sábado, 21 de janeiro de 2012

um conto sobre nada em particular, sem nenhum objetivo que não chega a lugar nenhum... é o anti-viagra, pode-se dizer...

no relógio: 14:35.
no túnel: o trem do metrô vinha.
foi com aquela familiar sensação, medo talvez, receio, não sabia definir, de que seria deixado para trás, que o trem, depois de seguir a pela estação por quase toda a sua extensão, parou.
abriram-se as portas.
pessoas literalmente pulando pela porta, se empurrando e se esmagando, correndo para pegar um lugar vago.
eu esperei. não precisava sentar, achava um tanto de graça naquele jogo de desespero, como cães famintos atrás de um pedaço de pão que alguma alma bondosa (ou sádica, dependendo da sua orientação filosófica) jogou no chão. dei um leve sorriso e entrei.
no vagão: todos as cadeiras estavam ocupadas. vi um homem de seus, sei lá, trinta, quarenta anos, ocupando o assento reservado aos deficientes e idosos. parecia decidido a não sair de lá de jeito nenhum. me agarrei numa das barras de aço esperando o solavanco.
o trem começou a andar: olho para frente. uma senhora se encontra sentada na cadeira a minha frente, o rosto abatido, cabisbaixo, parecia ter chorado. olhava para o chão ou para as mãos mal cuidadas. os cabelo grisalhos desgrenhados eram curtos para os de uma mulher, e emolduravam aquele quadro de tristeza (de alguma forma envolvida em doçura) que era tão... bonito? observei-a durante um tempo, meu coração se enchendo de vontade de confortá-la. impossível, eu sabia, mas vontade era vontade.
senhores passageiros, chegamos na estação do Catete.
ninguém desceu, muitos subiram. o vagão começou a ficar mais cheio, mais apertado. aquele cheiro acre de suor, que só quem já andou em transporte público conhece, ficou mais evidente. uma mulher se prostou do meu lado. bonita, belos peitos.
solavanco: o trem começou a andar de novo.
um rapaz, de o quê? uns 28 anos, talvez? me olhava fixamente, os olhos arregalados. arqueei a sobrancelha. talvez estivesse olhando a mulher do meu lado. ignorei. olhei ao redor. no canto do vagão, umas 20 pessoas olhavam para frente, para literalmente o nada, os olhos vidrados e muito atentos e vazios e muito distraídos da mesma forma. parecia a crackolândia, sem o porte da droga, claro. que eu tivesse visto pelo menos.
a senhora continuava na mesma posição. um suspiro, uma saliva sendo engolida e mais nada.
chegamos na próxima estação... pouca gente saiu, pouca gente entrou.
solavanco novamente.
a mulher do meu lado olha para mim. eu arqueio a sobrancelha, deve estar olhando para alguém do meu lado.  ela olha para o outro lado, eu observo o chão. dá para entender a atração que os olhares têm pelo chão ou pela parede. o descompromisso de não se olhar ninguém no rosto é uma sensação realmente libertadora, é reconfortante se livrar da pressão social que um simples olhar traz. mesmo e talvez principalmente se for para um estranho.
outra estação e a senhora piscou três vezes, agora quatro vezes. não se mexeu mais q isso. suas rugas desenhavam seu rosto da forma que os aros de um tronco desenham uma árvore. profundos contornos que esculpiam sua pele seca e mal cuidada. me perguntei se as lágrimas não a hidratariam. ela não pareceu notar ou então não se importava que eu a observasse. o que teria acontecido? solavanco. seria uma filha que fugiu de casa? uma vida desperdiçada em um casamento que não deveria ter acontecido? ou talvez o simples gosto amargo de se estar no fim da vida e saber disso?
o homem não me encarava mais... ou à moça, tanto faz. ninguém se mexeu muito... os olhares ainda estavam vidrados e vazios e tudo o mais... era como um elevador mais demorada e horizontal. a sensação de se estar confinado num espaço pequeno com um punhado de pessoas suadas realmente não é das mais convidativas, mas o que se pode fazer...
a mulher saiu na próxima estação, assim como uma parte dos passageiros. solavanco. a senhora estava lá ainda. minha estação era a próxima e eu não saberia o que fazer. pergunto sua história? a consolo? mais rápido do que eu pude concluir meu dilema, o trem para na minha estação... eu salto para a plataforma, deixando para trás a senhora, ainda na mesma posição.

Um comentário:

  1. "Mas as pessoas da sala de jantar são preocupadas em nascer e morrer"
    Magnifico!

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