Escrevi isso no celular, dois ou três dias atrás, quando ainda estava em São Paulo. Foi uma viagem que me permitiu ver mais formas no horizonte. Consegui, acho, finalmente compreender a complexidade do ser humano, não como indivíduo apenas, mas como sociedade cultural, biológica e intelectual. Percebo que muitas das minhas convicções estavam erradas e também muito do que eu dizia acreditar eu não entendia. Percebo que muitas criticas que me fizeram também estavam erradas, apesar de acertarem no que eu não via. Comecemos com o "antes", e então vamos partir para o "durante". O "depois" ainda há de acontecer.
ANTES
Estava em estado extremamente confuso, uma tempestade de ideias e afirmações agitava minha mente, negando e aceitando tudo ao mesmo tempo. O ser humano é bom, fará o bem se o der uma chance, não tenho dúvidas disso. O ser humano é mal, na primeira oportunidade te passará para trás, não tem jeito. Nesse período de confusão mental, me envolvi sem saber no que só pode ser classificado como uma babaquice. Depois de perder a confiança de um amigo que eu nunca confiei, comecei a questionar meu caráter e a sentir o peso de uma alta carga moral que eu impunha a todos e, agora, a mim também. Pensar que eu, logo eu, com um julgamento moral tão rígido pudesse trair a confiança de um amigo me assustou. Me assustou causar dor e pesar em alguém, mesmo que tenha sido por uma babaquice... Fui falar com um outro amigo que certa vez me disse que a vida iria me ensinar a lidar com as pessoas. Que na primeira oportunidade, as pessoas falariam mal, criticariam e trapaceariam... eu achava que ele tinha uma jeito estranho de ver a vida... "Você não depende dele", disse ele sobre meu amigo "se afasta, esquece". Eu achei esquisito, a forma demasiada objetiva que ele tinha de ver as relações... sempre desconfiando, sempre esperando o pior dos outros, sempre se guardando para si mesmo... talvez seja eu quem tenha interpretado errado suas palavras... mas foi essa a imagem que ele me passou. Isso batia de frente, e com contundência, com o que eu acreditava. Por mais que pudesse ter um discurso desconfiado, acreditava piamente na bondade das pessoas, acreditava que se as pessoas tivessem a possibilidade de ajudar outra, ajudariam, acreditava na empatia (ainda acredito, na verdade) como maior arma de humanidade. No entanto, estava confuso, as palavras de meu amigo, somadas a minha auto-crítica fizeram efeito em mim... me colocaram em um estado de profunda tristeza; de que adiantava viver num mundo de pessoas más... como poderia eu ajudar um mundo que cospe na cara de quem estende-lhe a mão? Minha megalomania se expressava na forma de depressão por me sentir incapaz, impotente de fazer alguma coisa para mudar a realidade. A realidade seria a realidade, independente de qualquer pessoa, porque as pessoas são assim, egoístas, egocêntricas, orgulhosas... e perceber que eu me enquadrava nessa realidade, que eu também era mal e egoísta, que eu causei dor a alguém, que eu não era digno de confiança, foi um golpe... um golpe duro.
Era hora de eu me arrumar para ir para a rodoviária, onde pegaria o ônibus para São Paulo... seria uma viagem longa.
Era hora de eu me arrumar para ir para a rodoviária, onde pegaria o ônibus para São Paulo... seria uma viagem longa.
E foi... quase sete horas de viagem sem conseguir dormir... li a maior parte do tempo, mas as imagens e as preocupações me assombravam a todo o tempo.
