terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Jornada por São Paulo ou O que é "ser" humano? Parte 1 - Oswald

"Tenho estado em certo conflito com minhas escolhas, esperanças, modo de ver o mundo. Hoje é meu segundo dia em São Paulo e acho que finalmente encontrei uma síntese para meus problemas."

Escrevi isso no celular, dois ou três dias atrás, quando ainda estava em São Paulo. Foi uma viagem que me permitiu ver mais formas no horizonte. Consegui, acho, finalmente compreender a complexidade do ser humano, não como indivíduo apenas, mas como sociedade cultural, biológica e intelectual. Percebo que muitas das minhas convicções estavam erradas e também muito do que eu dizia acreditar eu não entendia. Percebo que muitas criticas que me fizeram também estavam erradas, apesar de acertarem no que eu não via. Comecemos com o "antes", e então vamos partir para o "durante". O "depois" ainda há de acontecer.

ANTES

Estava em estado extremamente confuso, uma tempestade de ideias e afirmações agitava minha mente, negando e aceitando tudo ao mesmo tempo. O ser humano é bom, fará o bem se o der uma chance, não tenho dúvidas disso. O ser humano é mal, na primeira oportunidade te passará para trás, não tem jeito. Nesse período de confusão mental, me envolvi sem saber no que só pode ser classificado como uma babaquice. Depois de perder a confiança de um amigo que eu nunca confiei, comecei a questionar meu caráter e a sentir o peso de uma alta carga moral que eu impunha a todos e, agora, a mim também. Pensar que eu, logo eu, com um julgamento moral tão rígido pudesse trair a confiança de um amigo me assustou. Me assustou causar dor e pesar em alguém, mesmo que tenha sido por uma babaquice... Fui falar com um outro amigo que certa vez me disse que a vida iria me ensinar a lidar com as pessoas. Que na primeira oportunidade, as pessoas falariam mal, criticariam e trapaceariam... eu achava que ele tinha uma jeito estranho de ver a vida... "Você não depende dele", disse ele sobre meu amigo "se afasta, esquece". Eu achei esquisito, a forma demasiada objetiva que ele tinha de ver as relações... sempre desconfiando, sempre esperando o pior dos outros, sempre se guardando para si mesmo... talvez seja eu quem tenha interpretado errado suas palavras... mas foi essa a imagem que ele me passou. Isso batia de frente, e com contundência, com o que eu acreditava. Por mais que pudesse ter um discurso desconfiado, acreditava piamente na bondade das pessoas, acreditava que se as pessoas tivessem a possibilidade de ajudar outra, ajudariam, acreditava na empatia (ainda acredito, na verdade) como maior arma de humanidade. No entanto, estava confuso, as palavras de meu amigo, somadas a minha auto-crítica fizeram efeito em mim... me colocaram em um estado de profunda tristeza; de que adiantava viver num mundo de pessoas más... como poderia eu ajudar um mundo que cospe na cara de quem estende-lhe a mão? Minha megalomania se expressava na forma de depressão por me sentir incapaz, impotente de fazer alguma coisa para mudar a realidade. A realidade seria a realidade, independente de qualquer pessoa, porque as pessoas são assim, egoístas, egocêntricas, orgulhosas... e perceber que eu me enquadrava nessa realidade, que eu também era mal e egoísta, que eu causei dor a alguém, que eu não era digno de confiança, foi um golpe... um golpe duro.

Era hora de eu me arrumar para ir para a rodoviária, onde pegaria o ônibus para São Paulo... seria uma viagem longa.

E foi... quase sete horas de viagem sem conseguir dormir... li a maior parte do tempo, mas as imagens e as preocupações me assombravam a todo o tempo.

