dividir este espaço - curto, eu sei - comigo e com Vossa Senhoria O Leitor. Textos, críticas, poesias e poemas, contos e prosas dos mais variados estilos e ideologias são mais que bem vindos aqui. Espero que você também possa contribuir com suas ideias.
                                                                                                  
Breno Crispino


Sabe, estava pensando ultimamente sobre a nossa (dependendo de sua idade), ou melhor, a minha geração e o que ela faria para mudar nosso mundo. Pessoalmente, acho que faria bem pouco e talvez pela falta de interesse ou por medo. Sou de uma época em que os pais passavam muito a mão na cabeça dos filhos, o que nos levou a acreditar que eles tomariam conta de tudo para a gente. Eles vieram de uma geração em que lutavam pelo o que queriam, nossos avós estavam nos “diretas já”, muitos de nossos pais (ainda crianças) viram isso acontecer, então a sensação de revolução ficou neles, porém foram os mesmo que, por saber disso, aqueles que subiram no poder não queriam tomar essa porrada da geração seguinte e o que fizeram então? Nos alienaram. Posso dividir nossa geração em 3 tipos de pessoas: as alienadas por indução, as que não querem se envolver em nada e só se interessam por suas vidas e as “revolucionárias”. Porém, este último tem medo demais para interagir, então não serve pra nada também. Mas como surgem os revolucionários ?



De duas formas até agora pensadas por mim ou a pessoa ao ver o mundo como está resolve ir por vontade própria contra tudo, ou pessoas como eu, que somos alienados, porém não agüentamos mais o que está acontecendo, e, com influência de REALMENTE poucas pessoas da geração passada que não suportam o que fizeram com a nossa, nos instruem a ver a realidade. Mas mesmo assim o primeiro caso não parece existir e no segundo temos medo demais para querer fazer algo, mesmo com a vontade revolucionária em nossas “almas”.


Nossa geração talvez não faça nada, mas acredito que a próxima será uma das mais fortes, por que os indignados com o sistema ensinaram a seus filhos a possuir o fator X que não temos. A coragem para ir contra os grandes e a força para seguir em frente, coisas que por uma pena não possuirmos.

Taiã Nismaschin

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Acerca de Deus e pãs

Até algum tempo atrás, caso você me perguntasse se eu acredito em Deus, eu não apenas diria que não, como riria da ideia de sua existência. No entanto, fui aos poucos passando por uma transformação que mudou completamente meu modo de pensar, passando, a princípio a considerar a existência, ou melhor, não descartá-la. Oras, raciocinemos... qual a grande diferença entre crer que Deus existe e crer que Deus não existe? Só pelo fato de eu acreditar em sua não-existência, eu já levo em consideração sua existência, tornando-o um fato dubitável, mas possivelmente existente. Afirmar categoricamente que Deus não existe é tão estúpido quanto qualquer afirmação absoluta. Eu era estúpido. Eu sou estúpido, mas era ainda mais. Passei, então, a não me chamar mais de "ateu" com toda pomposidade e orgulho. Ainda não deixava Deus nenhum fazer parte de minha vida, mas não porque ele sem dúvida não existia, mas porque não faria diferença. Será?

Foi neste último sábado, eu fui assistir ao filme "Nosso Lar", baseado no livro psicografado por Chico Xavier do espírito André Luiz. Não vou dizer a você que eu acredite na psicografia, ou em espíritos... seja como for, o livro é absolutamente lindo. E a história compensa pelas falhas cinematográficas. É um enredo para te fazer pensar, não para te entreter, então não espere explosões, tiros e etc... Enfim, estava eu vendo o filme, e talvez eu pudesse ter jogado os 105 minutos do filme fora como uma forma de demagogia e moralismo, se não tivesse ouvido uma única frase. Uma frase apenas, dentre milhões de frases, que conseguiu chamar minha atenção. Disse o governador a André Luiz:

"- Quando você estava lá deitado, André, você falou com seu coração, você falou com Deus."

