segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A alma é o dinheiro do negócio

É frequente se ouvir que o mundo é movido à dinheiro e que quanto mais dinheiro você tem, mais poderoso você é. Poder, Dinheiro, são coisas que ouvimos muito, coisas que estão enraizadas nesta nossa cultura ocidental (e é uma praga tão virulenta e poderosa que está migrando para tomar conta do mundo inteiro), nos nossos valores, desejos e religiões, os vemos presentes. Ouvi um cara falando hoje que "dinheiro = poder", que "dinheiro move o mundo"... Sei que muitos de nós concordamos com isso, mas vamos desconstruir esta ideia e mostrarei que não é realmente verdade.

Porque queremos dinheiro?
É realmente o dinheiro que buscamos?
Eu acho que não... Não, buscamos algo mais, buscamos aquilo que o dinheiro nos proporciona. E o que é isso? Conforto, felicidade. Felicidade... a busca pela felicidade... eu acho que é isso o que verdadeiramente move o mundo. O que é o dinheiro no final das contas? É só papel. Papel colorido. Hoje em dia o dinheiro é necessário para a sobrevivência na vida urbana, mas não queremos só o básico, queremos? Não, buscamos cada vez mais. Eu acredito se tratar de um processo, que vou explicar a seguir.

Primeiramente, vemos no dinheiro um grande potencial, afinal de contas, ele nos compra coisas! Coisas que nos deixam felizes. Todo mundo quer um carro novo, uma roupa bonita, um videogame novo, enfim... são coisas incríveis que vieram com o avanço tecnológico, e acho que devemos usurfruir delas. No entanto, com moderação. Projetamos nossa felicidade nestas coisas, e elas, de fato, nos deixam felizes, mas também trazem sentimentos negativos. Vamos pegar como exemplo o carro novo: eu comprei um carro novo, certo? Então, estou feliz e animado com ele, mas também fico com receio de estacionar em qualquer lugar, fico com medo de roubarem ou arranharem o carro, fico com raiva dos flanelinhas, fico ansioso com a vistoria e por aí vai... Quando percebemos que o produto (carro, ou qualquer outro) não de fato me deu felicidade, não satisfez minha vontade totalmente, é que o processo começa. Eu procuro outros produtos, cada vez mais, me amontoo de produtos comprados com o dinheiro, tudo isso para alcançar a o estado de felicidade.

Mas, ora, a felicidade é um sentimento, nós sentimos ela, não porque um fator externo acionou ela, mas porque o interno respondeu ao externo. A questão é que o que nos deixa feliz, nossos objetos de desejo, são incrivelmente voláteis. Podemos ser influenciados por uma propaganda e, por isso, querer tal produto por achar que ele trará prazer, felicidade, e podemos nos sentir felizes observando um nascer do sol. São voláteis, maleáveis, variados, porque são fatores criados pela mente. Quem tem controle mental tem, portanto, controle da felicidade.

Devemos sim aproveitar o que o dinheiro pode nos oferecer, mas não podemos achar que ele é o centro do mundo. Nossa própria vontade e a busca pela felicidade - que, infelizmente, é projetada no dinheiro e em seus subprodutos - são o que fazem o mundo girar. Metaforicamente. Se entendermos que a felicidade é nosso poder e não nossa sina, entenderemos que não faz sentido nos dizerem o que queremos, o que precisamos para ser feliz. Seremos donos de nossa vontade e não da vontade de quem tem dinheiro. Logo eles, aprisionados na própria armadilha. Ganância eterna: uma maratona sem linha de chegada, que fica, cada vez mais exaustante.

Domingo

- Só mais uma pergunta...

- Pode falar.

- Existe alguma definição de amor no budismo?

- Existe.

- Qual é?

- É querer a felicidade de outra pessoa. Quando queremos ficar com outra pessoa para a nossa própria felicidade, é apego.

- Hum... boa definição.

