domingo, 9 de outubro de 2011

Sobre o aborto... polêmica é uma merda

Introdução:

Fui à missa com meu avô e ouvi o sermão do padre sobre o absurdo que era a legalização do aborto. Saindo de lá, recebi um pequeno panfleto sobre o tema. "ABORTO NÃO!", dizia o panfleto bem grande. aqui vai um pedaço dele para você, querido leitor:


Como talvez você possa perceber, o feto é retratado como um bebê e expressões como "triturado e aspirado", "cortado aos pedaços e arrancado", são usadas para causar horror e ojeriza. O padre, durante seu sermão, nos estimulou a ir em busca de imagens relacionadas ao procedimento do aborto. Não é nada bonito, eu lhe asseguro. Não vou forçá-lo a encarar tais imagens, se quiser, fique a vontade para buscar no google ou algo parecido. Do ponto de vista do livre arbitrio (uma questão tão delicada para a igreja, me parece) da mulher em relação ao seu corpo, o padre me diz que não é válido, uma vez que ela "está tirando a vida de outro ser humano". Muito bem, eu compreendo o ponto de vista da igreja... mais ou menos. A questão é que toda a argumentação dos que se dizem "Pró-Vida" é moral. Claro, não esperaria coisa diferente. E não espero que se crie um ponto de vista puramente racional, pelo contrário, a ética e a moral são fundamentais para o ser humano e seu desenvolvimento em sociedade. Bom, o que eu vou tentar fazer agora é relativizar a questão do aborto. Se existe realmente alguém que lê essa joça, adoraria que deixassem suas opiniões, se concordam ou discordam do que vou falar a seguir e, enfim... você já entendeu, possível leitor.

Mas antes:

Fiquei me mordendo e me coçando (como quem me conhece sabe que eu faço quando quero falar alguma coisa e não posso) enquanto ouvia o sermão do tal padre. Atraí olhares, foi extremamente desconfortável. Decidi que falaria com ele depois da missa, perguntaria se ele achava a morte pior que a tortura, se ele considerava o anencéfalo um ser vivo, etc... Não deu... em parte pelo meu bom senso que me impediu de fazer estas perguntas na frente do meu avô e de mais umas vinte ou trinta pessoas, e em parte por minha timidez. Bom... ainda pretendo conversar com ele. Vou esta semana mesmo marcar uma hora (é assim que funciona, né?). O que mais me incomodou foi a forma completamente parcial como o padre apresentou o tema. "É um assassinato", afirmou ele, veemente. Você pode achar que estou pedindo demais ao esperar de um representante da igreja um pouco de flexibilidade, mas com a influência que este possui, com o alcance de sua palavra, não é absolutamente absurdo algum esperar dele uma vontade de conscientização e não tomação de partido.

Conscientização, tenho odiado essa palavra nos últimos tempos, me parece tão vaga e vazia hoje, mas não há melhor pilar para minha argumentação, infelizmente. Vamos nos lembrar o que é conscientização, iluminação, o ganho de conhecimento, o afastamento da ignorância. Talvez a palavra que eu queira realmente usar seja "elucidação". Vou explicar.

Uma mania que têm os temas mais polêmicos é a bipolaridade, a radicalização dos lados. Ou é sim ,ou é não. Perai! As coisas não são assim! Estes extremismos acabam por tornar a discursão acerca do tema burra e infrutífera, porque os argumentos possuem padrões diametralmente opostos e quem é a favor, é a favor e pronto assim como quem é contra, é contra e pronto. Não existe diálogo, parece uma guerra. O objetivo se torna ganhar o máximo de adeptos quanto for possível e não chegar a uma síntese interessante para todos. É frustrante isso. O tempo passa e as coisas não mudam (como poderiam?), fica esta eterna batalha moralista. Com a elucidação, talvez possamos ter um diálogo mais saudável.