Era algo assim... não lembro exatamente, mas a essência é essa. Veio quase como um clique em mim e eu percebi que olhava na direção errada. Não era Deus que eu negava, mas uma imagem estereotipada e  preconceituosa de um ser divino criador de tudo e que pune quem n obedecer a Ele. Não é isso... acho que uma busca por algo maior, algo para se guiar, não importa o que seja, é natural ao homem. Alguns vêem Deus em animais, outros em fenômenos naturais... eu, no entanto, percebi outra coisa. Deus não é de fato algo físico... materializável com coerência, não é um velho barbudo sentado num trono. Não, eu vejo Deus como o sentimento que brotou em André Luiz, vejo Deus como uma sensação, um estado emocional, um Deus interno muito mais que externo. De fato, cabe ao próprio homem externar este Deus, que não é Deus, mesmo, mas uma característica do homem. Ei, não estou botando o homem como Deus, estou botando o homem como portador de um divino que nada tem a ver com divindade, é divino em sua essência, não em sua forma.

Deus é amor, foi a conclusão que eu cheguei. Justamente porque não existe nada tão poderoso, incondicional, despretencioso e além da compreensão do que o amor. Você não sabe o porque, só sabe que ama, só sabe que faria qualquer coisa para proteger esse amor. Colocaria o bem dele (do amor) a frente do seu. Se doar, sem esperar nada em troca, o mais forte sentimento de empatia... isso é Deus, a bondade no (coração?) ser humano. O altruísmo. A caridade e não a demagogia. Pelo menos foi que eu entendi. E, ao compreender isto tudo, uma sensação de bem-estar me invadiu, talvez pelo prazer de uma nova descoberta, talvez, segundo diria Jung, fosse a sensação da materialização da imagem de Deus na minha mente. De uma forma ou de outra, Deus sendo o amor, a fonte altruísta do ser humano, me parece uma teoria satisfatória. E bem plausível também. É um Deus, que de fato, não criou o Universo, mas cria muita, muita coisa. Está em sua onipresença, algumas vezes latente. Possui um poder onipotente, que é o prórpio poder do amor, um poder que já se mostrou capaz de verdadeiros milagres.

Não é um Deus que eu possa rezar, nem seguir regras para deixá-lo feliz. Porque não é um Deus que me julgue, é um Deus que só aparecerá, caso eu realmente chamá-lo, aceitá-lo, praticá-lo, externá-lo. É um Deus que me faz perceber que o verdadeiro perdão vem de mim mesmo em primeiro lugar. Que a sensação boa que ele traz, é consequência das boas ações que fazemos.

É engraçado pensar que eu imaginei tudo isso em uma fração de segundo. Acho que talvez isto já estivesse em mim, adormecido. E foi preciso o governador do Nosso Lar para acordá-lo.

Talvez você me pergunte agora: "Tá, e o que diabos mudou?". Bom... não mudou nada, eu acho. Vou seguir a vida como seguia... mas acho que me sinto mais leve agora... posso ainda não ter ideia do que vai me ocorrer após a morte - provavelmente a decomposição - mas sei que eu tenho um Deus em que confiar, no Amor dentro dos homens... e acho que me dá certa esperança saber que todos possuímos este Deus dentro de nós, por mais que neguemos, por mais que ele esteja latente, por mais que queiramos contrariá-lo, Ele está lá.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Lar Doce Lar



Não há lugar como o lar.



                         Quero voltar para casa.


Que coisa estranha é esse apego a um lugar, não? O que chamamos de casa, lar, ou qualquer outro nome que você possa eventualmente chamar... Porque, para nós, ela deixa de ser uma simples moradia? Porque passamos a nos identificar nela? Torná-la parte de nós mesmos e nós parte dela? Porque nos sentimos seguros dentro dela, mesmo se não estivermos? Porque a necessidade de clamá-la para si? Lar pode ser um apartamento, uma casa ou mesmo um país. Sabemos que pertencemos àquele lugar e que não poderíamos ser de nenhum outro. O que leva um brasileiro morando na Europa, mesmo ganhando muito mais e vivendo melhor lá, voltar para o Brasil? Ou um judeu, cuja família já vive gerações em um país, querer voltar para Israel? Vemos nossas origens em nossa casa, nos vemos nas nossas origens. Quem nunca quis saber quem é de fato? Saber de onde veio? Se conhecer? Vemos em casa o mais próximo de nós que podemos encontrar. Às vezes tentamos fugir... Mas o apego a casa é grande. E porque o sonho da casa própria? Não seria fugir das origens? Fugir da sua história? Não, creio que não, seria o inevitável desejo de construir você mesmo uma história sua. E deixá-la para seus filhos. A casa não é um simples abrigo, é um santuário, onde você pode mesmo nas piores situações sentar-se e descansar, descarregar o pesado fardo da rua, do dia-a-dia, do trabalho. Em casa, você pode chorar, xingar, ser você mesmo sem ter ninguém para te julgar. Vemo-nos em casa, porque nossa casa, nosso lar, é onde abrigamos nossos mais profundos segredos, sentimentos, ambições... Vemo-nos em nossa casa, porque ela é moldada de acordo com nossa personalidade.