DURANTE

São Paulo. Como definir São Paulo? São Paulo é uma cidade. Grande. Muito grande. Nós, aldeões de Niterói, achamos que o Rio é grande. O Rio é um grão de areia comparado à praia de São Paulo. Minha primeira experiência foi o metrô lotado, sem espaço para mexer um dedo. Ok, eu já passei por essa experiência no Rio também, mas lá é diferente... é difícil explicar. Não demorou muito tempo para eu me diluir no meio da cidade e de seus habitantes. Ser mais um andar na saraivada de passos nas estações de metrô. Ser mais uma das camisas listradas e calças jeans na calçada da Paulista. Ser mais um entre os que observavam, atentos, às inúmeras exposições dentro e fora dos museus. Ser mais um a comer um sanduíche de mortadela no Mercadão, lotado. Logo, a tempestade havia se acalmado e minha mente se concentrava em absorver o máximo de informação possível daquela incrível cidade. A primeira coisa que eu notei foram os contrastes de São Paulo. São tantas cores, etnias e estilos diferentes... prédios moderníssimos ao lado de construções de 200 anos, condomínios de luxo vizinhos de barracos e favelas. No Rio, o contraste social também está presente, mas é disfarçado pelo bom-mocismo da cidade. Além do que, no Rio, nós conseguimos separar a pobreza da riqueza, não só por região, mas por ambiente. As favelas ficam no alto, os ricos no litoral. Em São Paulo, eu vi paletós e gravatas ao lado de mendigos e a pobreza e a riqueza convivendo lado a lado. Não é uma cidade hipócrita como a cidade maravilhosa... não esconde sua clara divisão social, pelo contrário, a deixa no meio da Paulista, sendo vigiada por grupos enormes de policiais (como tem policia em São Paulo! em toda esquina tem um grupo de PMs), mostra a cara do fascismo e da desigualdade sem vergonha. Se isso é bom ou ruim, não serei eu quem julgará. Cada bairro de São Paulo era uma cidade, cada cidade tinha seu povo e seu encanto, mas em todos via-se claramente o incentivo a cultura (esse que falta no Brasil inteiro), seja com pianos no metrô ou máquinas (como aquelas de refrigerante) que vendiam livros a cinco reais. Cultura, aliás, é uma das virtudes de lá. No primeiro dia, fomos no Museu da Língua Portuguesa, onde vimos, com muito gosto, a formação da nossa língua brasileira e suas origens. Também lá, havia uma exposição sobre Oswald de Andrade, o gênio por trás da Antropofagia cultural. Lá eu encontrei isto:



que é um fragmento do Manifesto Antropófago. Esse manifesto resume São Paulo. O englobar, fagocitar, devorar, integrar uma cultura, seja lá qual "ar" você escolher. A mistura de inúmeras culturas e a formação de uma maior, mais completa, é isso. E é lindo. Foi aí, lendo isso, morrendo de fome e de cansaço, que eu comecei a minha jornada rumo à compreensão de mim mesmo e do que é, de fato, ser humano.  


Ia escrever tudo num texto só, mas parece que ficará muito grande. Para facilitar ao leitor e a mim mesmo, vou quebrá-lo em partes.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Prelúdio

Pois o início da vida é no momento em que somos obrigados a confrontar nossos piores medos. Tudo antes disso é o Prelúdio



Geraldo entrou no restaurante desgostoso, odiava aquele lugar; estava velho e não suportava cozinhar... sua querida esposa já havia partido e seus filhos, ingratos, mas muito bem amados, foram trabalhar no exterior e mal lembravam-se dele. Vivia agora às custas da pensão dada pelo governo, era até que generosa, contava com um vale-refeição e só aquele determinado restaurante em quatro quarteirões o aceitava. Começou a se servir, odiava self-services, mas não podia fazer nada... aquela comida insossa e desagradável do restaurante não chegava nem aos pés da comida de sua falecida esposa... mas não podia fazer nada...

Sentou-se, sozinho, na mesa de costume. À sua frente, um homem almoçava com quem deveria ser seu filho e talvez a namorada dele. Os jovens, que estavam de frente para Geraldo, riam delicada, mas deliciosamente, já o velho era moreno e magro, o curto cabelo branco mal escondia uma estranha e longa cicatriz no crânio. Geraldo percebeu a barba mal feita escondida atrás de suas mãos. Mastigava sorrindo e com os cotovelos apoiados na mesa, as mãos juntas no queixo. Havia algo naquele homem que Geraldo... deveria ser apenas as alucinações de um velho solitário. Pôs o purê de batata sem sal nenhum na boca. Fez cara de desgosto, como odiava ter que comer naquele lugar... não entendia como aquelas pessoas poderiam estar sorrindo comendo uma comida dessas.

"Eu tô muito feliz com isso, de verdade, filho" - falou o homem baixo, mas foi o suficiente para Geraldo ouvir. De repente parou de tentar engolir o purê. De repente parou de tentar enxergar. De repente parou de tentar respirar. Reconheceria aquela voz nos confins do inferno, reconheceria aquela voz em qualquer lugar, a qualquer momento, não importava quanto tempo havia se passado...

"Que bom, pai. Eu e Rosane queríamos muito a sua aprovação nis..." - o rapaz se interrompeu. Geraldo percebera que ele o olhava. Tinha que sair de lá. Não conseguia se mexer. O rapaz se inclinou para frente "Você está bem, senhor?" - perguntou a Geraldo, o rosto preocupado.