Enfim, sobre a questão do aborto:

Pois bem, estávamos falando do aborto, devo logo alertá-lo, leitor, que sou a favor da legalização, não por uma questão moral ou de direitos da mulher (sim, eu acredito na liberdade sobre o próprio corpo, acredito que a mulher deveria ter o direito de escolher se deseja ou não ficar com o filho, mas não se trata somente disto), é uma questão de fatos. Mais de um milhão de abortos clandestinos são feitos em nosso país todo ano (fonte: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/05/30/295957896.asp ), matando milhares e milhares de mulheres por falta de salubridade, higiene e competência médica. A grande maioria dessas mulheres são da classe mais baixa, são mulheres que sabem que não podem criar um filho, que sabem que se derem a luz a uma criança, vai significar a morte para ambos. Mulheres que precisam do aborto e isso não é uma questão moral, mas de sobrevivência. Você, infeliz e confortável leitor, diria que a gravidez foi consequência de suas ações e por isso deve ter o filho. Leitor, querido leitor, o senhor coloca uma criança como punição, isso não é certo. Até mesmo quando foi escolha da mulher não usar o preservativo, a incapacidade de criar um filho e a falta de disponibilidade de casas de adoção decentes (onde, de fato, crianças são adotadas) são razões mais que plausíveis para evitar que o bebê nasça, que ele cresça num ambiente rodeado por drogas, violência, morte, fome, miséria...
Não se engane, leitor, também sou "pró-vida", olhando agora pela minha varanda, sentado confortável  no sofá, me sinto feliz de estar vivo. O vento úmido que traz a chuva bate nas minhas pernas e faz as árvores balançarem, não gostaria de privar ninguém da possibilidade de sentir isso. No entanto, eu entendo que não são todas as pessoas que o conseguem. Nascer para morrer ou para ser escravo da dor não é vida que se preze, leitor, nisso eu também acredito. Nossos amigos "pró-vida" querem trancafiar a mãe que não deseja isto para o filho. Isso quando ela sobrevive! Nossos "pró-vida" acabam se tornando cúmplices da quarta maior causa da morte materna no Brasil e da agravação do sofrimento e morte infantil.

Entenda, leitor, que sou a favor da descriminalização do aborto, mas não de sua liberalização. Não é tornar o aborto um método anticoncepcional, muito menos uma política estatal. Por favor, isto seria por demais neomalthusiano (eca!). Me parece que muitos dos que estão "do meu lado" nesse debate têm uma infeliz visão do feto como um câncer, um tumor a ser removido. Queridos, um feto não é, nem da estratosfera, um câncer e o aborto tem que ser considerado com muito cuidado e carinho. Nenhuma mãe gostaria de matar seu filho, e creio que toda mulher gostaria de ser mãe um dia, não é opcional, é biológico, está no instinto feminino. O aborto é um imenso sofrimento para a mulher e eu reconheço isto. Não é algo que vai ser esquecido, não é um simples procedimento cirúrgico, é a privação da possibilidade de ser mãe. De criar uma vida. É terrível, mas muitas vezes necessário. Não cabe a nós julgar, no entanto. Cabe à mulher, e o aborto tem que ser uma alternativa porque, bem ou mal, quer você concorde ou não, quer sua moral condene isso, quer ela anseie por isso (tem cada um...), é uma escolha do casal, mas principalmente da mãe. Não tratem isso com leviandade, padres e neomalthusianos, é uma puta escolha que vai influenciar o resto da vida dessa mulher. Para que essa escolha seja feita, é necessário que se dê as informações e ferramentas certas para que ela entenda o que vai acontecer e como vai acontecer. É preciso compreender o procedimento, tanto do ponto de vista médico, quanto do ponto de vista psicológico.

O aborto não é uma questão a ser discutida, é uma questão a ser esclarecida. A verdade é que nenhum padre jamais terá que fazer tal dolorosa escolha, assim como a maioria das pessoas que debatem o caso. É preciso que alguém estenda as mãos para as mulheres que de fato estão nesta encruzilhada, e que este alguém não pretenda enfiar um cabide no seu útero. Com a legalização do aborto (não sua liberação), a questão pode ser discutida de forma objetiva e sem extremismos ou preconceitos, de forma muito mais justa e lúcida. De forma que as mulheres que um dia passariam por isso, possam entender e escolher o que for melhor para elas e seus filhos.

