domingo, 9 de janeiro de 2011

George Orwell

Transcrevi para o blog alguns trechos do livro de Emmanuel Goldstein, personagem fictício do famoso romance distópico de George Orwell 1984. O livro é muito abrangente, mas quis me focar em apenas um dos vários pontos apresentados. Espero que leiam, gostem e reflitam tanto quanto eu o fiz.

(*Duplipensar se trata da "habilidade" de pensar, ao mesmo tempo, duas coisas totalmente contraditórias. A palavra foi inventada por Orwell e incorporada no dialeto oficial da Oceania [supernação onde a história se passa], Novilíngua, como forma de criticar a abordagem midiática)

"Em épocas anteriores, as distinções (de classes sociais; hierarquias) não tinham sido apenas inevitáveis como desejáveis. A desigualdade era o preço da civilização. Todavia, com o desenvolvimento da produção a máquina, alterou-se o caso. Mesmo que ainda fosse necessário aos seres humano desempenhar diferentes tipos de profissão, já não era preciso que vivessem em diferentes níveis sociais ou econômicos. Portanto, do ponto de vista dos novos grupos que estavam a pique de tomar o poder, a igualdade humana não era mais um ideal a atingir, era um perigo a evitar."



"O paraíso terreno se desacreditara no momento exato em que se tornara realizável."
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"O objetivo primário da guerra moderna (segundo os princípios do duplipensar*, essa meta é simultaneamente reconhecida e não reconhecida pelos cérebros orientadores do Partido Interno) é usar os produtos da máquina sem elevar o padrão de vida geral. Desde o fim do século dezenove, foi latente na sociedade industrial o problema de dar fins ao excesso de artigos de consumo. Atualmente, que poucos seres humano têm bastante para comer, esse problema evidentemente não urge, e assim poderia vir a ser, mesmo sem a intervenção de um processo destruidor artificial."


"Desde o momento em que a máquina surgiu, tornou-se claro a todos que sabiam raciocinar que desaparecera em grande parte a necessidade do trabalho braçal do homem e, portanto, a da desigualdade humana. Se a máquina fosse deliberadamente utilizada com esse propósito, a fome, o excesso de trabalho, a sujeira, o analfabetismo e a doença poderiam ter sido eliminados em algumas gerações. E na verdade, sem ter sido usada com esse propósito, porém por uma espécie de processo automático – produzindo riqueza que às vezes se tornava impossível deixar de distribuir – a máquina elevou grandemente o padrão de vida do ser humano comum, num período de uns cinquenta anos, ao fim do século dezenove e no começo do vinte."


"Tornou-se também claro que o aumento total da riqueza ameaça a destruição – com efeito, de certo modo era a destruição – de uma sociedade hierárquica. Num mundo em que todos trabalhassem um pouco, tivessem bastante que comer, morassem numa casa com banheiro e refrigerador, e possuíssem automóvel ou mesmo avião, desapareceria a mais flagrante e talvez mais importante forma de desigualdade. Generalizando-se, a riqueza não conferia distinção. Era possível, sem dúvida, imaginar uma sociedade em que a riqueza,no sentido de posse pessoal de bens de luxos, fosse igualmente distribuída, ficando o poder nas mãos de uma pequena casta privilegiada. Mas na prática tal sociedade não poderia ser estável. Pois se o lazer e a segurança fossem por todos fruídos, a grande massa de seres humanos, normalmente estupidificada pela miséria aprenderia a ler e aprenderia a pensar por si; e uma vez que isso acontecesse, mais cedo ou mais tarde veria que não tinha função a minoria privilegiada e acabaria com ela. De maneira permanente, uma sociedade hierárquica só é possível na base da pobreza e da ignorância."


"O essencial da guerra é a destruição, não necessariamente de vidas humanas, mas dos produtos do trabalho humano. A guerra é um meio de despedaçar, ou de libertar na estratosfera, ou de afundar nas profundezas do mar, materiais que doutra forma teriam de ser usados para tornar as massas demasiado confortáveis e portanto, com o passar do tempo inteligentes. Mesmo quando as armas de guerra não são destruídas, sua manufatura ainda é um modo convincente de gastar mão de obra sem produzir nada que se possa consumir. (... ) Em princípio, o esforço bélico é sempre planejado de maneira a consumir qualquer excesso que possa existir depois de satisfeitas as necessidades mínimas da população. Na prática, as necessidades da população são sempre subestimadas, e o resultado é haver uma escassez crônica de metade dos essenciais, mas isto é considerado vantagem. É uma política consciente manter perto do sofrimento até os grupos favorecidos porquanto o estado geral da escassez aumenta a importância dos pequenos privilégios e assim amplia a distinção entre um grupo e outro."


"A atmosfera social é de uma cidade sitiada, onde a posse de um pedaço de carne de cavalo diferencia entre a riqueza e a pobreza. E, ao mesmo tempo, a consciência de estar em guerra e portanto em perigo, faz parecer natural a entrega de todo poder a uma pequena casta: é uma inevitável condição de sobrevivência."


"Veremos que a guerra não apenas realiza a necessária destruição como a efetua de maneira psicologicamente aceitável. Em princípio, seria bastante simples gastar o excesso de mão de obra construindo templo e pirâmides, cavando buracos e tornando a enchê-los, ou mesmo produzindo grandes quantidades de mercadorias e queimando-as. Mas isso só daria a base econômica, mas não a emocional, de uma sociedade hierárquica. Trata-se aqui não do moral das massas, cuja atitude não tem importância, contanto que sejam mantidas no trabalho, mas do moral do Partido. Espera-se que até mesmo o mais humilde membro do partido seja competente, industrioso e inteligente, dentro de estreitos limites, porém é também necessário que seja um fanático crédulo e ignorante, cujas reações principais sejam medo, ódio, adulação, e triunfo orgiástico. Em outras palavras, é necessário que tenha a mentalidade apropriada ao estado de guerra."





Infelizmente, este vídeo, vazado e divulgado pelo site Wikileaks, não faz parte da ficção de Orwell. Faz parte da nossa própria realidade. Podemos facilmente traçar um paralelo entre a guerra contínua do Partido, no livro de Orwell, e nossas próprias guerras, infindaveis, cada vez contra um novo inimigo. Se o Iraque foi aliado dos Estados Unidos no passado, agora é inimigo e sua aliança nunca existiu. E assim como na "Oceania" retratada no livro, o inimigo do "Partido" é o mal supremo e sempre foi. Isso é só uma das muitas, muitas semelhanças entre nossa realidade e a ficção de George Orwell. Leiam o livro, tracem seus paralelos, pensem, critiquem, levantem-se, falem e façam sua voz ser ouvida.

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