O pai se virou para trás... era talvez tão velho quanto Geraldo. Seu rosto moreno abrigava mais cicatrizes, uma na orelha, onde faltava um pedaço, uma no nariz, torto, quebrado e nunca consertado, uma na boca, canto esquerdo, cobrindo ambos os lábios. Seus olhos castanhos foram de uma expressão de preocupação e curiosidade para a perplexidade total. Arregalaram-se até as pálpebras não serem mais reconhecíveis. Sua respiração acelerou, acelerou mais, mais... se tornando trêmula, a medida que acelerava. Inspirava e expirava profundamente, mas com dificuldade.

O filho, percebendo o estado do pai, colocou a mão em seu ombro "Pai, você tá bem? Você conhece ele?"

O pai saiu do transe, tentou falar, gaguejou algumas palavras incompreensíveis e começou a chorar, as palmas das mãos viradas para cima abrigavam as lágrimas sucessivas. Chorava com barulho e uma imensa dor, ainda respirava com dificuldade, mas rápida e profundamente. Percebeu que o homem que comia purê de batatas também chorava, o purê escorrendo por entre seus dentes entreabertos, as lágrimas diluindo o prato. Ambos faziam ruídos, engasgavam-se. O casal não sabia o que fazer, o filho ofereceu um lenço ao pai, que recusou.

Quando o pai conseguiu se acalmar, continuou olhando as lágrimas que formavam pequenos canais nos sulcos em suas mãos, deixou-as cair no chão e se levantou. O filho tentou dar apoio a ele, mas foi rejeitado. Cambaleou até onde Geraldo estava sentado, respirando fundo e tossindo.

"Olha pra mim" - pediu, baixo, trêmulo, mas firme, com autoridade.

Geraldo ainda chorava no prato.

"Olha pra mim" - repetiu ele, dessa vez mais firme.

Desta vez Geraldo alcançou um guardanapo, limpou a boca suja de purê e se virou, lentamente. Não ousou olhar nos olhos do velho que o encarava.

"Tá vendo isso?" - perguntou o velho, com a mesma autoridade, apontando para a cicatriz na boca. Geraldo olhou para onde ele apontava e fez que sim com a cabeça. Ainda chorava. "E isso?" - o homem apontou para  a orelha que faltava um pedaço "E isso" - o homem apontou para o nariz quebrado "E isso" - o homem recomeçou a chorar, indicou o topo da cabeça até atrás, por onde a cicatriz passava, com o polegar "E isso" - levantou, trêmulo, a camisa, mostrou suas costas marcadas por cicatrizes e rugas. "Isso tudo. Isso tudo" - homem adquiriu uma expressão de ódio, desprezo "Você que fez".

Geraldo olhava tudo com dor, como se fosse ele a sofrer com os machucados. Ainda chorava, as rugas de seu rosto carregando as lágrimas por um caminho bem delineado.

O velho chegou o rosto mais perto do de Geraldo e olhou profundamente nos olhos dele, de uma forma que não teria como Geraldo desviar o olhar.

"Você me torturou!" - disse ele baixo, com ódio, dor e, de alguma forma, alívio.

"Eu sei..." respondeu Geraldo, ainda mais baixo. "Eu sei..." - repetiu.

O homem balançou a cabeça afirmativamente, o lábio inferior contendo o superior e as narinas abertas e chegou para trás. "Paga pra mim filho? Eu vou esperar lá fora" O filho fez que sim com a cabeça, estava abraçado com a namorada e olhava para Geraldo com espanto. Geraldo, por sua vez, não ligou. Parara de chorar, agora olhava pelo vão entre suas pernas e a mesa, soluçando e rangendo os dentes, a mão apoiando a cabeça.

O filho do homem pagou apressado a conta e foi embora, encontrar o pai do lado de fora. Geraldo continuou na mesma posição, até o garçom perguntar se estava tudo bem.

"Não sei..." respondeu Geraldo, talvez estivesse...

"O senhor quer que eu lhe traga alguma coisa?" - perguntou o garçom, tentando agradar o freguês.

