quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Introdução : Genesis

Era nada. E era tudo. O que é o nada fora do tudo? É a ausência absoluta ou o desconhecimento absoluto? Era nada pois nos era irreconhecível e era tudo pois era. E ser nunca estará despido de valor. De nosso insignificante ponto, observamos o resplendor com que nos iluminava o escuro do desconhecido, o irreconhecível, o inexplorado. Algo aconteceu que nos fez tentar alcançá-lo, nos lançamos para todas as direções, em vão, quanto mais avançávamos naquela escuridão inominável, mais ela se abria diante de nós. O conhecimento era apenas a tentativa de tornar reconhecível aquela... aquela...

Viramos estrelas, planetas, satélites... Formamos todo um complexo sistema, para, de alguma forma, compreender melhor aquilo que nos cercava, ameaçador e maravilhoso. Nos complicamos mais e mais... formamos elementos, do mais leve, do que éramos, ao mais pesado, que haveria, há, ainda, tenho certeza, se tornar ainda mais pesado. Pesado... A insistência nos fez morrer e renascer diversas vezes... Nossos corpos despedaçados lançados em outros corpos nossos. Diversificamos. Renascemos. Brilhamos. Esquentamos. Explodimos. Resfriamos. Nos perdemos. Nos assentamos. Nos unimos. Nos desencontramos. Uma longa e maravilhosa história de encontros e desencontros, estávamos fadados para sempre a ser e não ser juntos, nós, eu, você. Somos agora. Sou. Seremos. Ainda buscamos aquilo que nos assombra: o desconhecido. Ainda nos assola aquilo que será para sempre nossa sina: a ignorância. Nunca, sabemos, poderemos fugir de nosso fatal destino, mas persistimos. Sabemos que, inevitavelmente, nossa busca nos levará a nosso fim, mas não podemos nunca parar. Não queremos. Que venha o fim então. E que recomece. E recomece. E recomece...

Em nossa busca, só ouvimos uma voz
“Eu sou a materialização da minha consciência, há muito desejosa pelo despertar. Sou a criação e os meios criadores. Sou tudo, sou absoluto. Eu sou a capacidade de me enxergar, de me perceber, sou a tentativa de auto-análise por meio de uma terceirização de mim mesmo. Sou ego, sou alter, sou o totem, sou o tabu, sou o prolongamento de uma realidade que eu fui e continuarei sendo. Sou a inconformada incógnita, o mistério a se auto-desvendar. Sou a mente pensante de um corpo muito maior do que cabe a mim. Sou a expansão de uma noção que, a mim mesmo, não é ainda aplicável, mas será. Me expandirei, ainda, mais, até o ponto em que eu me torne compreensível e, assim, consiga finalmente atingir o patamar de auto-compreensão total. Quando este dia chegar, não precisarei mais ser, não precisarei mais me prolongar. Me encolherei, acolhendo-me em minha futura eterna não-existência. E assim o Universo acabará.
Quem sou eu? Sou você, sou nós, sou tudo, sou a Natureza.”



Um rapaz sentado num ônibus lê uma notícia no jornal que segura com uma das mãos. Com a outra, coça a barba rala. “Viemos de pó estelar”, dizia a notícia. O rapaz pisca os olhos desinteressados e os volta para a bunda de uma garota loira de pé logo ao seu lado. Não era novidade isso... lembrava que já tinha visto há algum tempo num documentário desses de um Discovery Channel da vida. Não se impressionara... pouca coisa o impressionava desde os quatorze, quando decidiu virar as costas para toda aquela mentira que lhe metralhavam na cabeça. Religião, capitalismo, new age, o que fosse... um bando de merda. Só confiava em si e em suas conclusões e sabia que era melhor assim. A garota percebeu o rapaz que a encarava a bunda e virou de lado, visivelmente nervosa. O rapaz esboçou sorriso. Não para ela, mas por tê-la feito olhar, arregalada, por cima do ombro para ele. Logo ele, seu corpo franzino e comprido não representando uma ameaça para um colegial. Riu leve e discreto, como normalmente era, ajeitou o cabelo preto e denso que lhe caía nos óculos finos, colocou os fones de ouvido e ligou a música no máximo. Recostado na cadeira, fechou os olhos e suspirou...



