sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O ENEM como mecanismo darwinista na educação

Neste último final de semana, alunos de todo o país (eu, inclusive) prestaram o Exame Nacional do Ensino Médio para conseguirem entrar nas respectivas faculdades. Vou tentar dissertar aqui sobre não só o ENEM, mas também todo o sistema de vestibular do Brasil e como isso compromete a educação. Lembre-se, leitor, é apenas meu ponto de vista e adoraria ser contestado. Sério, estou carente de discussões.

Bom, antes de mais nada, vou só fazer uma pequena (não tão pequena quanto eu queria, pelo visto) introdução. Estava eu ansioso (como todos, eu acho) para a prova de sábado (isso foi na quinta ou na sexta anterior), quando, após ouvir na televisão como Nietzsche e Darwin mudaram os paradigmas da história e etc, um devaneio acerca do evolucionismo darwinista me acertou e, como de costume, me desliguei do mundo real. A proposta de Darwin de um mundo competitivo, à la lei da selva se encaixa perfeitamente na estrutura do mundo moderno capitalista neoliberal (quer dizer, mais ou menos). Já ia dissertar sobre isso algum tempo atrás, lembrei, no início do ano, quando ia fazer um cansativo e cheio de clichés texto sobre como o capitalismo resgata o primitivismo, anulando a ideia de sociedade, nos trata como diferentes, falaria sobre como a competição é a única relação biológica que é negativa para os dois lados e blá blá blá. Enfim, misturaram-se os dois pensamentos e um flash em forma de frase me iluminou a cabeça: "O ENEM como mecanismo darwinista na educação". Bom, a iluminação parou por aí. Não faço ideia de como este texto vai ficar, só sei que vai ser bastante broxante (ou será brochante?) pra muita gente que espera ler uma crítica ao ENEM, se é isso que está procurando, se poupe... não é o que vai encontrar. E é assim por dois motivos: o primeiro é que eu não sou contra o ENEM e mesmo que fosse minha opinião é uma opinião de leigo e, portanto, reconheço minha total inaptidão para tocar no assunto "educação". O segundo motivo é que não quero ser taxado de "estudante com dor de corno", escrevendo um texto criticando o ENEM logo depois de ter lançado o gabarito oficial. Não vou dizer que não vai ter um pouco de dor de corno aí, até vai, mas não vai se focar nisso. Enfim... ao texto, né...


O ENEM mostra na prática como Darwin pode ser aplicado ao sistema burocrático do Estado. O basicão da evolução é a aquela célebre frase "a sobrevivência dos mais aptos". É, e como todo professor de biologia faz questão de repetir, lembrem-se: não é o mais forte, nem o mais inteligente, é aquele queé mais apto a viver ao meio. Falando em linguagem de ENEM, você pode ser o melhor da turma e tirar as melhores notas, se não tem o saco de ficar sentado na cadeira por dois dias fazendo 180 questões mais uma redação, você não entra na tão sonhada faculdade. É... infelizmente não é bem assim. Há quem ache que ENEM é chute de múltipla escolha... não é. Eu digo infelizmente, porque adoraria ter motivos para criticar o tal sistema e fazer a alegria dos meus leitores... mas é um negócio (esse troço de TRI) que, infelizmente, é bem estruturado... de ser usado na Alemanha e (eca) EUA. As críticas então são na base da falta de segurança e como sempre vaza ou algo do tipo. Queridos, acho muito complicado que não tenha nenhum erro numa prova de aplicação tão grande e tão, de certa forma, nova... são mais de 6 milhões de alunos fazendo a prova. Mas isso não justifica... só tenham em mente a evolução do sistema: se em 2009 chegou a ter uma prova cancelada, em 2010 vazou apenas o tema da redação e este ano foram 9 ou 13 questões, depende do ponto de vista (e se Deus quiser, não nos farão fazer essa maldita prova de novo). O ENEM evolui e aprende com os erros do passado... é inevitável uma implantação unificada do ENEM... eventualmente vai acontecer. A questão, na minha opinião, não é bem a forma como é aplicada a prova, específica ou objetiva, fácil ou difícil, mas o modo de se ingressar na faculdade. Vou explicar...


