domingo, 29 de agosto de 2010

Sim, são só 3 paragrafos.

Antes de mais nada, isso não foi feito para ser uma ofensa, não foi feito para ser uma crítica, se você se sentir ofendido ao ler isso, sinto muito mesmo - é sério - não foi minha intenção. Foi só uma idéia arbitrária que me veio do nada. Repito, do NADA. Não quero atingir NINGUÉM com isso, não importa a crença, a escolha sexual, a etnia, a classe social! É só um maldito conto que achei nos meus rascunhos e decidi terminar. Se mesmo assim, você deseja ler, boa leitura. Críticas serão muito mais que bem vindas, a menos que sejam críticas ideológicas, aí fica difícil, já que você não conhece o personagem, mas eu sim.


Josué sabia que havia algo de errado com ele, com o que ele queria, com quem ele era. E negou, negou por anos e anos e continuaria negando enquanto pudesse. Mas este tempo estava se esgotando. Josué passou a ir cada vez mais a igreja, chegando a, em algumas semanas, ir duas, três vezes por dia. Talvez o Senhor pudesse ajudá-lo, poderia expulsar aqueles demônios que tanto o incomodavam, o tentavam para o pecado. Certo dia, na igreja, Josué viu um rapaz, mais ou menos da mesma idade que ele, uns 20 e tantos anos. Josué reparou nos cabelos louros e cacheados do rapaz, no seu nariz fino e bem delineado, nos seus lábios grossos que se mexiam com graciosidade enquanto pronunciava as palavras do Senhor. Josué reparou em como os músculos do rapaz apareciam em sua roupa de malha fina, e em como seu sapato era bem polido. Josué conseguiu até mesmo ouvir a doce melodia de sua voz em meio à oração conjunta e ao pastor de microfone. Não! Não podia! era contra a Lei do Senhor! Josué sabia disso, sabia. Sabia que aquilo que chamavam de homossexualidade era uma doença perversa, capaz de provocar a fúria de Deus Todo Poderoso. Josué sabia que cidades foram dizimadas devido à essa... essa... praga. Sim, essa praga pagã e pacaminosa. Josué sabia disso tudo, Josué sabia sim, tinha certeza, mas por mais que insistisse em olhar para a Bíblia, para a salvação, para o pastor urrando palavras de Deus pelo microfone, com o terno já amassado, Josué não conseguia deixar de olhar para o rapaz. Olhava de relance, tirava o olhar, se punia mentalmente por isso, e olhava de novo. Ah, sim. Josué sabia que isso o levaria para o Inferno, sabia não, tinha certeza! As tentações do Demônio são poderosas, Josué sabia, e tinha que resistir a elas. Olhou mais uma vez. O rapaz olhou de volta dessa vez, e sorriu. Josué corou. Já não pensava mais no Senhor, pensava nos olhos azuis lindos do rapaz, pensava qual seria seu nome, pensava nele sem roupa. Josué caiu em si. Estava escorregando... escorregando para a tentação do diabo. Precisava sair de lá. Precisava correr antes que fosse tarde. Josué se levantou apressado e saiu mancando da igreja, sendo seguido por olhares de descontentamento e reprovação (além de alguns risinhos -"olha o cara manco"). Sair no meio do Culto do Senhor? Absurdo. Josué sabia, mas agora era uma questão de salvação ou não. Josué sentiu o ar quente e abafado de um verão brasileiro, mas fresco, em comparação ao ar quente e abafado de uma igreja fechada entupida de pessoas no verão brasileiro e sentiu que podia respirar melhor.