E quem não tem casa? Quem não tem lar? Quem está à procura de um lugar que pode chamar de seu? E quem foi tirado de casa a força? A sua propriedade tirada desta pessoa sem aviso prévio? Ou mesmo com aviso prévio? Esta pessoa deve lutar pelo que é seu? Esta pessoa deve retaliar? Esta pessoa deve agir passivamente e viver sem lar? Aquele que nasceu sem terras deve morrer da mesma forma? Deve tentar conquistar algum lar, mas como? Se nem casa eles tem, vão ter como estudar? Arrumar um emprego? Comprar enfim a tão sonhada propriedade?


E aquele que tem mais que abundância de terras, não por mérito próprio, não foi ele quem conseguiu adquirir tudo aquilo, foram os avós dos avós dos avós dele, aqueles que ganharam estes feudos para a colonização ou por que eram da nobreza. Mas os anos passam e a monarquia faliu. Porque as mesmas pessoas são donas dos mesmos pedaços de terra? Terra esta, não se engane, não totalmente aproveitada. Mas abrir mão de um pedaço para dar a quem não tem? Pecado! Absurdo! Inimaginável! Nem mencione isto, seu vermelho maldito! Não sou vermelho, branco, preto, azul, verde, ou cor alguma. Sou justo. Não fui eu nem vermelho algum quem escreveu os direitos do homem, não fui eu que coloquei lá o direito a propriedade privada, não foi, tampouco, um vermelho que fez a Revolução Francesa.


Também não fui eu quem tirou as terras de seu ancestral a milhares de anos, mas fui eu quem vocês culparam. E fui eu quem perdeu a casa. Eu e mais centenas de milhares. Sou eu e mais centenas de milhares que esperam um pedaço de terra, não utilizada mesmo, que possa chamar de minha, de lar. Sou eu e centenas de milhares que somos postos de lado e vemos vocês desfilarem com o orgulho e mesquinhez que só vocês têm. Somos nós que esperamos sentados, que morremos esperando, mas que ainda assim temos esperanças de ver nossas casas, nossos lares. Porque vocês podem ter um lar e nós não? Porque vocês podem ter um santuário e nós não? Vocês têm seus direitos, porque nós não temos? Não somos homens também? Não somos humanos? Somos inferiores a vocês, por acaso?Queremos construir também nossa história, queremos que nossos filhos a continuem. Queremos chegar em casa, depois de um dia de trabalho, e descansar. Queremos nós, homens sem origem, poder dizer Lar Doce Lar.

domingo, 29 de agosto de 2010

Sim, são só 3 paragrafos.

Antes de mais nada, isso não foi feito para ser uma ofensa, não foi feito para ser uma crítica, se você se sentir ofendido ao ler isso, sinto muito mesmo - é sério - não foi minha intenção. Foi só uma idéia arbitrária que me veio do nada. Repito, do NADA. Não quero atingir NINGUÉM com isso, não importa a crença, a escolha sexual, a etnia, a classe social! É só um maldito conto que achei nos meus rascunhos e decidi terminar. Se mesmo assim, você deseja ler, boa leitura. Críticas serão muito mais que bem vindas, a menos que sejam críticas ideológicas, aí fica difícil, já que você não conhece o personagem, mas eu sim.


