sábado, 5 de novembro de 2011

Fairy Tales - Horácio Dib

Este é um conto que eu gosto muito, do querido Horácio do http://www.algumhoracio.blogspot.com/. O texto original se encontra neste endereço http://algumhoracio.blogspot.com/2010/01/fairy-tales.html Espero que goste tanto quanto eu.






"Era uma vez um garoto preso dentro de um quarto escuro com uma pequena luz acesa, o que fazia o quarto ficar meio-claro, não escuro. Ele enxergava as sombras escorrendo de suas pernas pras portas. Sim, era um quarto sem paredes. Apenas portas ao lado de portas."


- Mas tio, isso não faz sentido...


- Cala a boca que a história é minha.


"As sombras formavam alguém desconhecido, uma pessoa, varias pessoas. Formavam um acontecimento, formavam cidades e cotidianos, tristezas e alegrias. Dizem que quando apertavam a maçaneta com força ouviam um grito lá dentro. Quando batiam [toc toc! Tem alguém aí?] em alguma das portas a porta batia de volta. De tanto ficar preso nesse quarto o garoto passou a se-lo, e isso só complicou as coisas.


Não sabia quem eram seus pais, nem sabia se fora fabricado do modo convencional, como as outras crianças. Era um viajante solitário, um coração de pedra envolto em uma carapaça de couro. Parado, vagava horas pelo enorme quarto até cansar. Quando estava com fome comia alguns pedaços das sombras, elas nem sentiam, de tão pouquinho que era! (Mas quando ele sem querer mordia num ponto fraco, era pernas-pra-que-te-quero. Mas não dava certo, por que era um "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", já que o quarto inteiro era feito de sombras, então elas batiam nele.) Ele ficou fraco e magro, então começou a se alimentar da luz que vinha da pequena lâmpada."


- Isso é impossível!


- Impossível é você dormir cacete. Dá próxima vez vou te dar algum remédio e foda-se.


- Tio! Você falou um palavrão! Você me disse que era uma fada! Fadas não falam palavrões!


- Falam sim. Fadas ficam de saco cheio com sobrinhos chatos. Você já quebrou meu espelho hoje muleque, nem deveria estar te contando nada.


- Fadas não falam palavrããããao...


- Tá, eu sou a Fada do Palavrão. Agora cala a merda da boca.


"Comia, comia, comia por horas, sugava o poder, a força e o calor que a lâmpada emanava. Logo começou a emanar sua própria luz e todo o quarto se iluminou. As sombras malvadas saíram de perto, com medo da luz, que vinha com os dentes abertos para come-las. E ele continuava comendo, dessa vez comia até a luz que emanava de si mesmo. Foi crescendo, crescendo, crescendo, crescendo, crescendo...


Certo dia explodiu as portas do quarto escuro (com medo de ser explodido junto, já que ele era também o quarto), mas percebeu que eram coisas diferentes agora. Desde o momento em que começou a se alimentar de uma força diferente do quarto escuro (uma força de luz, entendam, algo que rasga qualquer escuridão) seu cordão umbilical imaginário fora rompido."


- QUE NOJO.


- QUE MERDA, você não dormiu ainda?


- Como vou dormir com uma merda dessas tio?
- OLHA A BOCA MOLEQUE!


- Mas você falou!


- Eu posso.


- Se você pode eu posso também!


- Não pode por que eu sou a Fada do Palavrão.


- E eu? Sou a fada do que?


- Você é um menino porra!


- Você também é!


- Não, eu sou Homem, é diferente! Eu posso ser Fada!


- Sou a fada do quee-ê?


- É a fada do sono. Tem que dormir pra... ser a fada do sono.


- Vou tentar tio!


"Continuou crescendo."


- Ficou grande igual meu pai?


- Seu pai tem obesidade mórbida, é diferente.


- O que é o-be-si-da-de-mor-bi-da ?


- Pergunte pra ele.


"Percebeu que fora do quarto de portas havia um enorme campo de morango e coisas que todas musicas dos Beatles tem. Vivia rodeado de um céu cheio de diamantes."


- O que é Beatles?


- É um outro nome pra Deus.


- Que estranho. Minha mãe disse que Beatles é uma banda que ela ouve. Então ela ouve Deus?


- Você sabia o que era! Por que perguntou?


- ...


- Váááá pra merda.


- Se você me xingar de novo eu vou chorar!


- Vá chorar na merda. Continuando.


"Depara-se consigo mesmo em um barco em um rio com árvores de tangerina e céus de marmelada. Alguém o chama, ele responde muito lentamente. Era uma garota com olhos de caleidoscópio. Flores de celofane amarelas e verdes sobressaindo sobre sua cabeça.
Ele procura pela garota com o sol em seus olhos e ela se foi."


- Você usa drogas?


- Quê?


- Você usa drogas?


- É uma música! Lucy in the Sky with Diamonds!


- Beatles?


- Beatles.


- Você percebeu, tio, que as iniciais de Lucy, Sky e Diamonds fazem "LSD"?


- E o que você sabem disso?


- Acho que seu Deus se drogava, tio.


-Cala a boca pirralho!


- Pirralho não, Fada do Sono!


- Puta que pariu, sua mãe me deixou te cuidando pra sair com seu pai e agora que eu quero me divertir você não dorme!


-Mas você disse que sabia uma história Tio!


- Sabia nada, to inventando na hora!


- Por isso que tá uma merda.


"Então ele olha o sol e começa a sugá-lo. Ele é o sol e lá de cima acha a garota de grandes olhos e bochechas de romã. Seguram-se nas mãos e devoram-se infinitamente. Os dois brilham nos céus com um grande algodão-doce cortado em forma de nuvens.


É um momento angelical dentre um inferno de paixão.


Seu sangue unindo-se ao dela, num ritual tão nojento que parecia lindo. Suas peles se uniam, grudando-os. Seus cérebros eram um só, seus sentimentos e escolhas.


Surreal.


Um não era nada sem o outro.


A Lua não é nada sem seu Sol.


Eleanor Rigby não é nada sem os Beatles.


Um ser não é nada sem amor a algo.


Um corpo não é nada sem a alma.

Eu não sou nada sem vo..."


- Tio? Tio? Você dormiu...


-Ahn? Que?


- Você dormiu tio!


- Não, não dormi... Estava entrando na história, é diferente. Estava me vendo nos campos de morango... com a garota com olhos de caleidoscópio...


- Você usa drogas, tio.

- Ah, vá dormir moleque. Sem mais histórias por hoje.










                                                                           Horácio Dib.


nexo? pra que? verdades juntas criam coisas... surreais.















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