segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Jornada por São Paulo ou O que é "ser" humano? Parte 2 - Steve

Fomos almoçar e pedimos para por o que tinha sobrado (era muito) numa quentinha. Demos para um senhor morador de rua, no bairro nobre do Jardins. Perto dele, um outro morador de rua, este mais jovem, foi em sua direção. O senhor puxou a quentinha para si e não fez menção de querer dividir. Já tínhamos ido embora, não sei o que se sucedeu, mas algo frio bateu no meu coração. Frio, profundo e escuro. Sensação de vazio, um vácuo espacial. Com o tempo eu me acostumei com um discurso que enaltecia o pobre e vilanizava o rico. Claro que eu sabia separar a carteira da ética, mas, por ser convicto da natureza boa do ser humano, achava que aquele que menos tinha era mais propenso a dividir e saber conviver em comunidade pacificamente. Aquele velho discurso de esquerda de que o pobre é a vitima o colocava para mim como indefeso e incapaz de causar mal. No entanto, eu via alguém que não possuía nada se negar a dividir uma quentinha lotada de comida. Eu vi aquele discurso ser quebrado, a vitimização exacerbada daquele que não tem é fantasiosa e oriunda daqueles que se cegam para a realidade, intelectuais com certo poder aquisitivo que ou não conhecem a realidade que descrevem ou são tão obcecados pela tomada de partido em uma luta de classes que, honestamente, não acredito que exista mais, tem tanta necessidade de mostrar a tirania do dinheiro que esquecem de retratar o indivíduo pobre como ser humano. Se existe Eike Batista, individualizado e com personalidade, existe a comunidade pobre, anônima e sem personalidade própria, apenas um estereótipo genérico que de alguma forma serviu para descrever milhões de pessoas.

Mas acabei divagando, voltemos.

Passado este episódio fomos dormir e a primeira coisa que fomos fazer no dia seguinte foi realizar o motivo da viagem: a exposição de fotos do renomado Steve McCurry. E foi neste ponto que eu escrevi a anotação da primeira parte. O trabalho de Steve McCurry é vasto, mas percebe-se um ponto em comum em todas as fotos, sejam elas fotos de guerras, dificuldades, culturas ou retratos, em todas elas as pessoas são retratadas, dentro e fora da cultura de cada uma. Para mim, McCurry utiliza-se das fotos para mostrar não as diferenças culturais, isso fica em segundo plano, mas as semelhanças humanas e como isso, a humanidade, está acima de qualquer nacionalidade, cor, cultura, língua, origem, costume, ou qualquer que seja.



Sentimentos como o medo , a desconfiança, a dor, o pesar, o amor, o carinho e a perseverança, assim como a superação das dificuldades são aspectos humanos sem barreiras. O sorriso e o brilho no olhar das pessoas que McCurry fotografou eram os mesmos, não importa se eram jovens monges tibetanos ou velhos mineiros afegãos. Isso abriu meus olhos, a compreensão do que é o ser humano independente de suas tantas variações culturais. O "ser" humano é sentir, sofrer, amar, ter medo, sonhar, enfrentar e fugir. Não há classificação outra para qualquer grupo de pessoas senão humano.




Não há característica que defina suficientemente um determinado grupo para que haja uma barreira em torno dele, seja ela cultural, geográfica ou financeira. Não somos bons, não somos maus, somos todos seres humanos e estamos acima de qualquer definição moral.

Enquanto no Museu da Língua Portuguesa, a guia nos contou que "yanomami" significava "ser humano" na língua dos que foram então chamados yanomami. Imagina só se puséssemos de lado as classificações inúteis e fictícias e começássemos a nos denominar "seres humanos"! Talvez algumas coisas poderiam ser diferentes? Talvez possamos ser um pouco mais yanomami.

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