Josué sabia que havia algo de errado com ele, com o que ele queria, com quem ele era. E negou, negou por anos e anos e continuaria negando enquanto pudesse. Mas este tempo estava se esgotando. Josué passou a ir cada vez mais a igreja, chegando a, em algumas semanas, ir duas, três vezes por dia. Talvez o Senhor pudesse ajudá-lo, poderia expulsar aqueles demônios que tanto o incomodavam, o tentavam para o pecado. Certo dia, na igreja, Josué viu um rapaz, mais ou menos da mesma idade que ele, uns 20 e tantos anos. Josué reparou nos cabelos louros e cacheados do rapaz, no seu nariz fino e bem delineado, nos seus lábios grossos que se mexiam com graciosidade enquanto pronunciava as palavras do Senhor. Josué reparou em como os músculos do rapaz apareciam em sua roupa de malha fina, e em como seu sapato era bem polido. Josué conseguiu até mesmo ouvir a doce melodia de sua voz em meio à oração conjunta e ao pastor de microfone. Não! Não podia! era contra a Lei do Senhor! Josué sabia disso, sabia. Sabia que aquilo que chamavam de homossexualidade era uma doença perversa, capaz de provocar a fúria de Deus Todo Poderoso. Josué sabia que cidades foram dizimadas devido à essa... essa... praga. Sim, essa praga pagã e pacaminosa. Josué sabia disso tudo, Josué sabia sim, tinha certeza, mas por mais que insistisse em olhar para a Bíblia, para a salvação, para o pastor urrando palavras de Deus pelo microfone, com o terno já amassado, Josué não conseguia deixar de olhar para o rapaz. Olhava de relance, tirava o olhar, se punia mentalmente por isso, e olhava de novo. Ah, sim. Josué sabia que isso o levaria para o Inferno, sabia não, tinha certeza! As tentações do Demônio são poderosas, Josué sabia, e tinha que resistir a elas. Olhou mais uma vez. O rapaz olhou de volta dessa vez, e sorriu. Josué corou. Já não pensava mais no Senhor, pensava nos olhos azuis lindos do rapaz, pensava qual seria seu nome, pensava nele sem roupa. Josué caiu em si. Estava escorregando... escorregando para a tentação do diabo. Precisava sair de lá. Precisava correr antes que fosse tarde. Josué se levantou apressado e saiu mancando da igreja, sendo seguido por olhares de descontentamento e reprovação (além de alguns risinhos -"olha o cara manco"). Sair no meio do Culto do Senhor? Absurdo. Josué sabia, mas agora era uma questão de salvação ou não. Josué sentiu o ar quente e abafado de um verão brasileiro, mas fresco, em comparação ao ar quente e abafado de uma igreja fechada entupida de pessoas no verão brasileiro e sentiu que podia respirar melhor.

No dia 17 de Maio de 1987 nascia Josué Alpendre dos Santos, filho de Maria Helenita Alpendre e José Alfonso Tenores dos Santos. Criado com uma educação religiosa constante, Josué se acostumou a ir para a igreja todo domingo e a aprender os costumes do Senhor. Vinha de família humilde, mas não pobre. Tinham uma casinha nos arredores da cidade, perto do mar aberto, casa esta que foi herdada por Josué quando seus pais viraram missionários da Igreja Mundial do Reino de Jesus. Aos 5 anos, Josué perguntou: Se vocês são Maria e José, porque eu não posso me chamar Jesus? E levou um sério olhar de reprovação. Seria falta de respeito, explicou mamãe, colocar o nome do salvador em algum de nós. Josué entendeu. Aos 7, quando questionou porque Deus não ajudara ele quando caiu de bicicleta e quebrou a perna, papai falou: Deus te ajudou, filho, te proporcionando um médico que consertou sua perna. Josué entendeu. Aos 8 anos e meio, Josué não ligava que o osso tenha calcificado errado, sabia que Deus Todo Poderoso sabe o que faz e não o questionou. Aos 16, quando estudou sobre as Grandes Guerras, Josué nem sequer pensou sobre o que Deus estava fazendo, ele sabia que o ser humano tinha o livre arbítrio para fazer o que quisesse. Hoje, Josué foi mancando para casa, sua perna ainda defeituosa doía. Era uma dor boa, o ajudava a esquecer o rapaz. Merda! Lembrou dele! Mas tudo bem. Já estava quase em casa, seu santuário. Josué então foi surpreendido por uma mão em seu ombro. Uma mão estranhamente macia e quente. Ele sabia quem era. Pior que qualquer assaltante, pior que qualquer assassino, estava ele lá. O rapaz. O rapaz louro da igreja. "Oi, tudo bem?", disse o rapaz meio tímido "Você esqueceu sua Bíblia na igreja..." ele estendeu a Bíblia e Josué olhou para ela, meio aturdido, a adrenalina no sangue e o coração batendo rápido. "Sim..." disse a voz rouca de Josué, achando que devia dizer algo. "Então... aqui está" o rapaz mostrou a Bíblia novamente. "Ah, sim. Perdão.", disse Josué enfim pegando a Bíblia. "Haha, sem problemas", disse o rapaz, rindo - que sorriso lindo. Acenou e foi embora. Josué esperou o rapaz sumir de vista, agarrou-se na Bíblia e começou a chorar. PORQUE, SENHOR? PORQUE ME TESTAS ASSIM? Josué caiu de joelhos no chão gemendo e soluçando, e se deitou no asfalto quente, as luzes amarelas da rua o iluminavam como a um ator no palco. Ficou nem sabe quanto tempo ali, chorando, agarrado na Bíblia. A Bíblia, Josué percebeu. A Bíblia!! Era ela! A evidência do crime!! Precisava se livrar dela! Se levantou, correu estrada afora e mirou no mar. A Bíblia voou e caiu nas ondas sem grandes dificuldades. Josué então percebera o que fizera! Atirara no mar o livro de Deus! Oh não, oh não! Saltara depressa para recuperar o livro.