No dia 17 de Maio de 1987 nascia Josué Alpendre dos Santos, filho de Maria Helenita Alpendre e José Alfonso Tenores dos Santos. Criado com uma educação religiosa constante, Josué se acostumou a ir para a igreja todo domingo e a aprender os costumes do Senhor. Vinha de família humilde, mas não pobre. Tinham uma casinha nos arredores da cidade, perto do mar aberto, casa esta que foi herdada por Josué quando seus pais viraram missionários da Igreja Mundial do Reino de Jesus. Aos 5 anos, Josué perguntou: Se vocês são Maria e José, porque eu não posso me chamar Jesus? E levou um sério olhar de reprovação. Seria falta de respeito, explicou mamãe, colocar o nome do salvador em algum de nós. Josué entendeu. Aos 7, quando questionou porque Deus não ajudara ele quando caiu de bicicleta e quebrou a perna, papai falou: Deus te ajudou, filho, te proporcionando um médico que consertou sua perna. Josué entendeu. Aos 8 anos e meio, Josué não ligava que o osso tenha calcificado errado, sabia que Deus Todo Poderoso sabe o que faz e não o questionou. Aos 16, quando estudou sobre as Grandes Guerras, Josué nem sequer pensou sobre o que Deus estava fazendo, ele sabia que o ser humano tinha o livre arbítrio para fazer o que quisesse. Hoje, Josué foi mancando para casa, sua perna ainda defeituosa doía. Era uma dor boa, o ajudava a esquecer o rapaz. Merda! Lembrou dele! Mas tudo bem. Já estava quase em casa, seu santuário. Josué então foi surpreendido por uma mão em seu ombro. Uma mão estranhamente macia e quente. Ele sabia quem era. Pior que qualquer assaltante, pior que qualquer assassino, estava ele lá. O rapaz. O rapaz louro da igreja. "Oi, tudo bem?", disse o rapaz meio tímido "Você esqueceu sua Bíblia na igreja..." ele estendeu a Bíblia e Josué olhou para ela, meio aturdido, a adrenalina no sangue e o coração batendo rápido. "Sim..." disse a voz rouca de Josué, achando que devia dizer algo. "Então... aqui está" o rapaz mostrou a Bíblia novamente. "Ah, sim. Perdão.", disse Josué enfim pegando a Bíblia. "Haha, sem problemas", disse o rapaz, rindo - que sorriso lindo. Acenou e foi embora. Josué esperou o rapaz sumir de vista, agarrou-se na Bíblia e começou a chorar. PORQUE, SENHOR? PORQUE ME TESTAS ASSIM? Josué caiu de joelhos no chão gemendo e soluçando, e se deitou no asfalto quente, as luzes amarelas da rua o iluminavam como a um ator no palco. Ficou nem sabe quanto tempo ali, chorando, agarrado na Bíblia. A Bíblia, Josué percebeu. A Bíblia!! Era ela! A evidência do crime!! Precisava se livrar dela! Se levantou, correu estrada afora e mirou no mar. A Bíblia voou e caiu nas ondas sem grandes dificuldades. Josué então percebera o que fizera! Atirara no mar o livro de Deus! Oh não, oh não! Saltara depressa para recuperar o livro.

Não sabia nadar.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Sem Título

É tanta hipocrisia
É tanta merda
                     - fede, fedeu, fodeu, fedia
É tanta melosa afetação
E tanta sebosa corrupção
                                      - Põe na cueca
É tanta ignorância
Tanta falta de respeito
Tanta lamuria
Tanto deixar-isto-no-mesmo
                                           - Não adianta mudar
O Mundo não muda mais
Quem tentou mudar foram meus pais
Se nem eles conseguiram
De que adianta tentar?
                                  - Mas o Mundo mudou sim
                                  - Ele conseguiu piorar
Transformar Deus em arma e amor em droga
Transformar relação em competição, o crime em emoção
Transformar trabalho em dever, deixar a vida lá, morta.
Viver para morrer.
                                   - A Libertação Final
Sair dos grilhões do mundo material
Se livrar dos problemas nem-tão-reais-assim
Morte a você, vida para mim.