Simples como deve ser.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Com uma pequena ajuda de Ignácio de Loyola Brandão

Juan  se preparava para o trabalho, refazia aquela mesma rotina toda semana, todo mês, já havia quase 40 anos. Tinha agora seus 57 e estava cansado. Enfim aceitara isto. Não que nunca tenha se sentido cansado, mas desta vez era diferente, a mesma diferença entre o estar e o compreender que está. Você pode estar sonhando, mas no momento em que compreende que está sonhando, o quadro se altera completamente. E o quadro se alterou. Pela primeira vez em 38 anos, Juan González decidiu que não iria trabalhar. Sabia as implicações desta decisão, e sabia as possíveis consequências, mas estava simplesmente cansado. Se sentia exausto mentalmente e solitário desde que sua mulher morrera do mal do século: câncer. Sem filhos, Juan simplesmente seguiu com sua rotina, carregando sempre seu lenço de flanela no bolso - aquele lenço que ela carregava consigo, de forma tão inocente e colonial - para o caso de uma ocasional - e frequente - crise de choro. Nunca superara a morte de sua mulher, mas nunca realmente pensara no assunto. Juan agora sentia a idade, seus movimentos ficavam mais difíceis e seus ossos mais frágeis, sentia dores nas juntas e problemas respiratórios (apesar de não fumar). Largou a pasta que segurava com as duas mãos, como se fosse um recém-nascido e ela caiu, com um baque surdo, derrubando a vasta papelada no carpete mofado de um apartamento de solteiro. Lentamente tirou a feia gravata vinho, o terno barato e os sapatos de imitação de couro até ficar apenas de cueca e meias. Jogou tudo no chão. Arrastou-se para a cama, talvez a única parte do apartamento arrumada, era uma cama de casal feita, um dos lados - o direito - permanecia intocado. Juan caminhou até o lado esquerdo da cama, sentou-se, hesitou um pouco e, por fim, se deitou. Olhou para o teto, as luzes apagadas, o quarto iluminado apenas pelo sol, coberto de nuvens cinzas. Juan respirou e pensou. Fechou os olhos e abriu, respirou e pensou. Fez isso pelo que lhe pareceu uma eternidade, e então veio. Juan chorou, as lágrimas caíram silenciosas a princípio, umidecendo seu bigode farto. Logo, acompanharam-se gemidos e suspiros, além de engasgadas, à sinfonia da dor. Juan virou-se de lado, encolheu as pernas e apertou firmemente o cobertor na parte direita da cama. Apertou até seus dedos formigarem. Não ligou para a dor, apenas apertou. E então soltou. Juan adormeceu.
Acordou já de noite, com uma mensagem não lida no celular.

"Você está demitido"

Dizia a mensagem. Claro, o substituiram. Desde a reforma é assim: cometa um deslize e perca o emprego, existem muitos querendo ele. Não exisitem mais as famosas leis trabalhistas... só existe a vontade de poucos reinando a vida de muitos. Juan sabia disso... Juan não ligava mais. Dormira e ainda estava cansado, mas agora estava em paz. Sabia o que tinha que fazer. Não podia continuar assim, não aguentava mais.

"Foi por isso que não quisemos ter filhos", lembrou ele " para não colocá-los neste mundo horrível para sofrer."

Juan foi até a sala, ainda só de cuecas e meias. Caminhou firme e relaxado ao mesmo tempo até a janela que dava para a rua de trafego parado. Alguns helicópteros zuniam em seu ouvido. Subiu na janela, o calor do exterior e o cheiro forte de fumaça tomou conta. Mesmo assim, estava tranquilo.

- Estou indo te ver, querida.

Disse ele.

E pulou.





Juan morreu na queda com um ataque fulminante e seu corpo, que caiu em cima de um carro das FPS, Forças Privadas de Segurança, onde dois agentes conversavam sobre o novo reality show do canal 4.

- Porra! A merda do carro! Vai ficar caro pra caralho! E o puto velho nem pode me dar o maldito seguro!

Disse um dos agentes das FPS.

- Foda-se, pega o cara logo, vamos ser repreendidos.

Disse o outro.

Pegaram o cadáver e colocaram no banco de trás, ligaram a Sirene Especial para que os carros dessem espaço e foram lentamente e com dificuldade para um terreno baldio onde um amontoado de lixo estava acumulado. Quando jogaram o corpo lá, ele já estava começando a cheirar mal.

Se você chegasse perto da pilha de lixo, você veria, assim como Maricott Taylor, executivo que sobrevoava com seu mini-helicóptero aquele exato lugar naquele exato momento viu, mãos, pés, orelhas, narizes. Uma imensa pilha de corpos semi-deteriorados se formava naquele terreno baldio e aumentava a cada dia. E Maricott sabia que cemitérios eram caros, ele e todos os outros sabiam disso, não condenavam o ato. E, enquanto observava a pilha de corpos, Taylor recebeu um telefonema. Avisaram que um funcionário fora demitido e substituído e ofereceram uma oferta arrebatadora de expansão de negócios.
Maricott Taylor sorriu e cuspiu o chiclete de tutti-frutti que mascava, enrolando-o em plástico. "Pode apostar", confirmou ele, entusiasmado, enquanto jogava o papel por um compartimento para o lado de fora.