Relação candidato/vaga (UFRJ 2011) para

- Relações Internacionais: 44,33
- Medicina: 104,23
- Gastronomia: 115,88 (!!!)


E por aí vai, se você quer ver a lista toda, aqui está ela: http://www.vestibular.ufrj.br/index.php?option=com_content&view=article&id=186:relacaocandidatovaga2011&catid=1:informacoes-gerais&Itemid=18


Se você é um aluno, sabe muito bem o quão assustadores são esses números. Não é meramente curioso que seja tão difícil ser médico? Ou mais ainda, ser um chef? Vivemos num constante déficit de vagas nas Universidades. Não sei se isso é pior ou de igual consternação ao critério de escolha da profissão pelo aluno. Não é a toa que medicina tem um número tão grande de candidatos (na UFRJ, ano passado, foram 8.026, de acordo com esta tabela), porra. Médico ganha bem, tem status, emprego praticamente garantido e certa estabilidade. Além do conhecido bom-mocismo (ele salva pessoas!). Com respeito a todos os médicos sérios por aí, tem muito médico filho da puta e ganhar dinheiro sendo filho da puta nessa área é mole! Quanto à gastronomia, juro que não faço ideia do motivo de tamanha procura.
A questão, no final, não é nem se um problema é pior que o outro, ambos estão fatalmente correlacionados. Então qual é a questão?


Se o critério para a escolha de profissão é o financeiro, é óbvio que muitas profissões vão ser deixadas de lado e outras vão ser mais requisitadas. E quais são cada uma acho que já sabemos. Vivemos numa sociedade técnica, prática e mesquinha. Esnobamos com nossos computadores portáteis e telas que respondem ao toque. Uma sociedade onde a única criatividade que é bem vinda é aquela que pode gerar lucro. E que seja prática! E sem gastar muito, também!! A criatividade, antes valorizada no meio artístico, com suas extensas raízes percorrendo os salões da música, da pintura e da arquitetura, hoje se vê enclausurada no Vale do Silício. Não é a toa que saia daí, portanto, um dos "pilares do vestibular". O arquiteto está morto! Chame o engenheiro! Ele fará mais barato e mais prático! Vivemos em quadrados, pelo amor de Deus! Quadrados apertadíssimos! Vocês já passaram pelo centro do Rio de Janeiro? Ou pelo Pelourinho, em Salvador? Viram como até os prédios simples eram dotados de uma beleza que nos é estranha hoje? Viram como os adornos, os detalhes, como tudo fazia do prédio não uma caixa para se morar, um abrigo, mas uma obra de arte? Não? Pois reparem!

Segundo pilar do vestibular: o advogado! Sociedade violenta, criminal, não só em sua parte física, mas principalmente em sua parte financeira. E os advogados que mais ganham são aqueles que, evidentemente, evitam que o criminoso vá para a cadeia. São das falhas do sistema jurídico e da fraqueza da Justiça não só do Brasil, mas parece-me que do mundo inteiro, que surgem esses seres. Bem pagos, se competentes, o que não falta é gente sendo presa para eles.

Isso nos leva até o maior pilar do vestibular, o já citado "ser médico". Medicina deveria ser uma profissão, acima de qualquer coisa, social. Ao invés disso, se tornou um degrau para alavancar o alto nível social. Médico é high society agora, é grand monde. Virou uma profissão elitizada, um mundinho fechado e corrupto, onde os poucos que conseguem penetrar e manter a integridade, que deveria ser inerente a um médico, são ridicularizados. Dizer que isso me revolta é pouco. Me deixa puto pra caralho! Pra caralho! A medicina, acima de qualquer outra profissão, deveria ser para todos e praticada por quem tivesse a competência para praticar!
O que nos leva ao próximo tópico, que já até foi mencionado... mas como estou cagando para a organização...