Não sabia nadar.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Sem Título

É tanta hipocrisia
É tanta merda
                     - fede, fedeu, fodeu, fedia
É tanta melosa afetação
E tanta sebosa corrupção
                                      - Põe na cueca
É tanta ignorância
Tanta falta de respeito
Tanta lamuria
Tanto deixar-isto-no-mesmo
                                           - Não adianta mudar
O Mundo não muda mais
Quem tentou mudar foram meus pais
Se nem eles conseguiram
De que adianta tentar?
                                  - Mas o Mundo mudou sim
                                  - Ele conseguiu piorar
Transformar Deus em arma e amor em droga
Transformar relação em competição, o crime em emoção
Transformar trabalho em dever, deixar a vida lá, morta.
Viver para morrer.
                                   - A Libertação Final
Sair dos grilhões do mundo material
Se livrar dos problemas nem-tão-reais-assim
Morte a você, vida para mim.

Lucrar com a morte, lucro indesejado
Mesmo aquele que, em vida, foi invejável,
Na morte é inútil, como o corpo que preservas.
Reservas
Imensas
De Dinheiro
De Materiais
De Posses
De Vidas
De Almas
De Sonhos
De Criptas.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Huberth Jones

Ele tateou nervosamente os bolsos do casaco e seu coração acelerou o passo quando ele achou que o cigarro não estava lá. Enfim achou. Nunca tinha sido de fumar, fumava ocasionalmente um mentolado durante o fim de semana, mas o momento pedia um cigarro, pedia alguma coisa para se acalmar. Pegou um cigarro do maço Free Light e o levou a boca, a mão tremendo, quase o deixando cair.
 - Não acredito que fiz isso. - disse ele levando o isqueiro à ponta do cigarro.


Acendeu o isqueiro e tragou com vontade a fumaça, soltando-a num aliviado suspiro.


- Não acredito que fiz isso. - disse de novo, enquanto respirava o ar gelado de inverno, seu casaco de camurça se molhando com a garoa.

Se lembrava do que falara, se lembrava de quem acusara, se lembrava do que fizera, mas era uma lembrança nebulosa, como se tivesse ocorrido há muito tempo atrás, quando na verdade só haviam se passado duas horas. Se lembrava de como, quando acabara o discurso, as câmeras focalizaram nele e se lembrava dos flashes. Se lembrava dos aplausos, das lágrimas e das expressões daqueles que conseguiram invadir o prédio para apoiá-lo. Se lembrava claramente. Mas também se lembrava das expressões dos políticos e dos empresários. Sabia que não teria muito tempo. Seria caçado logo, era uma ameaça. Tragou novamente o cigarro. As pessoas o ouviram, as pessoas o viram e viram todos, viram a verdade. Soltou a fumaça. Ele pode ter começado uma nova era.

Estava com frio. Jogou o cigarro ainda aceso no chão e pisou nele. Entrou em casa, a velha casa de madeira em que vivera a vida toda, possivelmente a última casa de madeira da capital.


"Sem mais guerras, sem mais abusos, uma nova era, uma era justa".


Já tinha começado sua campanha contra essa política assassina já fazia muito tempo, mas hoje, ah, hoje fora o ápice de todo seu trabalho. A emoção de tocar as pessoas é indescritível, a emoção de mobilizar as pessoas para seu próprio bem, o direito de reconquistar seus direitos, de exigi-los. Isto tudo era... indescritível. Era bom... mas era assustador também. Sabia o quanto isso poderia prejudicá-lo. Mas achava que valeria a pena, valeu a pena.