Considerações Finais:

Ter um filho, senhores, é motivo de alegria, não de angústia e desespero, e qualquer um que ache que uma criança merece ser tratada como fonte de tristeza, ser odiada por estar viva, é tão amoral quanto aqueles que acham que uma mãe não sofre com a perda do filho.

No fim, a polêmica em volta da questão do aborto induzido não deveria existir, já que se trata de uma escolha puramente da mulher e, com todo o respeito, não temos nada que meter o bedelho. A mulher que não aborta hoje não abortará amanhã só porque foi legalizado, assim como tem mulher que aborta hoje, independente da criminalização do ato. Estas não precisam de um sermão de um padre conservador condeando-a nem de um discurso de um progressista liberal incentivando-a, elas precisam de informação e amparo. E é isto que deveria ser discutido.

7 comentários:

  1. Cara, concordo com o que vc falou, mas acho que a questão da moralidade e do direito sobre seu corpo precisam ser discutidas sim. Não se pode simplesmente condenar um padre pelo que ele prega, pelo bem ou pelo mal, ele esta cego por aquilo que acredita. Aquilo e uma verdade absoluta a partir do momento que pra igreja a vida existe na hora da concepção. E po, eu tbm sou a favor da legalização, mas quando ha tbm a maldita conscientização. Por mais utópica que essa palavra seja, ela no minimo e necessária.

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  2. Senhora, senhores, membros do nosso grupo de discussão, eu simplesmente não tenho nada pra comentar aqui, tendo uma vez que TUDO que penso está refletido nesse texto aqui em cima. Concordo em gênero e grau. O maior problema é tratar o aborto como se fosse um todo e não individualizar o ser. Estupros, pobreza, falta de amadurecimento ou o que seja, pegam tudo isso e generalizam. Tratar um ser como A MASSA, é isso que faz-se (e faz-se muito bem). E tendo A MASSA como um único gigante ser acéfalo, pagamos o pato, uma vez dentro d'A MASSA, perde-se toda identidade e todo argumento que poderia em algum momento existir.

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  3. Rapha, isso depende do que o padre pretende com a sua pregação, se é orientar o seguidor ou conseguir mais adeptos para a religião através do medo e do moralismo exacerbado, uma prática bem medieval, cá entre nós. Eu acredito em padres e líderes religiosos que consegue orientar os fiéis em suas vidas, sim, com uma base religiosa, mas também respeitar opiniões divergentes. Quantos padres não ficaram do lado da revolução que tentou ocorrer durante a Ditadura, muito apesar da contra posição do alto clero? A igreja tem que evoluir com o tempo, e já está o fazendo, senão decairá como instituição.

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  4. Por mais que eu ODEIE com todas as minhas forças fazer isso, tenho que admitir que está você certo. O número de abortos não seria muito diferente com a descriminalização do mesmo e nenhum discurso de um padre irá alterar tal número. 'A mulher que não aborta hoje não abortará amanhã só porque foi legalizado, assim como tem mulher que aborta hoje, independente da criminalização do ato.' E por mais duro que seja admitir tenho que dizer que não consigo ser imparcial ao olhar o ato de um aborto pois minha instrução sobre o assunto sempre me fez ter dele repulsa e minha condição financeira me impede de pensar na morte de fome de meu possível filho. É muito difícil colocar-se na posição de outra pessoa e por mais que me irrite, entendo sua posição, não só a aceito como até concordo com ela. Afinal, a decisão sempre será da mulher e ela e apenas ela deveria ter o direito de escolher sobre o aborto. Não que depois de ter lido o seu texto eu pense que o aborto é justificável, mas não acho justo ser intolerante ao ponto de julgar sumariamente alguém por ter uma posição diferente e uma atitude diferente da que eu teria. Você está certo e isso é muito irritante.

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  5. É issaê, tbm concordo com o texto, essa tbm é minha posição. Anônimo do comentario acima, saiba que hoje vc fez uma pessoa extremamente feliz dizendo que ela tem razão.aauhauhhuaa

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  6. Horácio, você me contemplou em nivel absoluto com seu comentario, meses depois de o fazer. tratarei de avisá-lo. estou cheio de problemas na cabeça

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