quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Com uma pequena ajuda de Ignácio de Loyola Brandão

Juan  se preparava para o trabalho, refazia aquela mesma rotina toda semana, todo mês, já havia quase 40 anos. Tinha agora seus 57 e estava cansado. Enfim aceitara isto. Não que nunca tenha se sentido cansado, mas desta vez era diferente, a mesma diferença entre o estar e o compreender que está. Você pode estar sonhando, mas no momento em que compreende que está sonhando, o quadro se altera completamente. E o quadro se alterou. Pela primeira vez em 38 anos, Juan González decidiu que não iria trabalhar. Sabia as implicações desta decisão, e sabia as possíveis consequências, mas estava simplesmente cansado. Se sentia exausto mentalmente e solitário desde que sua mulher morrera do mal do século: câncer. Sem filhos, Juan simplesmente seguiu com sua rotina, carregando sempre seu lenço de flanela no bolso - aquele lenço que ela carregava consigo, de forma tão inocente e colonial - para o caso de uma ocasional - e frequente - crise de choro. Nunca superara a morte de sua mulher, mas nunca realmente pensara no assunto. Juan agora sentia a idade, seus movimentos ficavam mais difíceis e seus ossos mais frágeis, sentia dores nas juntas e problemas respiratórios (apesar de não fumar). Largou a pasta que segurava com as duas mãos, como se fosse um recém-nascido e ela caiu, com um baque surdo, derrubando a vasta papelada no carpete mofado de um apartamento de solteiro. Lentamente tirou a feia gravata vinho, o terno barato e os sapatos de imitação de couro até ficar apenas de cueca e meias. Jogou tudo no chão. Arrastou-se para a cama, talvez a única parte do apartamento arrumada, era uma cama de casal feita, um dos lados - o direito - permanecia intocado. Juan caminhou até o lado esquerdo da cama, sentou-se, hesitou um pouco e, por fim, se deitou. Olhou para o teto, as luzes apagadas, o quarto iluminado apenas pelo sol, coberto de nuvens cinzas. Juan respirou e pensou. Fechou os olhos e abriu, respirou e pensou. Fez isso pelo que lhe pareceu uma eternidade, e então veio. Juan chorou, as lágrimas caíram silenciosas a princípio, umidecendo seu bigode farto. Logo, acompanharam-se gemidos e suspiros, além de engasgadas, à sinfonia da dor. Juan virou-se de lado, encolheu as pernas e apertou firmemente o cobertor na parte direita da cama. Apertou até seus dedos formigarem. Não ligou para a dor, apenas apertou. E então soltou. Juan adormeceu.
Acordou já de noite, com uma mensagem não lida no celular.

"Você está demitido"

Dizia a mensagem. Claro, o substituiram. Desde a reforma é assim: cometa um deslize e perca o emprego, existem muitos querendo ele. Não exisitem mais as famosas leis trabalhistas... só existe a vontade de poucos reinando a vida de muitos. Juan sabia disso... Juan não ligava mais. Dormira e ainda estava cansado, mas agora estava em paz. Sabia o que tinha que fazer. Não podia continuar assim, não aguentava mais.

"Foi por isso que não quisemos ter filhos", lembrou ele " para não colocá-los neste mundo horrível para sofrer."

Juan foi até a sala, ainda só de cuecas e meias. Caminhou firme e relaxado ao mesmo tempo até a janela que dava para a rua de trafego parado. Alguns helicópteros zuniam em seu ouvido. Subiu na janela, o calor do exterior e o cheiro forte de fumaça tomou conta. Mesmo assim, estava tranquilo.

- Estou indo te ver, querida.

Disse ele.

E pulou.





Juan morreu na queda com um ataque fulminante e seu corpo, que caiu em cima de um carro das FPS, Forças Privadas de Segurança, onde dois agentes conversavam sobre o novo reality show do canal 4.

- Porra! A merda do carro! Vai ficar caro pra caralho! E o puto velho nem pode me dar o maldito seguro!

Disse um dos agentes das FPS.

- Foda-se, pega o cara logo, vamos ser repreendidos.

Disse o outro.

Pegaram o cadáver e colocaram no banco de trás, ligaram a Sirene Especial para que os carros dessem espaço e foram lentamente e com dificuldade para um terreno baldio onde um amontoado de lixo estava acumulado. Quando jogaram o corpo lá, ele já estava começando a cheirar mal.

Se você chegasse perto da pilha de lixo, você veria, assim como Maricott Taylor, executivo que sobrevoava com seu mini-helicóptero aquele exato lugar naquele exato momento viu, mãos, pés, orelhas, narizes. Uma imensa pilha de corpos semi-deteriorados se formava naquele terreno baldio e aumentava a cada dia. E Maricott sabia que cemitérios eram caros, ele e todos os outros sabiam disso, não condenavam o ato. E, enquanto observava a pilha de corpos, Taylor recebeu um telefonema. Avisaram que um funcionário fora demitido e substituído e ofereceram uma oferta arrebatadora de expansão de negócios.
Maricott Taylor sorriu e cuspiu o chiclete de tutti-frutti que mascava, enrolando-o em plástico. "Pode apostar", confirmou ele, entusiasmado, enquanto jogava o papel por um compartimento para o lado de fora.

O papel com chiclete usado voou do helicóptero e caiu na boca escancarada do falecido Juan González, que Deus o tenha.

2 comentários:

  1. muito forte e muito bom que tal voltar para o livro?

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  2. deu até falta de ar no final suspirei de emoção

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