quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Sacou o cigarro do bolso, mas não acendeu. Apenas encaixou-o na boca, os lábios secos e rachados pelo vento frio de outono sendo pressionados contra o papel macio do filtro. Sorria enquanto, distraidamente, observava uma gota d'água se desprender da calha da casa a frente e cair no que, lentamente, gota a gota, se tornaria uma poça. Não entendia o motivo de estar feliz, apenas sabia que estava. Para ser honesto, o motivo não importava tanto assim. Olhou para cima e admirou o céu nublado. Riu de si mesmo, sem entender bem porque e não se importando com isso.


Era metódico, buscava sempre ir a fundo em tudo, teimava em racionalizar os sentimentos e as relações humanas. Tentava esquematizar a vida e transformá-la em uma simples reação de causa e consequência, tese e antítese, uma concepção hegeliana do Universo. Pensar demais e simplificar demais a vida o mantinha ocupado e acabava por impedir que pensasse no que, de fato, não queria pensar. Por mais que fosse metódico, e se diagnosticasse, via a si mesmo em terceira pessoa e não tomava nenhuma medida concreta para se ajudar. Pensar demais o impedia de sentir, ainda mais este pensamento puramente objetivo, e isto, de certa forma, até funcionava para ele.


O Mundo acabou e, com Ele, toda e qualquer possibilidade de sustentação lógica, de posicionamento racional. Não havia mais nada, mais lugar nenhum para onde olhar... a não ser para dentro.

Viu-se forçado a encarar a si mesmo, a se entender, a se aceitar.

Durou um longo tempo.


Acordou suando frio, mas algo estava diferente, enxergava, de alguma forma, diferente. Nunca reparara, por exemplo, nos lindos desenhos e figuras que formavam as veias da madeira de seu armário, nem nunca notara o canto dos muitos pássaros que repousavam na fonte de pedra de seu jardim - todo coberto, notou, admirado, pelas folhas secas do outono, formando um incrível tapete laranja. As linhas do horizonte, as silhuetas das construções, o movimento das nuvens, o andar de cada pessoa, a dança das partículas de poeira, iluminadas por feixes de luz que escapavam por brechas no teto. O calor agradável do sol pela manhã, o sabor doce do mamão, o toque frio da colher de prata, o pulsar de suas veias, o bater de seu coração.


Sorria por algum motivo. Não sabia qual e nem se importava com isto.

Mas sabia que, mesmo sem entender, entendia.

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