sábado, 26 de fevereiro de 2011

Obsessão

Levantava-se com Ela, em total sincronia.

Sabia, tinha certeza, eram feitos um para o outro, almas gêmeas, mentes em equilíbrio. E tinha certeza de que Ela sentia o mesmo... Tinha que sentir! Sim, claro que sentia, só não percebera ainda. Por isso ele estava ali. Ah, ele, aquele monstro, encarnação do mal, tão estúpido, tão feio, tão enormemente horroroso... mesmo assim, era ele quem se sentava com Ela. ele A beijava e ele dormia com Ela. ele A fazia rir, mas tinha certeza que eram risadas de medo, nervosas, desesperadas para fugir dele, de sua teia de tentações, de seus feitiços horríveis.


Andava pensando durante vários dias em intervir em seu feitiço, de libertá-La, para que Ela pudesse ser feliz, livre para amá-lo. Observou-os saindo do restaurante e entrando no carro, um caríssimo esportivo importado, sim, o dinheiro fazia parte de sua farsa, de seu esquema terrível. Era, de fato, e isso sabia reconhecer, um ser notoriamente engenhoso, sabia como capturar uma mulher. Até mesmo Aquela mulher. Entrou no seu próprio carro, um Chevette 89 pardo e os seguiu. Não precisava realmente segui-los, sabia para onde iriam. Seu plano era abordá-La e despertá-La antes que fosse tarde demais. Levou o resto da viajem de quinze minutos se preparando para o momento em que a libertaria. Como faria? Para onde a levaria? E se o sujeito revidasse? Bom, esta é fácil, lutaria de volta, pelo bem Dela.

Estacionaram o carro, ele saiu e acendeu um cigarro, que imediatamente levou a boca. Não podia esperar nada diferente, sujo, nojento, podre. Viciante e maléfico como a nicotina que ingeria. Estacionou o carro velho e surrado na calçada oposta. Esperou o momento certo. Ela saiu do carro e se dirigiu até ele, tomou o cigarro de sua boca e deu uma tragada. Aquilo era demais! ele A corrompera! ele A influenciara! ele A sujara!

JÁ CHEGA!

Saiu do carro, fechou a porta sem se incomodar em trancá-la e atravessou decidido a rua deserta. Cada respiração, cada pulsar, cada passo em direção ao casal era definitivo, era mais um ponto de exclamação em sua revolta!

O MOMENTO DA LIBERTAÇÃO! A SALVARIA AGORA! SIM! SENTIA EM SUAS MÃOS CERRADAS DE RAIVA, EM SEUS OLHOS CASTANHOS DECIDIDOS, EM SEU CORAÇÃO ACELERADO, EM SUA LÍNGUA SALIVANTE, EM SUAS TÊMPORAS LATEJANTES. SIM! SIM! PODIA SENTIR! A LIBERTARIA AGORA! ESTAVA PRÓXIMO!

ESTAVA PRÓXIMO!

Ela riu para ele. Ela riu e o beijou.

Toda a determinação, toda a coragem, toda a paixão... se desvaneceu.

- Com licença... – disse ele, enquanto passava em tímidos passos pelo casal apaixonado, sem se arriscar a olhar, e seguia pela rua deserta.

Às suas costas, Ela ainda o beijava, à sua frente, a escuridão de um poste com defeito o abraçava.