DURANTE
São Paulo. Como definir São Paulo? São Paulo é uma cidade. Grande. Muito grande. Nós, aldeões de Niterói, achamos que o Rio é grande. O Rio é um grão de areia comparado à praia de São Paulo. Minha primeira experiência foi o metrô lotado, sem espaço para mexer um dedo. Ok, eu já passei por essa experiência no Rio também, mas lá é diferente... é difícil explicar. Não demorou muito tempo para eu me diluir no meio da cidade e de seus habitantes. Ser mais um andar na saraivada de passos nas estações de metrô. Ser mais uma das camisas listradas e calças jeans na calçada da Paulista. Ser mais um entre os que observavam, atentos, às inúmeras exposições dentro e fora dos museus. Ser mais um a comer um sanduíche de mortadela no Mercadão, lotado. Logo, a tempestade havia se acalmado e minha mente se concentrava em absorver o máximo de informação possível daquela incrível cidade. A primeira coisa que eu notei foram os contrastes de São Paulo. São tantas cores, etnias e estilos diferentes... prédios moderníssimos ao lado de construções de 200 anos, condomínios de luxo vizinhos de barracos e favelas. No Rio, o contraste social também está presente, mas é disfarçado pelo bom-mocismo da cidade. Além do que, no Rio, nós conseguimos separar a pobreza da riqueza, não só por região, mas por ambiente. As favelas ficam no alto, os ricos no litoral. Em São Paulo, eu vi paletós e gravatas ao lado de mendigos e a pobreza e a riqueza convivendo lado a lado. Não é uma cidade hipócrita como a cidade maravilhosa... não esconde sua clara divisão social, pelo contrário, a deixa no meio da Paulista, sendo vigiada por grupos enormes de policiais (como tem policia em São Paulo! em toda esquina tem um grupo de PMs), mostra a cara do fascismo e da desigualdade sem vergonha. Se isso é bom ou ruim, não serei eu quem julgará. Cada bairro de São Paulo era uma cidade, cada cidade tinha seu povo e seu encanto, mas em todos via-se claramente o incentivo a cultura (esse que falta no Brasil inteiro), seja com pianos no metrô ou máquinas (como aquelas de refrigerante) que vendiam livros a cinco reais. Cultura, aliás, é uma das virtudes de lá. No primeiro dia, fomos no Museu da Língua Portuguesa, onde vimos, com muito gosto, a formação da nossa língua brasileira e suas origens. Também lá, havia uma exposição sobre Oswald de Andrade, o gênio por trás da Antropofagia cultural. Lá eu encontrei isto:
São Paulo. Como definir São Paulo? São Paulo é uma cidade. Grande. Muito grande. Nós, aldeões de Niterói, achamos que o Rio é grande. O Rio é um grão de areia comparado à praia de São Paulo. Minha primeira experiência foi o metrô lotado, sem espaço para mexer um dedo. Ok, eu já passei por essa experiência no Rio também, mas lá é diferente... é difícil explicar. Não demorou muito tempo para eu me diluir no meio da cidade e de seus habitantes. Ser mais um andar na saraivada de passos nas estações de metrô. Ser mais uma das camisas listradas e calças jeans na calçada da Paulista. Ser mais um entre os que observavam, atentos, às inúmeras exposições dentro e fora dos museus. Ser mais um a comer um sanduíche de mortadela no Mercadão, lotado. Logo, a tempestade havia se acalmado e minha mente se concentrava em absorver o máximo de informação possível daquela incrível cidade. A primeira coisa que eu notei foram os contrastes de São Paulo. São tantas cores, etnias e estilos diferentes... prédios moderníssimos ao lado de construções de 200 anos, condomínios de luxo vizinhos de barracos e favelas. No Rio, o contraste social também está presente, mas é disfarçado pelo bom-mocismo da cidade. Além do que, no Rio, nós conseguimos separar a pobreza da riqueza, não só por região, mas por ambiente. As favelas ficam no alto, os ricos no litoral. Em São Paulo, eu vi paletós e gravatas ao lado de mendigos e a pobreza e a riqueza convivendo lado a lado. Não é uma cidade hipócrita como a cidade maravilhosa... não esconde sua clara divisão social, pelo contrário, a deixa no meio da Paulista, sendo vigiada por grupos enormes de policiais (como tem policia em São Paulo! em toda esquina tem um grupo de PMs), mostra a cara do fascismo e da desigualdade sem vergonha. Se isso é bom ou ruim, não serei eu quem julgará. Cada bairro de São Paulo era uma cidade, cada cidade tinha seu povo e seu encanto, mas em todos via-se claramente o incentivo a cultura (esse que falta no Brasil inteiro), seja com pianos no metrô ou máquinas (como aquelas de refrigerante) que vendiam livros a cinco reais. Cultura, aliás, é uma das virtudes de lá. No primeiro dia, fomos no Museu da Língua Portuguesa, onde vimos, com muito gosto, a formação da nossa língua brasileira e suas origens. Também lá, havia uma exposição sobre Oswald de Andrade, o gênio por trás da Antropofagia cultural. Lá eu encontrei isto:
que é um fragmento do Manifesto Antropófago. Esse manifesto resume São Paulo. O englobar, fagocitar, devorar, integrar uma cultura, seja lá qual "ar" você escolher. A mistura de inúmeras culturas e a formação de uma maior, mais completa, é isso. E é lindo. Foi aí, lendo isso, morrendo de fome e de cansaço, que eu comecei a minha jornada rumo à compreensão de mim mesmo e do que é, de fato, ser humano.
Ia escrever tudo num texto só, mas parece que ficará muito grande. Para facilitar ao leitor e a mim mesmo, vou quebrá-lo em partes.