O papel com chiclete usado voou do helicóptero e caiu na boca escancarada do falecido Juan González, que Deus o tenha.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Discutir Cultura?!

                                                   - Que quadro feio!!
                                                                    - Você acha? Eu gostei.


Certo dia um amigo meu me disse "Cultura não se discute". Ele não foi a primeira e nem a última pessoa que me disse isso...  afinal, caiu na mente do povo que "cultura" não se discute. Antes de eu apresentar uma antítese para esta teste, vamos entender o que é "cultura".

Pelo que eu aprendi nas aulas de filosofia, "cultura" é tudo aquilo que é produzido pelo homem de forma que modifique o ambiente a sua vontade. Então, temos cultura nos livros, nas arquiteturas, nos quadros, nos rituais, nas religiões, nas roupas, na linguagem. Praticamente tudo o que fazemos ou desejamos é um produto de nosso "nicho cultural", algumas excessões são nossas necessidades fisiológicas, beber, comer... e até mesmo nisso está inserido um grande peso cultural: o que comemos, o que bebemos e a posição com que fazemos sexo é tudo cultural. Cultura é tudo o que o ser humano se envolve. Não discutir a cultura é não discutir nada.

"Existem várias culturas", ele disse "e você não pode achar que a sua é melhor que a outra". Pois eu vejo a coisa de uma forma diferente. Existem várias culturas, sim, mas sou a favor da antropofagia cultural, a mistura de culturas, pegando o melhor de cada uma. Veja, do meu ponto de vista não existem diversas culturas, apenas uma, fragmentada. Do meu ponto de vista, não existe a cultura indiana-hindu, ou a cultura judaica, existe sim a cultura humana, com suas vertentes. Seja qual for a religião, a nacionalidade ou a etnia, ainda se trata de seres humanos. Seres humanos como eu e provavelmente como você também, possível leitor.
Antes de seres culturais somos seres humanos e todo o resto é consequencia disto. Como seres humanos devemos respeitar, antes de mais nada, nossa humanidade, e só depois nossa cultura. Se existe uma cultura que prega o maltrato ao ser humano, à vida, é nosso dever como ser humano e como ser vivo criticá-la. Discutí-la. Desenvolvê-la. Incorporá-la à "nossa" própria cultura, quem sabe e também incorporar "nossa" cultura a ela, cada uma doando o que tem de melhor para estabelecer uma cultura mais desenvolvida, mais humana.
Assim funcionam as ideias, são discutidas, debatidas e evoluídas. Não é algo de colocar seu ponto de vista a cima de outros, é totalmente diferente, é colocar o meu e o seu pontos de vista à prova, para assim construirmos um consenso melhor. Vivemos numa era de globalização e negar a conexão entre as pessoas hoje é como dizer que a Terra é plana. Pra um brasileiro falar com um japonês e trocar informações, todas elas partes da cultura de cada um é um clique. Vemos tantos exemplos de mistura cultural... como podem dizer que cultura não se discute?
Cultura foi feita pra se discutir, se discutiu cutura quando Copérnico e Galileu, cada um em seu tempo, questionaram o geocentrismo e apontaram o heliocentrismo, questionaram cultura quando Martinho Lutero questionou a igreja católica. Discutimos cultura todos os dias, seja lendo uma revista, seja vendo o jornal. Diabo, quando ficamos putos com os garotos que bateram no menino gay na Paulista, discutimos cultura. Quando falamos mal ou bem de uma banda, discutimos cultura.

Não querer discutir religião, política ou qualquer outra manifestação cultural é uma forma de fuga, é a demonstração de insegurança e incerteza que se tem com a própria cultura. Defender seu ponto de vista e discutí-lo com outros não é nada senão louvável. Forçar ele é outra história.

O problema não é a cultura ser discutida. O problema é justamente o contrário, é quando não discutimos, quando forçamos "nossa" cultura goela abaixo. Mas para abrir mão de ideias que foram enraizadas em nossas mentes desde que nascemos, é preciso ter uma cabeça extremamente aberta... coisa que muita gente não tem hoje em dia.

Mas é uma questão de tempo.




* O quadro se chama "Mujer a Llorar", de Pablo Picasso e sua beleza é uma questão de entender sua perspectiva.