Lucrar com a morte, lucro indesejado
Mesmo aquele que, em vida, foi invejável,
Na morte é inútil, como o corpo que preservas.
Reservas
Imensas
De Dinheiro
De Materiais
De Posses
De Vidas
De Almas
De Sonhos
De Criptas.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Huberth Jones

Ele tateou nervosamente os bolsos do casaco e seu coração acelerou o passo quando ele achou que o cigarro não estava lá. Enfim achou. Nunca tinha sido de fumar, fumava ocasionalmente um mentolado durante o fim de semana, mas o momento pedia um cigarro, pedia alguma coisa para se acalmar. Pegou um cigarro do maço Free Light e o levou a boca, a mão tremendo, quase o deixando cair.
 - Não acredito que fiz isso. - disse ele levando o isqueiro à ponta do cigarro.


Acendeu o isqueiro e tragou com vontade a fumaça, soltando-a num aliviado suspiro.


- Não acredito que fiz isso. - disse de novo, enquanto respirava o ar gelado de inverno, seu casaco de camurça se molhando com a garoa.

Se lembrava do que falara, se lembrava de quem acusara, se lembrava do que fizera, mas era uma lembrança nebulosa, como se tivesse ocorrido há muito tempo atrás, quando na verdade só haviam se passado duas horas. Se lembrava de como, quando acabara o discurso, as câmeras focalizaram nele e se lembrava dos flashes. Se lembrava dos aplausos, das lágrimas e das expressões daqueles que conseguiram invadir o prédio para apoiá-lo. Se lembrava claramente. Mas também se lembrava das expressões dos políticos e dos empresários. Sabia que não teria muito tempo. Seria caçado logo, era uma ameaça. Tragou novamente o cigarro. As pessoas o ouviram, as pessoas o viram e viram todos, viram a verdade. Soltou a fumaça. Ele pode ter começado uma nova era.

Estava com frio. Jogou o cigarro ainda aceso no chão e pisou nele. Entrou em casa, a velha casa de madeira em que vivera a vida toda, possivelmente a última casa de madeira da capital.


"Sem mais guerras, sem mais abusos, uma nova era, uma era justa".


Já tinha começado sua campanha contra essa política assassina já fazia muito tempo, mas hoje, ah, hoje fora o ápice de todo seu trabalho. A emoção de tocar as pessoas é indescritível, a emoção de mobilizar as pessoas para seu próprio bem, o direito de reconquistar seus direitos, de exigi-los. Isto tudo era... indescritível. Era bom... mas era assustador também. Sabia o quanto isso poderia prejudicá-lo. Mas achava que valeria a pena, valeu a pena.

A lareira estava acesa. Então... já? Achava que teria alguns meses para se preparar. Pelo visto a situação estava mais urgente do que pensara. O homem sentado na poltrona de couro se levantou, seu rosto era uma sombra contra a luz da lareira.

- Boa noite, Sr. Huberth. Acho que sabe por que estou aqui. - o homem tinha uma voz grave, "grave como a morte", pensou Huberth.

- Sim... sei... - suspirou ele, a voz falha, nem se preocupando em esconder os espasmos na mão que segurara o cigarro...

- Sr. Huberth, meus chefes são extremamente generosos... e estão dispostos a fazer uma oferta a você. O que o senhor diria de cem milhões limpos, sem impostos, na sua conta imediatamente?

- E em troca, presumo que terei que desistir do meu trabalho e desandar todo o Movimento?

- Presumiu correto.


- Com certeza não. E acho que vocês já sabiam disso.

- Sim... sabíamos - o homem sem rosto suspirou algo que se assemelhou ao bufar de um cavalo - Sabe que terei de matá-lo, não?


- Não... você não tem que me matar. Se você me matar é você quem escolheu isso.
 - O senhor sabe o meu trabalho? - perguntou o homem, se movimentando pela sala, deixando o rosto ser iluminado pela luz da lareira. Seu rosto era bem cuidado e bem barbeado, sem um cravo ou espinha à vista.

- Sei.

- Então deve saber que não posso dar para trás. E deve saber o quanto me pagam.

