domingo, 3 de outubro de 2010

São Tempos Modernos, Pensou o Pescador que Observava Tudo em seu Barco a Remo


Um homem de terno chegou primeiro. Estava fechado ainda. Sentou-se. Logo mais quatro homens de terno chegaram e mais duas mulheres de terninhos cinza. Ao meio-dia setescentos e oitenta e quatro homens e mulheres de terno estavam enfileirados, ansiosos para que se abrisse, formando um organizado mar cinza. Meio-dia e meia e  oitoscentos e cinquenta e nove homens e mulheres de terno começaram a reclamar, do espaço, do calor e principalmente que não abria nunca. Foi apenas às duas da tarde, quando mil e sete homens e mulheres de terno já se xingavam por espaço, quando o antes organizado mar cinza estava na sua pior ressaca que um salva-vidas laranja surgiu. O funcionário da prefeitura disse-lhes que as barcas não abririam hoje devido a problemas do governo. "Esses grevistas", ele disse "Nunca ficam satisfeitos". O homem de uniforme laranja foi embora, deixando o mar cinza estático. O primeiro homem de terno, o que chegara lá antes, olhou em direção às portas cerradas das barcas que o levaria para o trabalho, para trás de sua conhecida escrivaninha, onde passaria a princípio 8, mas sempre aumentava para 10 horas por dia, para ganhar um bônus de salário. "Um homem precisa viver", dizia ele para si mesmo. A grade nas portas da entrada das barcas continuaram paradas apáticas, cinzas, mortas e o homem continuou a olhá-las, confuso, perdido, sem saber o que fazer. E agora? Precisava trabalhar, tinha sonhos a perseguir, uma familia a sustentar, pão para botar na mesa, lugares a ir. Seus devaneios foram cortados por uma forte luz. Cobriu os olhos com as mãos para se proteger do Sol e quase deixou a pasta cair. Desviou o olhar para fugir da luz e percebeu que todos faziam o mesmo que fazia antes, olhavam para a grade sem vida, com a expressão confusa, perturbada. O homem voltou a olhar para o Sol, e o que viu o paralisou. O mar, mais azul do que nunca, com as gaivotas mais brancas a mergulhar e pescar os peixes mais graúdos, sentia o suor escorrendo de seu corpo ansiar pelo frescor daquelas águas. Engoliu a saliva que lhe subia, sentindo a garganta seca. "Ent..." tussiu e tentou de novo "Então... acho que vou pra casa..." Deu as costas às barcas e foi em busca de seu carro estacionado no estacionamento rotativo a 5 metros dali. "Pelo menos vou pagar menos no estacionamento", pensou. Aos poucos, a multidão o seguiu, cada um indo para sua respectiva casa.

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