A questão de ingresso na faculdade pelo vestibular (a situação pouco criteriosa que muito apontam apenas para o ENEM) é sintoma de uma deficiência nas vagas das faculdades. Ora, se o Estado estimula a concentração profissional, que arque com as consequências! Não se pode esperar que um estímulo direto para a área de engenharia, por exemplo, seja suprido com a relativa pouca quantidade de vagas. Universidade, e ainda mais pública, deveria ser um direito do cidadão brasileiro, de todos eles. É dever do Estado fornecer educação de qualidade para todos e vou escrever mais uma vez, em itálico até, para o leitor entender a ênfase: para todos! Vivemos, como sempre vivemos, a elitização do diploma. Não preciso explicar para o leitor a importância do diploma hoje em dia, com o mercado de trabalho cada vez mais exigente (consequência da amada Revolução Tecno-Científica, produção pós-fordista, bla bla bla), nem a péssima educação de base fornecida pelo Estado, preciso? Acho que também não preciso, mas vou apontar mesmo assim, que o aluno normal de uma escola pública dificilmente conseguirá competir com o aluno fraco de uma escola privada! Competição essa derivada da falta de vagas. Não deveria haver esta competição, precisamente. Se o Estado fizesse seu papel direito, a única preocupação do aluno seria com sua própria nota. Ao aluno bastaria se mostrar competente para entrar na faculdade. Mas ao invés de suprir as necessidades de uma juventude carente de educação, estímulos positivos, reflexão e liberdade criativa, o Estado empurra com a barriga, dá benefícios para quem fizer engenharia (claro, o Brasil em fase de crescimento, quer mais é engenheiros) e decreta as cotas como a política de inclusão social definitiva. Sou a favor das cotas até certo ponto. Usá-la como tampão para as carências sociais do Brasil é o certo ponto! E é nesse contexto que vemos protestos de estudantes de classe média contra as cotas. Infelizmente, o Estado, com sua ineficiência, fomentou a falta de coesão social, por meio de uma competição apelidada carinhosamente de vestibular.


Como vê, leitor, a partir do meu ponto de vista, consegui deslocar o problema do ENEM, para o vestibular em geral. Não é a forma como é aplicada a prova, isso o ENEM faz bem (segundo educadores), mas a motivação do aluno e a falta de motivação do Estado. Estes dois fatores fazem da vida de nós, vestibulandos, um inferno. Especialmente aqueles que desejam uma profissão "não rentável" e sentem medo de ingressar nela. Não nos julgue, leitor! Não nos chame de covardes! Queremos viver bem como todos vocês! Ter uma renda estável e que dê certo conforto. Mas nos parece que isso só é possível se ingressarmos em um daqueles três pilares. É o mito que todo vestibulando enfrenta. E, infelizmente, muitos acreditam nele.


E agora? O que fazer com essa merda toda? Pra começar, temos que reestruturar nossos valores e prioridades. Primeiro, todas as profissões têm de ser reconhecidas como de igual valor. "Ah então você acha que um médico tem que ganhar o mesmo que um gari?" Sim, porra. " Mas o médico estudou dez anos e o gari não tem nem o ensino médio completo!" Pois deveria ter, todos deveriam ter ensino médio completo. E se o médico estudou dez anos é porque quis. Se você quer ser um médico pela recompensa financeira, meu querido, eu ouso lhe chamar de filho da puta. Existe sim uma paixão por certa profissão que nos faz escolher o que fazer da vida. Existem médicos apaixonados pelo que fazem, acredite se quiser. E serão esses que, apesar de serem (em um futuro utópico) trabalhadores como quaisquer outros, vão ingressar na faculdade de medicina e se formar médicos depois de dez anos de estudo.
Com a desconcentração profissional, com essa abrangência muito maior de profissões, podemos avançar a passos largos como uma sociedade mais coesa e organizada. Um mercado de trabalho mais fluido e sem aquela estagnação que gerava (gera) a queda de salário, uma sociedade menos estressada, fazendo o que gosta de fazer. O fim da competição que não seja consigo mesmo, para se superar e atingir seu objetivo... enfim... são sonhos que eu gostaria que meu filho vivesse... talvez o filho dele...