- Claro que pode! Nosso movimento está dando certo, em breve desbancaremos estas pessoas corruptas e assassinas! Você e eu e o carteiro e o alto executivo e o jornaleiro somos pessoas iguais e seremos tratados iguais! Dinheiro não vai mais significar poder! Dinheiro vai significar posses somente! Teremos oportunidades iguais e...

- Eu gosto de posses, Sr. Huberth. - disse o homem, agora ligando a televisão no meio da sala. A luz deu um sinistro brilho aos seus olhos sem olheiras - não que dormisse bem, mas sabia como disfarçar, era extremamente vaidoso - E gosto de ter dinheiro e ter poder, Sr. Huberth. Mais alguma coisa?


Huberth abriu a boca para falar, e então viu o noticiário anunciando suas notícias. E as pessoas estavam lá. E não eram apenas as que cercavam o Senado, eram muitas, muitas mais. O país estava se mobilizando. Pessoas com faixas e cartazes, gritando pelos seus direitos, gritando por elas e pelas outras. Uma lágrima escorreu pelo rosto de Huberth Jones, seus óculos de lentes finas se embaçaram e seu rosto frágil e magro se contraiu numa expressão, não de desespero como o homem que o mataria pensou, não de medo da morte iminente, mas de felicidade, de orgulho. Conseguira, fizera o que tinha que fazer, fizera seu trabalho e as pessoas ouviram. Poderia morrer feliz. Todo o arrependimento foi varrido de sua mente. Estava pronto. O homem mudou de canal. Um pianista coreano começara a tocar em excelente interpretação o Noturno Opus 9 N° 2 de Chopin.


- Sabe que não haverá como parar estas pessoas. - disse Huberth, por fim.


- Talvez. - disse o homem, impassível - Mas pararemos você. Sua morte será um exemplo. Faremos parecer um suicídio, não se preocupe.


- Nunca acreditarão na minha morte. Saberão que fui assassinado.


O homem deu de ombros.


- Tiraremos na sorte - disse o homem sacando a arma com a mão devidamente enluvada e parando no ato.


O pianista encarnara o próprio Chopin e tocava cada tecla do piano como se fosse sua última.


- Sabe... - disse o homem girando a arma nas mãos - Eu tenho uma pergunta a você, Sr. Huberth Jones, e acho que não poderei protelar mais.

- Pode perguntar. - disse Jones, se sentindo fraco e terrivelmente ansioso e se sentando em uma das poltronas de veludo que estavam na família havia gerações, se ia morrer, que morresse confortável.


- O Sr. é contra guerras e contra as indústrias que mobilizam nossa economia, o Sr. é contra os poderosos que alimentam nossa bolsa de ações, o Sr. é contra o seu próprio país. Porque não é patriota Sr. Jones? Porque não ama seu país?


- Eu amo meu país. - respondeu Huberth - Mas isso não é comparado ao meu amor pelas pessoas. E no momento estes dois estão em conflito.


- Ah, sim. Obrigado por responder Sr. Huberth. - disse o homem apontando a arma para o peito de Jones.


- Por nada. - Huberth esboçou um sorriso, destroçado e horripilante e baixou os olhos, aguardando o tiro inevitável.


Mas ele não veio. O tiro não veio. Olhou para o atirador e ele hesitava, ainda com a arma apontada para Huberth. O atirador tremia um pouco e Huberth teve certeza de ter visto lágrimas brotando de seus olhos. Passou-se talvez uma eternidade onde Chopin reinava e a mente do atirador borbulhava. Talvez houvesse outro jeito... Jones fez menção de falar...
 Mas tão depressa quanto começou, o silêncio terminou com um barulho ensurdecedor.


O assassino fez seu trabalho, e o tiro saiu junto com as últimas notas do Noturno. O corpo de Huberth escorregou pela poltrona e ficou esparramado no chão, ainda observando o atirador, agora muito nervoso - nunca ficara tão nervoso em todos estes anos matando gente -, com seus olhos vidrados e estáticos. O sangue começou a empoçar e sujar o carpete da sala e tudo que se ouvia eram os aplausos vindos da televisão.


Aplausos fervorosos.