A lareira estava acesa. Então... já? Achava que teria alguns meses para se preparar. Pelo visto a situação estava mais urgente do que pensara. O homem sentado na poltrona de couro se levantou, seu rosto era uma sombra contra a luz da lareira.

- Boa noite, Sr. Huberth. Acho que sabe por que estou aqui. - o homem tinha uma voz grave, "grave como a morte", pensou Huberth.

- Sim... sei... - suspirou ele, a voz falha, nem se preocupando em esconder os espasmos na mão que segurara o cigarro...

- Sr. Huberth, meus chefes são extremamente generosos... e estão dispostos a fazer uma oferta a você. O que o senhor diria de cem milhões limpos, sem impostos, na sua conta imediatamente?

- E em troca, presumo que terei que desistir do meu trabalho e desandar todo o Movimento?

- Presumiu correto.


- Com certeza não. E acho que vocês já sabiam disso.

- Sim... sabíamos - o homem sem rosto suspirou algo que se assemelhou ao bufar de um cavalo - Sabe que terei de matá-lo, não?


- Não... você não tem que me matar. Se você me matar é você quem escolheu isso.
 - O senhor sabe o meu trabalho? - perguntou o homem, se movimentando pela sala, deixando o rosto ser iluminado pela luz da lareira. Seu rosto era bem cuidado e bem barbeado, sem um cravo ou espinha à vista.

- Sei.

- Então deve saber que não posso dar para trás. E deve saber o quanto me pagam.

- Claro que pode! Nosso movimento está dando certo, em breve desbancaremos estas pessoas corruptas e assassinas! Você e eu e o carteiro e o alto executivo e o jornaleiro somos pessoas iguais e seremos tratados iguais! Dinheiro não vai mais significar poder! Dinheiro vai significar posses somente! Teremos oportunidades iguais e...

- Eu gosto de posses, Sr. Huberth. - disse o homem, agora ligando a televisão no meio da sala. A luz deu um sinistro brilho aos seus olhos sem olheiras - não que dormisse bem, mas sabia como disfarçar, era extremamente vaidoso - E gosto de ter dinheiro e ter poder, Sr. Huberth. Mais alguma coisa?


Huberth abriu a boca para falar, e então viu o noticiário anunciando suas notícias. E as pessoas estavam lá. E não eram apenas as que cercavam o Senado, eram muitas, muitas mais. O país estava se mobilizando. Pessoas com faixas e cartazes, gritando pelos seus direitos, gritando por elas e pelas outras. Uma lágrima escorreu pelo rosto de Huberth Jones, seus óculos de lentes finas se embaçaram e seu rosto frágil e magro se contraiu numa expressão, não de desespero como o homem que o mataria pensou, não de medo da morte iminente, mas de felicidade, de orgulho. Conseguira, fizera o que tinha que fazer, fizera seu trabalho e as pessoas ouviram. Poderia morrer feliz. Todo o arrependimento foi varrido de sua mente. Estava pronto. O homem mudou de canal. Um pianista coreano começara a tocar em excelente interpretação o Noturno Opus 9 N° 2 de Chopin.


- Sabe que não haverá como parar estas pessoas. - disse Huberth, por fim.


- Talvez. - disse o homem, impassível - Mas pararemos você. Sua morte será um exemplo. Faremos parecer um suicídio, não se preocupe.


- Nunca acreditarão na minha morte. Saberão que fui assassinado.


O homem deu de ombros.


- Tiraremos na sorte - disse o homem sacando a arma com a mão devidamente enluvada e parando no ato.


O pianista encarnara o próprio Chopin e tocava cada tecla do piano como se fosse sua última.


- Sabe... - disse o homem girando a arma nas mãos - Eu tenho uma pergunta a você, Sr. Huberth Jones, e acho que não poderei protelar mais.

- Pode perguntar. - disse Jones, se sentindo fraco e terrivelmente ansioso e se sentando em uma das poltronas de veludo que estavam na família havia gerações, se ia morrer, que morresse confortável.


- O Sr. é contra guerras e contra as indústrias que mobilizam nossa economia, o Sr. é contra os poderosos que alimentam nossa bolsa de ações, o Sr. é contra o seu próprio país. Porque não é patriota Sr. Jones? Porque não ama seu país?


- Eu amo meu país. - respondeu Huberth - Mas isso não é comparado ao meu amor pelas pessoas. E no momento estes dois estão em conflito.