"A conta" - Geraldo pagou a comida não consumida e foi achar outro restaurante, odiava aquele lugar.

sábado, 21 de janeiro de 2012

um conto sobre nada em particular, sem nenhum objetivo que não chega a lugar nenhum... é o anti-viagra, pode-se dizer...

no relógio: 14:35.
no túnel: o trem do metrô vinha.
foi com aquela familiar sensação, medo talvez, receio, não sabia definir, de que seria deixado para trás, que o trem, depois de seguir a pela estação por quase toda a sua extensão, parou.
abriram-se as portas.
pessoas literalmente pulando pela porta, se empurrando e se esmagando, correndo para pegar um lugar vago.
eu esperei. não precisava sentar, achava um tanto de graça naquele jogo de desespero, como cães famintos atrás de um pedaço de pão que alguma alma bondosa (ou sádica, dependendo da sua orientação filosófica) jogou no chão. dei um leve sorriso e entrei.
no vagão: todos as cadeiras estavam ocupadas. vi um homem de seus, sei lá, trinta, quarenta anos, ocupando o assento reservado aos deficientes e idosos. parecia decidido a não sair de lá de jeito nenhum. me agarrei numa das barras de aço esperando o solavanco.
o trem começou a andar: olho para frente. uma senhora se encontra sentada na cadeira a minha frente, o rosto abatido, cabisbaixo, parecia ter chorado. olhava para o chão ou para as mãos mal cuidadas. os cabelo grisalhos desgrenhados eram curtos para os de uma mulher, e emolduravam aquele quadro de tristeza (de alguma forma envolvida em doçura) que era tão... bonito? observei-a durante um tempo, meu coração se enchendo de vontade de confortá-la. impossível, eu sabia, mas vontade era vontade.
senhores passageiros, chegamos na estação do Catete.
ninguém desceu, muitos subiram. o vagão começou a ficar mais cheio, mais apertado. aquele cheiro acre de suor, que só quem já andou em transporte público conhece, ficou mais evidente. uma mulher se prostou do meu lado. bonita, belos peitos.
solavanco: o trem começou a andar de novo.
um rapaz, de o quê? uns 28 anos, talvez? me olhava fixamente, os olhos arregalados. arqueei a sobrancelha. talvez estivesse olhando a mulher do meu lado. ignorei. olhei ao redor. no canto do vagão, umas 20 pessoas olhavam para frente, para literalmente o nada, os olhos vidrados e muito atentos e vazios e muito distraídos da mesma forma. parecia a crackolândia, sem o porte da droga, claro. que eu tivesse visto pelo menos.
a senhora continuava na mesma posição. um suspiro, uma saliva sendo engolida e mais nada.
chegamos na próxima estação... pouca gente saiu, pouca gente entrou.
solavanco novamente.
a mulher do meu lado olha para mim. eu arqueio a sobrancelha, deve estar olhando para alguém do meu lado.  ela olha para o outro lado, eu observo o chão. dá para entender a atração que os olhares têm pelo chão ou pela parede. o descompromisso de não se olhar ninguém no rosto é uma sensação realmente libertadora, é reconfortante se livrar da pressão social que um simples olhar traz. mesmo e talvez principalmente se for para um estranho.
outra estação e a senhora piscou três vezes, agora quatro vezes. não se mexeu mais q isso. suas rugas desenhavam seu rosto da forma que os aros de um tronco desenham uma árvore. profundos contornos que esculpiam sua pele seca e mal cuidada. me perguntei se as lágrimas não a hidratariam. ela não pareceu notar ou então não se importava que eu a observasse. o que teria acontecido? solavanco. seria uma filha que fugiu de casa? uma vida desperdiçada em um casamento que não deveria ter acontecido? ou talvez o simples gosto amargo de se estar no fim da vida e saber disso?
o homem não me encarava mais... ou à moça, tanto faz. ninguém se mexeu muito... os olhares ainda estavam vidrados e vazios e tudo o mais... era como um elevador mais demorada e horizontal. a sensação de se estar confinado num espaço pequeno com um punhado de pessoas suadas realmente não é das mais convidativas, mas o que se pode fazer...
a mulher saiu na próxima estação, assim como uma parte dos passageiros. solavanco. a senhora estava lá ainda. minha estação era a próxima e eu não saberia o que fazer. pergunto sua história? a consolo? mais rápido do que eu pude concluir meu dilema, o trem para na minha estação... eu salto para a plataforma, deixando para trás a senhora, ainda na mesma posição.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Revoltante, revoltante

Meu amigo, como você é pretensioso... realmente acha que consegue fazer a vida dela melhor? Realmente acha que é melhor do que quem ela escolheu? E que vai fazê-la feliz? Quanta pretensão... Quanto orgulho... me impressiona que alguém tão nojento e degradante como você consiga ter uma auto-estima assim tão elevada. Vai pro buraco que te pertence e deixe a superfície para as pessoas bonitas que a merecem.