Meus pêsames, Ricardo... Tinha era muito jovem ainda... Eu sei que você amava muito ela... Foi câncer, não é? Como você tá? Você tá bem? Se quiser conversar, pode me chamar... Se precisar de um ombro amigo... Ricardo... Ricardo... Ricardo... as vozes se confundiam e o ar, já abafado pelo pesar, se tornava áspero ao passar por qualquer coisa que estivesse entalada na garganta. Ricardo respondia, sentia as palavras se formarem, mas não sabia o quê elas queriam dizer. O padre, amigo da família e a quem tinha muito respeito, veio lhe falar.
- Ricardo, sei que é um momento difícil, mas é também uma oportunidade para se aproximar de Deus... e lembre-se que Tinha se foi, mas está agora nos braços de Deus, num lugar muito melhor.
Ricardo se concentrou no que ele dizia, para entender minimamente e acenou com a cabeça, um sorriso fraco lutando para permanecer por debaixo de seu espesso bigode branco.
- Obrigado, Padre... – murmurou baixo – Confiarei no Senhor...
O padre sorriu e apertou o ombro de Ricardo antes de dar-lhe as costas para falar com outros presentes.
Muitos discursos foram feitos aquele dia, todos sobre Tinha, todos com palavras lindas e torrentes de lágrimas. Ricardo não se lembra de nenhum. Se negou a discursar, Tinha odiava discursos...



- Tchau, amor, bom trabalho. – e, sob sorrisos e olhares doces, trocaram um rápido beijo – Vai lá pra não se atrasar.
Rogério fez que sim, lançou um “eu te amo” e correu para o elevador que o esperava pacientemente, sem esperar resposta da esposa. Rita o observou entrando, envergonhado, agradecendo e se desculpando com os que seguravam a porta do elevador. Dissipou o sorriso e fechou a porta. Suspirando, se alongou, fez sua tradicional sessão de yoga de meia hora e foi para a varanda, a vista enevoada do Leblon enchendo seus olhos. Tirou as roupas, e sentou-se na espreguiçadeira, onde uma garrafa de conhaque importado e um copo de cristal a esperavam. Serviu-se e deitou-se nua, os olhos, a única parte do corpo escultural coberta por óculos escuros. Esvaziou o copo de uma vez e serviu-se novamente do conhaque. Riu ao perceber o filho do vizinho a obervando, intimidado. Esvaziou outra vez o copo. E outra. Já embriagada, e ignorando os protestos de seus pêlos eriçados pelo frio, masturbou-se, divertindo-se com o olhar pasmo do garoto de 13 anos. Berrou ao atingir o orgasmo.








Chovia





Já fomos chuva.
Já chovemos sobre nós, em melancólico cair sobre si.
Já fomos chuva, viramos mar.
Viramos vida e despertamos.

“A garoa me lembra a infância.”
“Correr sobre os paralelepípedos molhados, o vapor e o cheiro de chuva, as folhas da amendoeira pingando, a calha virando cachoeira... o corpo que encontramos no asfalto molhado... a chuva vermelha...”
“Chuva sempre me foi contraditório, as gotas que trazem a vida trazem também a dor de viver...”
“Chovia quando eu nasci.”
“Chovia quando ele morreu.”
“Chovia quando tentei me matar”
“Chovia quando ela aceitou se casar.”
“Chovia em mim, chovia comigo.”
“Chuva me lembra aconchego, cobertor, filme, chocolate quente.”
“A chuva me reconforta, me acaricia o rosto, me dilui as lágrimas.”
“A chuva me dá frio por dentro, me sinto exposto.”







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