4 comentários:

  1. Cara, no que se refere a sua idéia, não sei se eu não saquei, mas você sugere que o Darwinismo Social é real? outra coisa, creio que o que você colocou sobre vagas em faculdades,ao meu ponto de vista é um erro,pois cada vez mais faculdades expandem suas turmas-vide uff com seu aumento quase que dobrando as vagas- sem aumentar os professores, nem suas estruturas e o que pode se observar é o sucateamento do ensino superior publico,projetando cada vez mais a faculdade particular e sua indústria do ensino e isso é um processo em andamento. abraços,joão. alias,bom texto. obs:vai fazer o que de vestibular?

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  2. O primeiro pensamento sobre o ENEM como um mecanismo do Darwinismo Social foi usado para ser desconstruído mesmo. O senso comum, infelizmente, aponta para que o darwinismo social seja real. Mas não é. Nem o darwinismo pode ser aplicado como foi como desculpa para o imperialismo nem como desculpa para a marginalização do ENEM.
    Quem está mais preparado para a prova, tanto psicologicamente quanto intelectualmente vai, invariavelmente, melhor. Isso só deixa constante o status quo nas universidades e nos empregos Brasil afora, a rapaziada que entra, por prova especifica ou pelo ENEM, vem, geralmente, de escolas particulares. Hã... sobre as faculdades, admito que desconhecia o fato, mas quando me proponho o aumento das vagas, deixo implícito todo o investimento em infraestrutura, claro, não adianta ter várias salas vazias.
    Mas a ideia central não é nem o aumento das vagas, mas a valorização das demais profissões que não aparentam ser tão rentáveis quanto aquelas citadas (e algumas poucas outras). Vestibular, vestibular, ainda não tenho certeza, mas acho que to pendendo entre várias coisas... relações internacionais (mais pela grade de aulas, não faço ideia do mercado de trabalho), economia talvez, história, geografia, psicologia, queria fazer até gastronomia, se pudesse haha.

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  3. o texto tá meio confuso pq foi escrito as 5 da manhã com uma imensa preguiça de minha parte para reescrever algumas partes... mas qualquer dúvida ou questionamento, adoraria responder!

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  4. O que é importante se observar também é que o ENEM está sendo aproveitado pelo governo para maquiar o sistema de ensino público, quando por exemplo, diz que um número maior de estudantes de escolas públicas ingressou nas universidades ja que o ENEM promove uma grande ''democratização'' no ingresso à estas, mas vale lembrar que entre as escolas públicas está o Pedro II, os colégios militares, entre outros, que se sabe que tem tradiçao e ótima qualidade de ensino, muitas vezes se equiparando ou sendo superiores a muitas escolas privadas e que se incluem nesses dados do governo, criando assim uma falsa ilusão de que a educação pública está melhor e que a ''democratização'' realmente é válida. Mas isto é só um dos VÁRIOS fatores existentes que são usados para fazer esta ''maquiagem'', isto foi só um pequeno exemplo.
    Vale lembrar também que essa falsa democratização não so é usada para maquiar o sistema de ensino mas também para ludibriar o povo a partir do momento em que este cria uma falsa ilusão de que tem chances reais de ingressar na universidade, quando na realidade ao disputar uma vaga com estudantes de escolas privadas ou de melhor qualidade não tem chance quase nenhuma de ganhar a disputa, mas mesmo assim o governo sai como bonzinho, que dá oportunidade para os mais pobres, etc.
    Não sou contra o ENEM, acho aliás que uma maneira uniforme de vestibular é valida, mas n quero me aprofundar num debate sobre isso, só acho que a maneira com que ele está sendo usado pelo governo é escrota, e é so mais um jeito de fazer o q ele sempre fez, mas agora pagando de bom moço, que bom.. é o que sempre tenta fazer no final das contas.

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