- Ah, sim. Obrigado por responder Sr. Huberth. - disse o homem apontando a arma para o peito de Jones.


- Por nada. - Huberth esboçou um sorriso, destroçado e horripilante e baixou os olhos, aguardando o tiro inevitável.


Mas ele não veio. O tiro não veio. Olhou para o atirador e ele hesitava, ainda com a arma apontada para Huberth. O atirador tremia um pouco e Huberth teve certeza de ter visto lágrimas brotando de seus olhos. Passou-se talvez uma eternidade onde Chopin reinava e a mente do atirador borbulhava. Talvez houvesse outro jeito... Jones fez menção de falar...
 Mas tão depressa quanto começou, o silêncio terminou com um barulho ensurdecedor.


O assassino fez seu trabalho, e o tiro saiu junto com as últimas notas do Noturno. O corpo de Huberth escorregou pela poltrona e ficou esparramado no chão, ainda observando o atirador, agora muito nervoso - nunca ficara tão nervoso em todos estes anos matando gente -, com seus olhos vidrados e estáticos. O sangue começou a empoçar e sujar o carpete da sala e tudo que se ouvia eram os aplausos vindos da televisão.


Aplausos fervorosos.

sábado, 31 de julho de 2010

Fanstasmas

Mais um texto pessoal, queridos meus... Esse particularmente será um difícil de escrever... mais pela minha dificuldade em tocar no assunto... ainda estou resolvendo o quão pessoal eu vou tornar ele. Mas enfim... descobriremos conforme eu escrever e vocês lerem.

Todos temos fantasmas que não nos deixam dormir, que nos fazem vagar os olhos pelo quarto, pensar incontáveis "e se"s, chorar e bater no travesseiro antes de dormir. Porque antes de dormir? Por que é justamente nessa hora que os fantasmas aparecem, quando o quarto está vazio e escuro e não temos outra opção além de pensar em nós mesmos, refletirmos sobre o que fazemos e fizemos... abrir feridas antigas, relembrar traumas, arrependimentos. Os fantasmas fazem nosso coração bater forte e fazem com que sintamos raiva de nós mesmos, tristeza, saudades, um misto de sentimentos que giram e giram e giram em nossa mente e descontamos no travesseiro, seja socando-o ou deixando-o molhado de lágrimas. O travesseiro se torna nosso bode espiatório simplesmente porque não temos coragem de enfrentar nossos fantasmas cara a cara. Não temos coragem de encarar nossos erros e nossos traumas e seguir em frente. Os fantasmas, muito embora invisíveis, assustam, e se fazem presente na vida. Nos impedem de viver aquilo que poderíamos estar vivendo, nos prendem ao passado com seus braços - imateriais mas - incrivelmente fortes. Os fantasmas tiram nosso apetite, nosso sono. Os fantasmas mexem com nosso estômago (aliás, o meu está se revirando só por estar escrevendo esta postagem) e nos deixam sensíveis a qualquer coisa. Por fim, os fantasmas não deixam a ferida cicatrizar, eles a mantém aberta e, sempre que possível, a cutucam, nos machucando onde mais dói (não, não é lá em baixo), por dentro.

Certo, decidi que se um dia eu vou me abrir pra falar alguma coisa sobre isso, vai ser por um blog que, possivelmente, pessoas que eu não conheço ou não tenho afinidade nenhuma lêem.

Eu, como todos, tenho meus fantasmas... vou contar algum deles. Vou contar o que aconteceu e como eu lido com isso agora. Não citarei nomes, até pela possível infelicidade de um deles acabar lendo essa coisa (meus fantasmas sólidos, do mundo real). Só espero que se algum deles ler e se lembrar do ocorrido... saiba que não guardo mágoas e espero que eles também não guardem.

