segunda-feira, 25 de junho de 2012

Ode às Traças

Matheus era ateu, apesar do nome bíblico. Quando criança, lembra que sua mãe o levava ao parque da cidade, onde havia um balanço. Balançava pelo que pareciam horas, sua mãe cantando enquanto ele pedia "mais alto! mais alto" e a cada empurrão, sentia que passava da estratosfera, quase encostava no céu. Cresceu... e aquela criança voadora perdeu as asas, sabia muito bem o tamanho do pulo que dava e não chegava a meio metro. Não ousava sonhar muito longe, sabia que seus sonhos nunca se realizariam. Começou a fumar aos dezesseis para se punir, um maço por dia. Começou a beber aos dezenove porque não aguentava mais o próprio julgamento. Agora tinha vinte e dois, escrevia, era a única coisa que fazia. Não ousava sequer pensar em publicar, sabia que não tinha competência. Teve duas namoradas, lembra-se, uma que amara e a outra não. A primeira guardava como agridoce recordação, amou e não foi correspondido e, apesar da dor, depois de um tempo isto pareceu irrelevante... Só queria estar perto dela, sentir o cheiro dela, o gosto. Mas não era sustentável, logo virou um encosto e foi dispensado. A segunda, a que não amara, durou mais. Não sabe bem o que o levou a continuar com ela... talvez o medo de ficar sozinho, talvez suas lindas coxas. Ela não o amava também e, lembra-se, certa vez disse-lhe "o que somos? não somos amantes, já que a gente não se ama..." ao que ela respondeu com uma risada seca e curta. Esta também cansou-se dele, mas ele já não ligou... chegou a um ponto em que a perspectiva da solidão lhe era mais interessante que sua companhia. Tragava mais cigarros a medida que envelhecia e envelhecia mais a medida que fumava. E nos intervalos, tomava uma ou duas doses. Vinte e dois... parecia trinta e quatro. Depois de sua segunda namorada, começou a fantasiar uma vida ao melhor estilo Álvares de Azevedo, beber, fumar e frequentar bordéis e viver na solidão - que já tinha deixado de ser uma ameaça e se tornou acolhedora. Viveu assim desde então... mas não morreu tão cedo... deixou a solidão e os vícios o corroerem, deixou o anseio pela morte crescer, deixou a dor reinar suprema sem objeções... escreveu poemas, contos, livros e mais livros sem nunca desvirginá-los sob os olhos de outra pessoa. Ah... a morte... como lhe agradava a ideia de um fim, ao mesmo tempo, era covarde demais para acabar qualquer coisa. Mas a solidão o foi endurecendo e a ideia da morte pelas próprias mãos parecia cada vez mais sedutoramente sólida e concretizável. Lamentou, enquanto apertava o buraco da bala, o sangue escorrendo por entre seus dedos meio adormecidos, que fosse morrer depois de reagir, bêbado, a um assalto. Em seu sujo e apertado escritório, pilhas de livros escritos a mão repousavam, aguardavam a volta de seu progenitor. Receberiam apenas a visita permanente da poeira e dos fungos que se acumulariam com o passar do tempo. Mas aguardariam pacientemente. Um dia, alguém os leria e conheceria aquele menino de nome bíblico que acreditava voar. O Matheus que nenhuma de suas namoradas, traficantes ou putas conheceu, mas que eles, suas crias escritas com tinta, suor e sangue conheciam tão bem. 

Ou as traças chegariam antes.

2 comentários:

  1. São as traças as leitoras mais significativas. Oswaldianas, devoram a cultura!
    (Adoro teus textos.)

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  2. sigamos o exemplo delas e antropofagizemos o que e quem encontrarmos pela frente!

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