Quando eu tinha - o que? - uns... oito anos, talvez - ou menos ainda -, meus pais alugaram uma casa em Búzios com os pais desse garoto (Rafael, digamos, é um nome tão bom quanto qualquer outro)... Ele era quatro anos mais velho que eu e a gente vivia o tempo todo junto. Ele era o meu herói, meu exemplo, ele era "O Cara" pra mim.
Então... quem conhece Búzios sabe que de noite só se tem praticamente um lugar para ir: a Rua das Pedras. Fomos para lá, e encontramos os primos dele, um deles tinha a mesma idade de Rafael, e o outro era um ou dois anos mais velho. Eles chamaram a gente pra ir jogar mini-golfe, eu me empolguei, "oba! adoro mini-golfe" sempre fiquei perdido dentro de um campo de mini-golfe, doido de empolgação, aqueles decorativos e os obstáculos para se chegar ao buraco sempre me fascinaram, em especial os mini-moinhos, que unia os dois num só. Claro que disse que queria ir, mas Rafael me puxou para o lado e disse "não, não, não vamos não Breno, vai ser chato. Vamos no Laser Shot que vai ser mais legal". (*O Laser Shot é uma espécie de Paint Ball, mas com lasers, obviamente) "Mas vai ser legal o PrimodeRafaelnúmero1 e o PrimodeRafaelnúmero2 vão brincar com a gente" e ele insistiu em ir no Laser Shot, insistiu tanto e eu respeitava tanto ele que acabei cedendo, fomos no Laser Shot, esperamos numa fila imensa e entramos, jogamos... não gostei muito (aliás, acho que depois disso nunca mais fui no laser shot de Búzios haha). Quando saímos eu me empolguei de novo "vamos no mini-golfe agora?" "não, disse ele, agora eu to cansado vamos voltar pra casa" "mas e o mini-golfe???" "deixa pra lá, vamos pra casa" "ah... ok...". Estava desapontado, sempre gostei de mini-golfe, estava animadíssimo para jogar.
Mas fomos e quando entramos no carro e estávamos prontos para sair, Rafael correu pra fora e falou que ia embora com a NomedatiadeRafael. Ele me deixou sozinho, ele me enganou pra eu não brincar com os primos dele, imagino, ele me abandonou e eu... senti muito isso, uma tristeza profunda. Uma coisa é uma sacanagem de um amigo, outra é uma traição por parte de uma pessoa que você admira. Ele não era só meu amigo, era meu primo (foda-se que ele leia isso) e fomos criados juntos. Porra, ele era meu primo mais velho, era como um irmão pra mim e me deixou sozinho, abandonado. Fiquei calado no carro e quando chegamos na casa alugada eu chorei.

O mais engraçado é que eu realmente não lembrava da maior parte disso, foi minha mãe que me contou e conforme ela me contava, as cenas apareciam, vivi tudo isso de novo e, para vocês pode não parecer muito, mas para mim foi... esta foi minha primeira decepção. Em algum post eu disse que meu maior ponto fraco é confiar nas pessoas... e talvez seja isso mesmo, tive imensas decepções na minha vida... talvez vocês fiquem sabendo de mais algumas, mas tem certas coisas... que eu tenho que guardar para mim. Só meus amigos mais íntimos conhecem, outras nem mesmo eles conhecem. Essa, por acaso, nunca tinha compartilhado com nenhum amigo. E na verdade, não foi nem de perto a maior de todas do "Rafael"... o que meu primo já fez comigo psicológicamente falando, são coisas para se esquecer. Lembrei dessa... mas, tenho um repertório cheio. Hoje eu já superei esse - trauma? conflito? ferida? - problema. Talvez porque minha cota de decepções tenha atingido seu limite e eu finalmente aprendi a não admirar gente que conheço e convivo.

Este foi um dos muitos fantasmas que me perseguiam  e de vez em quando aparecem à beira da minha cama. E tenho certeza que vocês tem alguns parecidos... decepções são lugar-comum na vida das pessoas, talvez vocês entendam como me senti com isso, talvez não, de qualquer forma é bom desabafar, isso espanta os fantasmas, mesmo que apenas momentaneamente. Talvez seja hipocrisia falar que devemos superar nossos medos, nossos traumas, e que eles estão no passado, quando eu mesmo ainda trago muitos comigo. Mas posso dizer que eu tento, que eu estou aprendendo a ver eles como um modo de não repetir a mesma coisa, de não fazer com outra pessoa o que fizeram comigo, de não abrir esta ferida em alguém como abriram em mim. Estou vendo que os traumas não são assim tão assustadores quanto parecem. Afinal de contas, vale sempre lembrar que fantasmas não existem.

Então, meus queridos, foi isso... falei um pouco de mim e vou me arriscar novamente: Se vocês se sentirem à vontade para tocar no assunto, gostaria que relatassem algum fantasma seu, algo que os pertubem até hoje, que tira seu sono ou simplesmente te dá aquela sensação mareada, aquele enjôo chato que vem quando você pensa naquilo. Mas só o façam se vocês se sentirem realmente a vontade com isso.